Escuta

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: (1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro. Revista ''Tempo Brasileiro'': ''Interdisciplinaridade dimensões poéticas'', 164, Jan.-mar. 2006, 180.
: (1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro. Revista ''Tempo Brasileiro'': ''Interdisciplinaridade dimensões poéticas'', 164, Jan.-mar. 2006, 180.
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: "Um novo [[caminho]] tinha que ser pensado e proposto, um [[caminho]] que reconduzisse o [[leitor]] para o [[questionamento]], a [[escuta]], a [[diversidade]] e o [[diálogo]] com as [[obras poéticas]]. Isso exige um [[leitor]] novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu [[sentido]], [[verdade]] e [[mundo]]. Exige um [[leitor]] num [[diálogo]] ''com'' e não mais um falar ou escrever ''sobre'' as [[obras]]. É um [[diálogo]] exigente, pois só [[escuta]] e dialoga quem ''se'' [[escuta]]. Mas a [[fala]] é da [[obra]] e não do [[autor]], uma vez que nela quem age é a ''[[poiesis]]'' e quem fala é o ''[[Logos]]'' [[originário]] e não o ''[[logos]]'' [[racional]] da [[Modernidade]]" (1).
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:  Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). ''Arte: corpo, mundo e terra''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.

Edição de 22h49min de 24 de Outubro de 2018

1

Heráclito, no fragmento 50, fala do lógos como escuta, certamente porque o legein além de significar reunir, quer dizer falar. Se há fala, e há, então é necessária a escuta. Porém, para nós mortais, vem logo a questão: Escuta do quê? É como se esperássemos algo de fora a que pudéssemos prestar ouvidos. Na escuta do lógos não há fora nem dentro. Há, e é tudo, é o real se dando como fala, mas uma fala que não fala algo, é algo, é real, é o real se dando como fala, como verdade e se retraindo e velando como não-verdade. Então, escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fique mais claro, se for possível, que um outro modo de escuta do real é a visão. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como presença, onde está incluído tanto o que se vê como quem vê e a própria luz e a própria clareira onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o "sendo", a realidade se realizando. Presença é o desvelamento do sendo. É a verdade dando-se como presença e guardando-se como não-verdade. Escutar é ver a verdade como presença. Por isso, presença é mais do que a visão de algo, embora esta esteja incluída na presença. Presença é o real se presenteando na densidade do corpo, onde tudo está contido: dança, música, poesia, pintura, escultura. Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa, sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o lógos que a tudo põe, reúne e diz.


- Manuel Antônio de Castro

2

"O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 168.

3

"O homem não escuta porque tem ouvidos; mas tem ouvidos porque ele é um ser cujo modo de realização se dá na escuta. Neste sentido, talvez possamos dizer que a escuta, como remissão obediente ao que nos vem ao encontro, e a espera do inesperado, são dimensões de um pensamento que se coloca à disposição da força" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.


Ver também:


4

Na escuta há a fala e o apelo. O apelo é a fala originária, a abertura liminar para o novo, o além-limite. Por isso, toda interpretação só é hermenêutica enquanto desvelo do apelo. O apelo é a eclosão da linguagem em língua poética, na medida em que toda língua é filha da linguagem.


- Manuel Antônio de Castro

5

Heidegger interpreta passagens de poemas de Hölderlin que falam do homem como diálogo na conferência "Hölderlin e a essência da poesia": "Mas Hölderlin diz : 'Desde que nós somos um diálogo e podemos escutar uns aos outros'. Poder escutar não é meramente uma consequência de falar uns com os outros, mas é ao contrário a pressuposição para falar. Mas mesmo o poder escutar é ele mesmo de outro modo baseado sobre a possibilidade da palavra e possui a necessidade dela. Poder falar e poder escutar são co-originados" (1).


Referência:
(1) WERNER, Aguiar. Música: poética do sentido - uma onto-logo-fania do real. 2004. Tese (Doutorado em Poética) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2004, capítulo III, p. 25.


