Coisa
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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- | :"Sobretudo aprendera agora a se aproximar das coisas sem ligá-las à sua função. Parecia agora poder ver como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes tivéssemos dado o sentido de nossa esperança humana ou de nossa dor. Se não houvesse humanos na Terra, seria assim: chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam e depois ardiam secas ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido, como Lóri se assustava!" | + | : "Sobretudo aprendera agora a se [[proximidade|aproximar]] das [[coisas]] sem ligá-las à sua [[função]]. Parecia agora [[poder]] [[ver]] como seriam as [[coisas]] e as [[pessoas]] antes que lhes tivéssemos dado o [[sentido]] de nossa [[esperança]] [[humana]] ou de nossa [[dor]]. Se não houvesse [[humanos]] na [[Terra]], seria assim: chovia, as [[coisas]] se ensopavam sozinhas e secavam e depois ardiam secas ao [[sol]] e se crestavam em poeira. Sem dar ao [[mundo]] o nosso [[sentido]], como Lóri se assustava!" (1). |
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- | :LISPECTOR, Clarice. ''Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres | + | : (1) LISPECTOR, Clarice. '''Uma [[aprendizagem]] ou o [[livro]] dos [[prazeres]]. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 32.''' |
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+ | : (1) [[HEIDEGGER]], Martin.''' "[[Construir]], [[habitar]], [[pensar]]". In: [[Ensaios]] e Conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 133.''' | ||
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+ | : Fritjof Capra (1), baseado em [[conceitos]], estabelece dois níveis de aproximação da [[coisa]] como [[organismo]]. Primeiro: [[padrão]] organizacional; segundo: [[estrutura]]. Com estes dois níveis ele quer dar conta da [[questão]] que dá [[início]] à trajetória [[ocidental]]: o que permanece e o que muda. O que é [[questão]] inicial se reduz aos poucos em [[questão]] da [[essência]]. E esta acaba por ser reduzida ao [[conceito]], em diferentes graus de [[abstração]]: [[padrão]] organizacional e [[estrutura]] (singular). O importante, no caso da [[vida]], é que ele vai centralizar-se nos [[processos]]. E, nestes, na [[questão]] da [[autopoiese]], ou seja, no [[surgimento]] da [[ordem]] a partir do [[caos]]. A introdução deste, no entanto, traz algo que o [[padrão]] e a [[estrutura]] não dão. Basta [[pensar]] no [[fato]] de haver a [[morte]] em tensão com o [[caos]] e com a [[autopoiese]]. | ||
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+ | : O que é a [[morte]]? É a volta ao [[caos]]? Mas então como o [[caos]] pode [[ser]] a base da [[autopoiese]]? E note-se que a [[questão]] da [[coisa]] aparece então aí claramente, pois há duas [[mortes]]. A [[morte]] na [[ordem]] do ''bíos'' e a [[morte]] na [[ordem]] da ''[[dzoé]]''. Como? A [[memória]] morre? A [[história]] passa como [[história]]. E a [[memória]]? Não é por causa da [[memória]] que há [[história]]? Então qual a relação [[entre]] [[morte]], [[vida]] e [[memória]]? É neste [[horizonte]] que é [[necessário]] [[pensar]] a [[linguagem]] e com ela a [[coisa]], o [[mundo]] (''[[lógos]]'') e o [[sentido]]. Mas, então, o [[saber]] é da ordem da [[memória]]. E esta? Não pode ser reduzida às formações discursivas. As [[questões]] da [[vida]], [[morte]], [[memória]] e [[linguagem]] não são nem podem ficar dependentes das formações discursivas. Mas o inverso, porque estas são modos de encarar tais [[questões]]. Como na ordem dos [[discursos]] só há [[significados]], na ordem das [[questões]] se dá também a [[questão]] do [[sentido]]. [[Sentido]] não é [[significado]]. É mais. E é então que a [[morte]] se dá como [[morte]], a [[vida]] como [[vida]], a [[memória]] como [[memória]], a [[linguagem]] como [[linguagem]]. A [[coisa]] como [[coisa]]. É bem [[verdade]] que os geneticistas não pensam a [[coisa]], mas a [[unidade]]. Pode haver [[unidade]] que não seja [[coisa]]? E nem todo [[ente]] é [[unidade]]. [[Ente]] em [[grego]] [[é]] ''[[on]]'', que foi traduzido para o latim como [[ente]] e ''res''/[[coisa]]. [[Pensando]] a [[coisa]] no [[horizonte]] da [[unidade]] dos geneticistas ajuda a tirar o caráter [[abstrato]] do [[ente]], da [[coisa]], desde que apareça como [[questão]]. | ||
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+ | : O que definiria um [[corpo]]? Ora, se observarmos quando perguntamos isso e fazemos da pergunta uma questão, tudo se complica. O princípio que definiria um corpo seria o mesmo do que define uma coisa? Mas, por outro lado, o que identificar como [[coisa]]? Claro que aí pressupomos nas nossas respostas duas questões já respondidas: a) ente/ser; b) finito/não finito. As duas se implicam. Nesse sentido, a determinação do limite é essencial. Mas como fazê-lo? Ele vem da [[coisa]] ou do que teorizamos o que seja a [[coisa]]? Normalmente, julgamos que algo fundamental numa [[coisa]] é a matéria. E, em cima deste, julgamos resolver a questão da [[coisa]] com a forma ou limite. Ocorre que mesmo antes de a forma ser questionada é necessário questionar a matéria. E isso ficou bem claro a partir de física quântica e da teoria da relatividade de Einstein. Onda e partícula são complementares, não no sentido de que uma suplementa a outra, mas de que a ''phýsis''/natureza/nascividade ora se mostra como partícula ora como onda, o que significa que ela, ao mesmo tempo, é onda e é partícula. O que aí fica misterioso é esse "e". Mas devemos compreender que a complementaridade não leva em conta a questão do que é e não-é. Porém, é aí que se põe e propõe a verdadeira questão. Ora, o mesmo se vai dar com Matéria e Energia. Matéria pode virar Energia e esta se condensar em Matéria. Na medida em que há essa intercambiação como apreender o que é [[coisa]]? E como fica aí o inter-(cambiar)? Então a [[coisa]] vai nos aparecer, a partir do entre, no horizonte do ser e não-ser, isto é, da questão do [[sentido]] e do [[mundo]]. Corpo aparece, portanto, na complexa e misteriosa realidade de matéria/energia, forma/limite, mundo/sentido, mas onde isso deve ser pensado no horizonte do não-limite, do [[ser]] e do [[não-ser]]. | ||
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+ | : "Nós também: estamos sempre a inventar [[regras]] na [[esperança]] de domar o que não se pode domar. O que, provavelmente, não se deve domar. A [[verdade]] insuportável, que a doce Alice nos obriga a encarar, é que vivemos em um [[mundo]] no qual existem muito mais [[enigmas]] do que [[respostas]]. Um [[mundo]] inconstante, cheio de [[coisas]] que servem para outras [[coisas]] - e não para aquelas que imaginamos a que estejam destinadas" (1). | ||
+ | : O [[autor]] está falando de Alice, a [[personagem]] paradoxal da [[obra]] de Lewis Carroll '''Alice no país das maravilhas'''. | ||
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+ | : "Pois justamente a [[relação]] entre [[coisa]] e [[palavra]], e isso na configuração de [[ser]] e [[dizer]], foi uma das primeiras coisas que o [[pensamento]] ocidental colocou em [[palavras]]. Essa [[relação]] avassalou o [[pensamento]] de tal modo que se pronunciou numa única [[palavra]]. Essa [[palavra]] diz: ''[[logos]]''. Essa [[palavra]] é, ao mesmo tempo, [[nome]] para o [[ser]] e para o [[dizer]]" (1). | ||
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+ | : (1) [[HEIDEGGER]], Martin. "A [[essência]] da [[linguagem]]". In: ---. '''A [[caminho]] da [[Linguagem]]. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 144.''' | ||
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+ | : "O segundo [[argumento]] diz respeito à [[ideia]] de [[causa]], principal recurso para se [[explicar]] a [[razão]] da [[existência]] das [[coisas]]. [[Todas]] as [[coisas]] são isto ou aquilo por causa de [[outras]] [[coisas]]; nenhum [[ser]] pode [[ser]] por si mesmo, ou a partir de [[nada]]. Em outras [[palavras]], as [[coisas]] são relativas e impõe-se conceber como [[existente]], [[necessariamente]], um [[ser absoluto]] que é a [[causa]] de si mesmo e [[fundamento]] de [[todos]] os demais [[seres]]" (1). O Apresentador das obras de ''Santo Anselmo'' está se referindo ao segundo [[argumento]] de ''Santo Anselmo'' sobre a [[existência]] de [[Deus]], apresentado na sua [[obra]] ''Proslógio''. | ||
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+ | : (1) ''Sto. Anselmo'' - [[Vida]] e [[Obra]]. Consultoria de Carlos Lopes de Mattos. In: '''Os [[Pensadores]]. Santo Anselmo - Abelardo. São Paulo: Abril Cultural, 2. e., 1979, p. VII.''' | ||
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+ | : "Porém: as “[[coisas]]” são [[questões]] e nos escapam porque são fugidias, embora acessíveis e disponíveis; enigmáticas, embora presentes e visíveis; [[simples]], embora complexas e impenetráveis; [[silenciosas]], embora insinuantes e [[musicais]]" (1). | ||
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Edição atual tal como 19h42min de 20 de março de 2025
1
- "Sobretudo aprendera agora a se aproximar das coisas sem ligá-las à sua função. Parecia agora poder ver como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes tivéssemos dado o sentido de nossa esperança humana ou de nossa dor. Se não houvesse humanos na Terra, seria assim: chovia, as coisas se ensopavam sozinhas e secavam e depois ardiam secas ao sol e se crestavam em poeira. Sem dar ao mundo o nosso sentido, como Lóri se assustava!" (1).