- Manuel Antônio de Castro

6

A obra enquanto escuta indica uma referência à linguagem/phýsis. A escuta não é algo de passivo, mas o horizonte do desabrochar de quem escuta. Nessa tensão ocorre a obra, a obra enquanto dinâmica de manifestação da verdade, que implica o que somos e, por isso, toda escuta é ética. Isto significa que escuta não diz apenas conhecer, mas ser o que se conhece. Neste sentido, o que se é não pode ser ensinado. Por isso, todo conhecer que implica o que se é se dá como sentido e verdade enquanto escuta compreensiva.


- Manuel Antônio de Castro


7

"O mito não se lê, o mito se ouve. A escuta, muito ao contrário da visão, não sabe o que é ilusão. A escuta nunca pode acontecer onde se pressupõe que haja apenas um número um, uma individualidade que exclui de si um outro. A visão, somente a visão, pode separar um do outro. A escuta é sempre escuta de mais de um no um. Por isso, é constitutiva da escuta a associação, o eco, a ressonância, a repercussão. Todo som é uma série de sons e, por isso, podemos sempre tanto ouvir diferenças no mesmo como ouvir semelhanças no diverso" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Marcia Cavalcante. "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de filosofia. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 170.


8

"Importa desenvolver uma atitude de escuta, um sentimento profundo de identificação com a natureza, com suas mudanças e estabilidades" (1). Ao longo do livro, Leonardo Boff identifica a escuta, primeiro com o lógos, depois como o destino. Por isso, é importante o levantamento dos diversos aspectos da escuta. Antes, disse que não sabemos o que é a natureza, como não sabemos o que é o ser e o nada. A escuta, pois, no fundo, é do cuidado essencial, ou o cuidado essencial é a escuta.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) BOFF, Leonardo. Saber cuidar. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 116.


9

"Mas falar é ao mesmo tempo escutar. É hábito contrapor a fala e a escuta: um fala e o outro escuta. Mas a escuta não apenas acompanha e envolve a fala que tem lugar na conversa. A simultaneidade de fala e escuta diz muito mais. Falar é, por si mesmo, escutar. Falar é escutar a linguagem que falamos. O falar não é ao mesmo tempo, mas antes uma escuta. Essa escuta da linguagem precede todas as demais escutas possíveis. Não falamos simplesmente a linguagem. Falamos a partir da linguagem. Isso só nos é possível, porque já sempre pretencemos à linguagem. O que é que nela escutamos? Escutamos a fala da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 203.


10

Heidegger trata da questão da essência da técnica e mostra que há um itinerário que o pôr lhe destina, mas o descobrimento da essência da técnica tanto o pode libertar como pode lhe oferecer o supremo perigo. Ao transformar e interpretar a [[phýsis]] em pura disponibilidade (inclisive ele, homem) dá a impressão e aparência de que só se dá a presença em toda parte do homem. É aí o grande perigo, porque perdeu o dom da escuta ao apelo: "Entretanto hoje em dia, na verdade o homem já não se encontra em parte alguma consigo mesmo, isto é, com sua essência. O homem está tão decididamente empenhado na busca do que a composição pro-voca e ex-plora que já não a toma como um apelo, e nem se sente atingido pela exploração. Com isso não escuta nada que faça sua essência ex-sistir no espaço de um apelo e por isso nunca pode encontrar-se, apenas, consigo mesmo" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 30.

11

"Ouve-me. Ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e, sim, outra coisa. Capta a outra coisa porque eu mesmo não posso" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Texto publicado numa montagem artística de fotos com textos de Clarice, sem indicação da fonte.

12

Escutar é chocar a linguagem das palavras, os acordes da música, as cores da pintura, os gestos da dança, o instante da foto. Eis porque na escuta o silêncio do sentido do ser se faz verdade e mundo. Eclode então a liberdade da finitude da solidão.


- Manuel Antônio de Castro


13

Ouvir sobre uma música ainda não é escutá-la naquilo que ela é ou até nos atinge sensorial e psicologicamente. É necessário escutar com, ou seja, é necessário um "salto", quando deixamos o nível e a superfície do ouvir sobre, isto é, o ouvir subjetivo racional-sensitivo, e nos projetamos pelo e no "salto" do abismo, o sem-limite, que é o vigorar do fundar, do ser, do nada. Só então somos tomados pelo escutar.


- Manuel Antônio de Castro


14

"O professor se apossando do ouvido do aluno (pois não é essa a sua missão?), penetrando-o com a sua fala fálica e estuprando-o com a força da autoridade e a ameaça de castigos, sem se dar conta de que no ouvido silencioso do aluno há uma melodia que se toca. Talvez seja essa a razão por que há tantos cursos de oratória, procurados por políticos e executivos, mas não há cursos de "escutatória". Todo mundo quer falar. Ninguém quer ouvir. Todo mundo quer ser escutado. (Como não há quem os escute, os adultos procuram um psicanalista, profissional pago para escutar)" (1)


Referência:
(1) ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais.... Campinas: Verus, 2005, p. 29.


15

“[...], quando nos abrimos para escutar um poema, estamos junto dele, percebemos seu sentido ao prová-lo, ao fazer dele nosso alimento” (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 133.


16

"Não sabendo auscultar, não sabem falar" (1). Esta sentença 18 de Heráclito coloca de uma maneira radical o que seja a fala ou discurso essencial, ou seja, é aquele que antes de falar escuta o logos.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HERÁCLITO. In: Os pensadores Originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Sentença 18. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis/RJ: Vozes, 1991, p. 63.

17

"O ser humano é uma doação da linguagem. Sempre se movendo na linguagem em sua ânsia essencial de ser o não-ser, procura incessantemente o horizonte de seu mistério e presença como escuta de sua fala. A escuta exige de nós uma entrega e caminhada. Esta nos leva à fala da sua escuta para melhor escutá-la. É quando a palavra se torna o vigor de seu desvelamento e velamento como língua. Porque a palavra é o vigor desse “entre” que identifica e diferencia fala e silêncio, desvelamento e velamento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ser e Aparência". In: -----. www.travessiapoetica.blogspot.com.


18

"Como princípio de ordem e força de organização do real em sua realização, o logos é linguagem ontológica da vida, no mais elevado grau de sua explosão na história humana, por isso, a vigência criadora do logos revoluciona não apenas a fala e o discurso, mas também o ouvido e o ouvir. Nas peripécias da criação, ouvir é escutar o logos, seguindo o advento de sua dinâmica de reunião no curso da história. O simples ouvir palavras se dispersa na variedade múltipla dos discursos. Quem só ouve, por esticar as orelhas e divulgar o ouvido, permanece sempre um aksinetos, alguém que não com-preende" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Uma leitura órfica de uma sentença grega". In: -------. Aprendendo a pensar, volume II. Petrópolis (RJ): Vozes, 1991, p. 139 / 140.


19

"Para Heidegger, a ação humana não pode mudar a compreensão do ser que é vigente hoje, nem acelerar o advento de uma nova compreensão. Mas a preparação para este advento diz respeito a uma espera ativa. Nesta espera, a forma mais alta de ação é a de um pensar que se põe à escuta do sentido de nosso tempo. O entendimento ainda não é a escuta. A escuta é um entendimento que exige o esforço, a devoção, o recolhimento do pensamento" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro. Revista Tempo Brasileiro: Interdisciplinaridade dimensões poéticas, 164, Jan.-mar. 2006, 180.


20

"Um novo caminho tinha que ser pensado e proposto, um caminho que reconduzisse o leitor para o questionamento, a escuta, a diversidade e o diálogo com as obras poéticas. Isso exige um leitor novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu sentido, verdade e mundo. Exige um leitor num diálogo com e não mais um falar ou escrever sobre as obras. É um diálogo exigente, pois só escuta e dialoga quem se escuta. Mas a fala é da obra e não do autor, uma vez que nela quem age é a poiesis e quem fala é o Logos originário e não o logos racional da Modernidade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.
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