- Referência:
- (1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 32.
2
- "Um dos transcendentais de ente é ser uno. Leibniz pensou-o como principium identitatis indiscernibilium: o princípio de identidade dos indiscerníveis" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. O que é uma coisa? Lisboa: Edições 70, 1992, p. 32.
3
- "Não se deve esperar encontrar nas línguas arcaicas essa terminologia dos filósofos - real-irreal etc. -, mas encontra-se a coisa" (1).
- Referência:
4
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". In: Ensaios e Conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 133.
5
- Fritjof Capra (1), baseado em conceitos, estabelece dois níveis de aproximação da coisa como organismo. Primeiro: padrão organizacional; segundo: estrutura. Com estes dois níveis ele quer dar conta da questão que dá início à trajetória ocidental: o que permanece e o que muda. O que é questão inicial se reduz aos poucos em questão da essência. E esta acaba por ser reduzida ao conceito, em diferentes graus de abstração: padrão organizacional e estrutura (singular). O importante, no caso da vida, é que ele vai centralizar-se nos processos. E, nestes, na questão da autopoiese, ou seja, no surgimento da ordem a partir do caos. A introdução deste, no entanto, traz algo que o padrão e a estrutura não dão. Basta pensar no fato de haver a morte em tensão com o caos e com a autopoiese.
- O que é a morte? É a volta ao caos? Mas então como o caos pode ser a base da autopoiese? E note-se que a questão da coisa aparece então aí claramente, pois há duas mortes. A morte na ordem do bíos e a morte na ordem da dzoé. Como? A memória morre? A história passa como história. E a memória? Não é por causa da memória que há história? Então qual a relação entre morte, vida e memória? É neste horizonte que é necessário pensar a linguagem e com ela a coisa, o mundo (lógos) e o sentido. Mas, então, o saber é da ordem da memória. E esta? Não pode ser reduzida às formações discursivas. As questões da vida, morte, memória e linguagem não são nem podem ficar dependentes das formações discursivas. Mas o inverso, porque estas são modos de encarar tais questões. Como na ordem dos discursos só há significados, na ordem das questões se dá também a questão do sentido. Sentido não é significado. É mais. E é então que a morte se dá como morte, a vida como vida, a memória como memória, a linguagem como linguagem. A coisa como coisa. É bem verdade que os geneticistas não pensam a coisa, mas a unidade. Pode haver unidade que não seja coisa? E nem todo ente é unidade. Ente em grego é on, que foi traduzido para o latim como ente e res/coisa. Pensando a coisa no horizonte da unidade dos geneticistas ajuda a tirar o caráter abstrato do ente, da coisa, desde que apareça como questão.
- Referência:
6
- O que definiria um corpo? Ora, se observarmos quando perguntamos isso e fazemos da pergunta uma questão, tudo se complica. O princípio que definiria um corpo seria o mesmo do que define uma coisa? Mas, por outro lado, o que identificar como coisa? Claro que aí pressupomos nas nossas respostas duas questões já respondidas: a) ente/ser; b) finito/não finito. As duas se implicam. Nesse sentido, a determinação do limite é essencial. Mas como fazê-lo? Ele vem da coisa ou do que teorizamos o que seja a coisa? Normalmente, julgamos que algo fundamental numa coisa é a matéria. E, em cima deste, julgamos resolver a questão da coisa com a forma ou limite. Ocorre que mesmo antes de a forma ser questionada é necessário questionar a matéria. E isso ficou bem claro a partir de física quântica e da teoria da relatividade de Einstein. Onda e partícula são complementares, não no sentido de que uma suplementa a outra, mas de que a phýsis/natureza/nascividade ora se mostra como partícula ora como onda, o que significa que ela, ao mesmo tempo, é onda e é partícula. O que aí fica misterioso é esse "e". Mas devemos compreender que a complementaridade não leva em conta a questão do que é e não-é. Porém, é aí que se põe e propõe a verdadeira questão. Ora, o mesmo se vai dar com Matéria e Energia. Matéria pode virar Energia e esta se condensar em Matéria. Na medida em que há essa intercambiação como apreender o que é coisa? E como fica aí o inter-(cambiar)? Então a coisa vai nos aparecer, a partir do entre, no horizonte do ser e não-ser, isto é, da questão do sentido e do mundo. Corpo aparece, portanto, na complexa e misteriosa realidade de matéria/energia, forma/limite, mundo/sentido, mas onde isso deve ser pensado no horizonte do não-limite, do ser e do não-ser.
7
- Rosa faz da coisa um tema constante. É prestar atenção, pois elas aparecem em seu vigor de mundo mítico. É preciso olhá-las com o olhar mítico: "Assim, o Menino, entre dia, no acabrunho, pelejava com o que não parecia querer em si. Não suportava atentar, a cru, nas coisas, como são, e sempre vão ficando: mais pesadas, mais-coisas – quando olhadas sem precauções" (1). Este estado mítico é bem expresso por Rosa logo adiante, quando diz: "Depois do encanto, a gente entrava no vulgar inteiro do dia. O dos outros, não da gente" (2).
- Referências:
- (1) ROSA, Guimarães. "Os Cimos". In: Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 172.
- (2) Idem, p. 173.
8
- "Eu sabia que não era para se responder. Ele, afinal, não falava o que dizia. Referia outro assunto. Cada coisa tem direito a ser uma palavra. Cada palavra tem o dever de não ser nenhuma coisa" (1).
- Referência:
- (1) COUTO, Mia. O último voo do flamingo. Lisboa: Caminho, p. 139.
9
- "Nunca se permitiria contar, mesmo a papai, que não conseguia pegar a "a coisa". Tudo o que mais valia exatamente ela não podia contar" (1).
- Referência:
- (1) LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. 4. e. Rio de Janeiro: Sabiá, 1972, p. 12.
10
- "Nós também: estamos sempre a inventar regras na esperança de domar o que não se pode domar. O que, provavelmente, não se deve domar. A verdade insuportável, que a doce Alice nos obriga a encarar, é que vivemos em um mundo no qual existem muito mais enigmas do que respostas. Um mundo inconstante, cheio de coisas que servem para outras coisas - e não para aquelas que imaginamos a que estejam destinadas" (1).
- O autor está falando de Alice, a personagem paradoxal da obra de Lewis Carroll Alice no país das maravilhas.
- (1) CASTELLO, José. "Por que ler 'Alice'?. In: O Globo, Caderno Prosa e verso, 23-05-2015, p. 5.
11
- "Pois justamente a relação entre coisa e palavra, e isso na configuração de ser e dizer, foi uma das primeiras coisas que o pensamento ocidental colocou em palavras. Essa relação avassalou o pensamento de tal modo que se pronunciou numa única palavra. Essa palavra diz: logos. Essa palavra é, ao mesmo tempo, nome para o ser e para o dizer" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A essência da linguagem". In: ---. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 144.
12
- Referência:
- (1) HERÁCLITO. Fragmento 66. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 75.
13
- "O segundo argumento diz respeito à ideia de causa, principal recurso para se explicar a razão da existência das coisas. Todas as coisas são isto ou aquilo por causa de outras coisas; nenhum ser pode ser por si mesmo, ou a partir de nada. Em outras palavras, as coisas são relativas e impõe-se conceber como existente, necessariamente, um ser absoluto que é a causa de si mesmo e fundamento de todos os demais seres" (1). O Apresentador das obras de Santo Anselmo está se referindo ao segundo argumento de Santo Anselmo sobre a existência de Deus, apresentado na sua obra Proslógio.
- Referência:
- (1) Sto. Anselmo - Vida e Obra. Consultoria de Carlos Lopes de Mattos. In: Os Pensadores. Santo Anselmo - Abelardo. São Paulo: Abril Cultural, 2. e., 1979, p. VII.
14
- "Porém: as “coisas” são questões e nos escapam porque são fugidias, embora acessíveis e disponíveis; enigmáticas, embora presentes e visíveis; simples, embora complexas e impenetráveis; silenciosas, embora insinuantes e musicais" (1).
- Referência: