Eu

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:"...todos os romances de todos os tempos se voltam para o [[enigma]] do eu. Desde que você cria um ser imaginário, um [[personagem]], fica automaticamente confrontado com a [[questão]]: o que é o eu? Como o eu pode ser apreendido? É uma dessas questões fundamentais sobre as quais o [[romance]] como tal se baseia. Pelas diferentes respostas a esta questão, se você quiser, pode distinguir diferentes tendências e, talvez, diferentes períodos na história do romance" (1).
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: "...todos os [[romances]] de todos os [[tempos]] se voltam para o [[enigma]] do [[eu]]. Desde que você cria um [[ser]] [[imaginário]], um [[personagem]], fica automaticamente confrontado com a [[questão]]: o que [[é]] o [[eu]]? Como o [[eu]] pode ser apreendido? É uma dessas [[questões]] fundamentais sobre as quais o [[romance]] como tal se baseia. Pelas [[diferentes]] [[respostas]] a esta [[questão]], se você quiser, pode [[distinguir]] [[diferentes]] [[tendências]] e, talvez, [[diferentes]] [[períodos]] na [[história]] do [[romance]]" (1).
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:Referência:
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:(1) KUNDERA, Milan. ''A arte do romance''. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.
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: (1) KUNDERA, Milan. '''A arte do romance'''. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.
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: Podemos melhor [[compreender]]  o [[eu]] pensando o [[tu]], porque o [[tu]] é o [[outro]] do [[eu]]. Um [[outro]] que pode [[ser]] ele mesmo desdobrando-se no que ainda não é, mas pode [[vir a ser]], pois [[tudo]] [[é]] e [[não é]]. Para então [[compreender]] o [[tu]], é [[necessário]] que saibamos que antes de o [[eu]] se [[descobrir]] como [[eu]] é [[necessário]] que saia dele e se projete no [[outro]], que é o [[tu]]. Somente assim o [[eu]] retorna a si e toma [[consciência]] de que é um [[eu]]. Ou seja, para chegarmos a saber quem [[eu]] [[sou]], temos que já [[ser]] também o [[não-eu]], ou seja, o [[tu]]. E o [[eu]] chega a [[ser]] neste [[desdobramento]] de [[eu]] e [[tu]], que é a [[unidade]] que dá [[identidade]] ao [[eu]]. Do mesmo modo, cada um chega a [[saber]] se é do [[gênero]] [[masculino]] ou [[feminino]] na [[medida]] em que para [[chegar]] a se [[saber]] já tem de [[ser]] os dois [[gêneros]]. Estes pressupõem, por isso mesmo, o [[sou]] [[sendo]]. Todo [[sendo]] é [[sendo]] de uma [[dobra]]: o [[eu]] e o [[tu]]. Percebamos isso bem: Num [[diálogo]], [[eu]] me dirijo ao [[tu]] e ele me [[escuta]] e sabe que está me [[escutando]]. Porém, quando o [[tu]] responde, [[eu]] escuto, não como [[eu]], mas como [[tu]]. Portanto, para podermos [[dialogar]] temos de [[ser]] a [[dobra]] de [[eu]] e [[tu]], pois aí depende só da [[posição]] de quem [[fala]] e de quem [[escuta]], não de [[ser]] como [[possibilidade]]. Igualmente podemos [[falar]] conosco mesmo, ou seja, [[eu]] posso me [[escutar]]. [[Ontologicamente]] há a [[unidade]]. Só nesta pode [[vigorar]] a [[identidade]] e a [[diferença]] da [[unidade]], uma vez que para haver e [[vigorar]] [[unidade]] é [[necessária]] a [[afirmação]] tanto da [[identidade]] quanto da [[diferença]]. A [[unidade]] é o [[sou]]. É neste mesmo [[horizonte]] [[ontológico]] que devemos [[compreender]] em nós a [[vigência]] de [[masculino]] e [[feminino]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:"A busca do eu sempre terminou e terminará sempre por uma insatisfação paradoxal. Não digo fracasso. Pois o [[romance]] não pode ultrapassar os limites de suas próprias possibilidades, e a [[revelação]] destes limites já é uma imensa descoberta, uma imensa proeza cognitiva. Não obstante, depois de ter tocado o fundo que implica a exploração detalhada da [[vida interior]] do eu, os grandes romancistas começaram a procurar, consciente ou inconscientemente, uma nova orientação" (1).
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: "Mas a [[busca]] do [[eu]] termina, mais uma vez, por um [[paradoxo]]: quanto maior é a ótica do microscópio que observa o [[eu]], mais o [[eu]] e sua [[unicidade]] nos escapam: sob a grande lente joyciana que decompõe a [[alma]] em átomos, somos todos parecidos. Mas se o [[eu]] e seu [[caráter]] [[único]] não são atingíveis pela [[vida interior]] do [[homem]], onde e como podemos atingi-los?" (1).
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:Referência:
 
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:(1) KUNDERA, Milan. ''A arte do romance''. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.
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: Referência:
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: (1) KUNDERA, Milan. '''A arte do romance'''. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 28.
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: "[[Eu]] não [[saber|sei]] o que [[sou]], [[eu]] não [[sou]] o que sei: / Uma [[coisa]] e não-coisa, um [[ponto]] e um [[círculo]]" (1).
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== 3 ==
 
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:"Mas a busca do eu termina, mais uma vez, por um [[paradoxo]]: quanto maior é a ótica do microscópio que observa o eu, mais o eu e sua [[unicidade]] nos escapam: sob a grande lente joyciana que decompõe a [[alma]] em átomos, somos todos parecidos. Mas se o eu e seu caráter único não são atingíveis pela [[vida interior]] do [[homem]], onde e como podemos atingi-los?" (1).
 
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: Referência:
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:Referência:
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: (1) SILESIUS, Angelus. '''Angelus Silesius - a meditação do nada'''. Seleção e organização de Hubert Lepargneur e Dora Ferreira da Silva. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, 1986, p. 68.
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:(1) KUNDERA, Milan. ''A arte do romance''. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 28.
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== 5 ==
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: "A busca do [[eu]] [[sempre]] terminou e terminará [[sempre]] por uma [[insatisfação]] [[paradoxal]]. Não [[digo]] [[fracasso]]. Pois o [[romance]] não pode ultrapassar os [[limites]] de suas [[próprias]] [[possibilidades]], e a [[revelação]] destes [[limites]] já é uma [[imensa]] [[descoberta]], uma [[imensa]] proeza [[cognitiva]]. Não obstante, depois de ter tocado o [[fundo]] que implica a [[exploração]] detalhada da [[vida interior]] do [[eu]], os grandes romancistas começaram a [[procurar]], [[consciente]] ou [[inconscientemente]], uma nova [[orientação]]" (1).
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: Referência:
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== 4 ==
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: (1) KUNDERA, Milan. '''A arte do romance'''. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.
-
:"Eu não [[saber|sei]] o que sou, eu não sou o que sei: / Uma [[coisa]] e não-coisa, um ponto e um [[círculo]]" (1).
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== 6 ==
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: "Aquilo que o '[[eu]]' tem de [[único]] se esconde exatamente naquilo que o [[ser humano]] tem de [[inimaginável]]. Só podemos [[imaginar]] aquilo que é [[idêntico]] em [[todos]] os [[seres]] [[humanos]], aquilo que lhes é [[comum]]. O '[[eu]]' [[individual]] é aquilo que se distingue do [[geral]], portanto, aquilo que não se deixa [[adivinhar]] nem [[calcular]] antecipadamente, aquilo que precisa [[ser]] [[desvelado]], [[descoberto]] e conquistado junto ao [[outro]]" (1).
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: Referência:
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: (1) KUNDERA, Milan. '''A insustentável leveza do ser'''. São Paulo: Círculo do livro, s/d., p. 166.
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== 7 ==
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: "O [[ego]] é simbolizado pelo jumento. É preciso [[saber]] controlá-lo, andando sobre o jumento - o [[ego]]. Textos e cenas egípcias mostram a [[analogia]] do jumento, que, posteriormente, surgiu nos versos bíblicos que descrevem o [[mesmo]] conceito de humildade e controle do [[ego]].
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: ''Eis aí teu rei, que vem a ti cheio de doçura, montado sobre uma jumenta, e sobre um jumentinho, filho do que está debaixo do jugo. (Mateus, 21: 5)'' " (1).
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: Referência:
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: (1) GADALLA, Moustafa. '''Cosmologia egípcia - o universo animado'''. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 139.
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== 8 ==
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: "É certo que na [[travessia]] do [[sou]] o [[eu]] se vai dispondo em camadas e camadas de [[máscaras]], das mais variadas [[dimensões]] e [[aparências]]. São os [[atributos]] (acidentais) do [[sou]] acumulados como “[[eu]]”, não são o [[sou]], porque não constituíram nem constituem [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]] (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: --------. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 143.
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== 9 ==
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: Assim como há um [[jogo]] [[dialético]] [[entre]] [[sou]] e [[eu]], o mesmo se dá [[entre]] o [[não sou]] do que recebi para [[ser]] e não chegou ainda a [[ser]]. Nesse sentido, também todo [[eu]] é ao mesmo tempo um [[não eu]], caso contrário, o [[eu]] já se conheceria completamente. O [[não sou]] é o [[acontecer]] do [[não ser]] que recebi para [[ser]]. Desse modo, tanto o [[sou]] como o [[eu]] estão em contínua [[transformação]] e [[revelação]]. Não há aqui nenhuma [[evolução]], pois isso é [[existir]] e [[existência]], [[própria]] de cada um,  insubstituível e [[imprevisível]]. É no [[horizonte]] desta [[tensão]] [[dialética]] de [[eu]] [[sou]] e [[eu não sou]] que se manifesta a [[questão]] do [[outro]] que [[eu sou]] e [[eu não sou]]. O que [[é]], [[ontologicamente]], o [[outro]]?
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 10 ==
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: "Na [[solidão]] a-fundamos para chegar a [[ser]] o [[eu]] [[sou]] que nos funda e sem o qual não há nem pode haver [[eu]]" (1).
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: '''Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão'''.  SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 219.
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== 11 ==
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: "O [[ser]], o mais próximo de cada um de nós e inegável em sua [[presença]] fundadora, se tornou tão distante e estranho a nós, pela [[educação]] [[sofística]] e [[gramatical]], que não notamos, por exemplo, quando dizemos: [[Eu]] [[sou]], que o [[Eu]] só pode ser afirmado quando fundado no [[sou]]. Se o [[eu]] é o [[sujeito]] enquanto [[fundamento]], o [[sou]] é que funda o [[fundamento]], o [[eu]]. Não é o [[eu]] que funda o [[sou]], mas este é que funda o [[eu]]. Sem [[ser]] não há [[eu]]. E então o que [[é]] o [[eu]]? Um [[eu]] nunca é [[masculino]] ou [[feminino]], nunca tem uma [[identidade]] [[cultural]] a ou b. Um [[eu]] não é nenhum nenhuma, não é algum alguma. Um [[eu]] [[é]]. O [[eu]], [[sendo]], vigora num [[abismo]] tão profundo que cada [[eu]] ao se colocar e [[procurar]] como [[eu]] se encontra na mais profunda [[solidão]]" (1).
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:  Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: '''Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão'''.  SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 218.
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== 12 ==
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: "Porém, não acontece o [[próprio]] na [[percepção]] íntima? Em cada [[momento]] não percebemos de nosso [[eu]] senão um pequeno número de [[pensamentos]], [[imagens]] e [[emoções]], que vemos passar como fluxo de um [[rio]] diante de nosso [[olhar]] [[interior]]. E esta breve [[dimensão]] de nossa [[pessoa]] se nos apresenta destacando-se do resto oculto de nosso [[eu]] [[total]]" (1).  
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: Referência:
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: (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: '''Obras Completas de José Ortega y Gasset''', 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.
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== 13 ==
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: "O [[homem]] tanto [[é]] o [[céu]], o mar, a [[terra]] e as [[criaturas]] que ele vê quanto [[não é]]. Tanto é o [[outro]] com quem dialoga – inclusive o [[outro]] de si mesmo – quanto [[não é]]. Por força de [[reunião]] da [[linguagem]] que nele se manifesta e encontra abrigo, tanto o que ele [[é]], em sua [[identidade]], quanto o que [[não é]], em suas [[diferenças]], nele se inscrevem. Ele [[é]] o [[eu]] e [[é]] também o [[outro]]" (1).
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: Referência:
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: (1) FERRAZ, Antônio Máximo. "O homem e a interpretação: da escuta do destino à liberdade". In: CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (Org.). ''O educar poético''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 103.
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== 14 ==
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: "Diz Kant, resumindo: O que de mim posso [[conhecer]] com a pura [[autoconsciência]] [[intelectiva]] é que [[eu]] [[sou]]; mas para [[saber]] que [[sou]] devo [[conhecer-me]] como [[atividade]] [[unificadora]] (=no [[juízo]]); para [[conhecer-me]] como [[atividade]] [[unificadora]] devo ter dados a [[unificar]], e estes dados são [[sensíveis]] e, por conseguinte, [[fenomênicos]]; “logo, não tenho [[conhecimento]] de mim como [[sou]], senão apenas como apareço a mim mesmo” "(1).
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: Referência:
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: HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. ''História da Filosofia''. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS.
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== 15 ==
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: "É o [[eu]] que fala ou [[é]] a [[fala]] que fala o [[eu]]? Já disse [[Heidegger]]: “Em [[sentido]] [[próprio]], a [[linguagem]] é que [[fala]]. O [[homem]] fala apenas e somente à medida que cor-responde à [[linguagem]], à medida que [[escuta]] e pertence ao apelo da [[linguagem]]” (2002: 167)" (2) " (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o ''entre''". Revista ''Tempo Brasileiro'': Rio de Janeiro: ''Interdisciplinaridade: dimensões poéticas'', 164, jan.-mar., 2006, p. 28.
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 +
: (2) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ----.In: -------. ''Ensaios e conferências''. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 167.
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== 16 ==
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: "Quando o [[eu]] e o [[tu]] falam, falam no e a partir do ''[[logos]]''. Para isso já nos advertiu o [[pensador]] [[Heráclito]] no fragmento 50: “Auscultando não a mim, mas ao ''[[logos]]'', é [[sábio]] entre-dizer-o-mesmo: [[tudo]] [[é]] [[um]]”. Em toda [[fala]] de [[diálogo]] quem [[fala]] não [[é]] o [[eu]] nem o [[tu]], mas o ''[[logos]]''" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o ''entre''". Revista ''Tempo Brasileiro'': Rio de Janeiro: ''Interdisciplinaridade: dimensões poéticas'', 164, jan.-mar., 2006, p. 28.
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== 17 ==
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: "Seu ''[[eu]]'' incorporara-se na [[unidade]].
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: Foi nessa hora que [[Sidarta]] cessou de lutar contra o [[Destino]]. Cessou de [[sofrer]]. No seu rosto florescia aquela [[serenidade]] do [[saber]], à qual já não se opunha nenhuma [[vontade]], que conhece a [[perfeição]], que está de acordo com o [[rio]] dos [[acontecimentos]] e o [[curso]] da [[vida]]: a [[serenidade]] que torna suas as [[penas]] e as ditas  de [[todos]], entregue à [[corrente]], pertencente à [[unidade]]" (1).
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: Referência:
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: (1) HESSE, Hermann. ''Sidarta''. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 113.
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== 18 ==
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: "Nesse [[instante]], [[Sidarta]] começava a vislumbrar o [[motivo]] por que não conseguia vencer aquele ''[[eu]]'', nem como [[brâmane]], nem como [[penitente]]. O que o impedira fora o excesso de [[erudição]], de versículos [[sagrados]], de [[rituais]], de [[sacrifícios]], de [[ascetismo]], de atividades e de [[ambições]]. Sempre se pavoneara com altivez, sempre quisera [[ser]] o mais [[inteligente]], o mais zeloso; sempre se empenhara em tomar a dianteira; sempre se exibira nos [[papéis]] de [[sábio]], de [[intelectual]], de [[sacerdote]], de [[filósofo]]. Nesse [[sacerdócio]], nessa altivez, nessa [[erudição]] infiltrava-se o seu ''[[eu]]''; ali se arraigara, crescera, enquanto dele, [[Sidarta]], cria tê-lo aniquilado por meio de jejuns e mortificações" (1).
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: Referência:
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: (1) HESSE, Hermann. ''Sidarta''. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 83.
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== 19 ==
 +
: "Naquele [[momento]], compreendi o único [[sentido]] que a [[amizade]] pode ter hoje. A [[amizade]] é indispensável ao [[homem]] para o bom funcionamento de sua [[memória]]. Lembrar-se do [[passado]], carregá-lo sempre consigo, é, talvez, a [[condição]] [[necessária]] para conservar, como se diz, a [[integridade]] do seu [[eu]]. Para que o [[eu]] não se encolha, para que guarde seu volume, é preciso regar as  [[lembranças]] como flores  num vaso e essa rega exige um contato regular  com as [[testemunhas]] do [[passado]], quer dizer, com os [[amigos]]. Eles são nosso [[espelho]]; nossa [[memória]]; não exigimos nada  deles, a não ser que de vez em quando lustrem esse [[espelho]] para que possamos nos [[olhar]] nele" (1).
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: Referência:
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: (1) KUNDERA, Milan. ''A identidade'', trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 36.
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== 20 ==
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: "Toda [[questão]] [[é]] e [[não é]], sabe e não sabe. Acontece que a [[questão]] não é [[algo]] que a [[consciência]] põe. Pelo contrário, nós somos postos na e pela [[questão]], pois já vivemos e nascemos, amamos e morremos, e nos movemos na [[questão]] como [[unidade]] e [[vigorar]] de [[tudo]] que é e se sabe, se dá e se retrai, enquanto [[linguagem]], isto é, [[sentido do ser]]. A [[questão]] não é posta pela [[pergunta]] do [[eu]], do [[sujeito]]. O [[eu]] é que é posto pela [[questão]]. Por exemplo, para [[perguntar]], já tenho que [[estar]] [[vivendo]], me [[experienciando]] no [[vigorar]] do [[tempo]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio não publicado.
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== 21 ==
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: "Na [[essência]] do [[agir]] o que decide não é o [[querer]] da [[vontade]], uma vez que a [[essência]] do [[agir]] é o [[próprio]] [[agir]], não a partir da [[vontade]], mas do [[agir]] da [[essência]]. [[Essência]] é o [[vigorar]] do que [[é]] em [[tudo]] que [[é]] e está [[sendo]]. Este tem seu [[agir]] no [[vigorar]] do [[sentido do ser]] e não no [[agir]] das [[sensações]] do [[sujeito]], pois o que o “[[eu]]” [[é]] se determina pelo [[ser]] e não pelo “[[eu]]” "(1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.
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== 22 ==
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: "Quando digo “[[eu]] [[sou]]”, o alcance desse “[[eu]]” está na estrita dependência e [[determinação]] necessária do “[[sou]]”. Até para [[dizer]] “[[eu]] não [[sou]]”, só [[sendo]] o [[não-ser]] é que o “[[eu]]” pode se afirmar como [[sendo]] o que [[não-é]]. [[Ser]] é a [[necessidade]] [[essencial]] de [[todo]] “[[eu]]” (de todo [[sendo]]). Só ela liberta.
 +
: Quando o “[[eu]]” se dimensiona pelo [[ser]], então, o “[[eu]]” [[é]] e, [[sendo]], [[é]] [[livre]], porque [[ser]] é a [[essência]] da [[liberdade]], da [[ação]]. A [[essência]] é o [[vigorar]] do [[ser]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.
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== 23 ==
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: "Quando digo “[[eu]] [[sou]]”, o alcance desse “[[eu]]” está na estrita dependência e [[determinação]] necessária do “[[sou]]”. Até para [[dizer]] “[[eu]] não [[sou]]”, só [[sendo]] o [[não-ser]] é que o “[[eu]]” pode se afirmar como [[sendo]] o que [[não-é]]. [[Ser]] é a [[necessidade]] [[essencial]] de [[todo]] “[[eu]]” (de todo [[sendo]]). Só ela liberta.
 +
: Quando o “[[eu]]” se dimensiona pelo [[ser]], então, o “[[eu]]” [[é]] e, [[sendo]], [[é]] [[livre]], porque [[ser]] é a [[essência]] da [[liberdade]], da [[ação]]. A [[essência]] é o [[vigorar]] do [[ser]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.
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== 24 ==
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: [[Ser]] é [[silêncio]], o [[vigorar]] do [[repouso]] e [[recolhimento]] que se manifesta e desvela em cada [[sou]] e [[não-sou]]. Assim como o [[silêncio]] origina cada [[fala]], o [[ser]] origina cada [[conhecimento]]. [[Fala]] e [[conhecimento]] configuram o “[[eu]]”.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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== 25 ==
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: "... se eu sei “que [[eu]] [[sou]]”, isto não provém de um puro [[saber]] do [[ser]].  Pelo contrário, [[eu]] só posso [[saber]] “que [[eu]] [[sou]]” sabendo mais ou menos “[[o que eu sou]]”, ou seja, sabendo acerca dos [[limites]] do [[ser]] deste [[ente]] [[finito]] que [[eu]] [[sou]].  Por mais [[atemático]] que seja este [[saber]] da minha “[[quidditas]]”, “do que” [[eu]] [[sou]], é só nele que [[eu]] sei “que [[sou]]”. Isto é importante [[compreender]]: a [[saber]] que [[eu]] só posso dar-me conta de meu [[ser]], se me dou conta dos [[limites]] de meu [[ser]].  Isto talvez fique mais claro na seguinte [[reflexão]]: Antes de mais nada – que [[eu]], seja o que for, ou qualquer que seja a [[forma]] como possa [[saber]] o que [[sou]] – [[eu]] não [[sou]] o [[ser]] em [[ilimitada]] [[plenitude]], mas um [[ente]] [[finito]], que está posto e fundamentado no [[ser]], mas [[limitado]] no [[ser]]. E por isto deixa margem para maior [[plenitude]] de [[ser]] para além dele [[mesmo]].  Por isto, se [[eu]] me sei a mim [[mesmo]], então devo saber-me como algo que “[[é]]”, mas que não [[é]] o [[ser]] mesmo e [[total]]" (1).
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 +
:  Referência:
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 +
:  (1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. ''Metafísica''. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.
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 +
== 26 ==
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 +
: [[você]] põe [[tudo]] a perder
 +
: quando não ama primeiro [[você]]
 +
 
 +
: - ''e ganha [[tudo]] quando se ama''  (1)
 +
 
 +
 
 +
: Referência:
 +
 
 +
: (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 31.
 +
 
 +
== 27 ==
 +
 
 +
: [[eu]] continuo respirando olha só
 +
: isso só pode [[ser]] sinal de que
 +
: o [[universo]] está do meu lado
 +
: se [[eu]] já cheguei até aqui
 +
: [[eu]] posso ir até o [[fim]]
 +
 
 +
 
 +
: Referência:
 +
 
 +
:  (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 40.
 +
 
 +
== 28 ==
 +
 
 +
: [[eu]] vivo [[bem]] sem [[amor]] [[romântico]]
 +
: mas não sobrevivo
 +
: sem as [[mulheres]] que escolhi como [[amigas]]
 +
: elas sabem exatamente do que [[eu]] preciso
 +
: antes mesmo que eu saiba
 +
: o apoio que oferecemos
 +
: umas às [[outras]] é ímpar      (1)
 +
 
 +
 
 +
: Referência:
 +
 
 +
:  (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 73.
 +
 
 +
== 29 ==
 +
 
 +
: Cansei de [[viver]] tentando
 +
: provar para mim
 +
: que [[eu]] tenho [[valor]]      (1)
 +
 
 +
 
 +
: Referência:
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:  (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 127.
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:  (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 135.
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:  (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 185.
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:(1) SILESIUS, Angelus. ''Angelus Silesius - a meditação do nada''. Seleção e organização de Hubert Lepargneur e Dora Ferreira da Silva. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, 1986, p. 68.
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: (1) KAUR, rupi. '''meu corpo / minha casa'''. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 188.

Edição atual tal como 22h01min de 1 de Maio de 2024

1

"...todos os romances de todos os tempos se voltam para o enigma do eu. Desde que você cria um ser imaginário, um personagem, fica automaticamente confrontado com a questão: o que é o eu? Como o eu pode ser apreendido? É uma dessas questões fundamentais sobre as quais o romance como tal se baseia. Pelas diferentes respostas a esta questão, se você quiser, pode distinguir diferentes tendências e, talvez, diferentes períodos na história do romance" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.

2

Podemos melhor compreender o eu pensando o tu, porque o tu é o outro do eu. Um outro que pode ser ele mesmo desdobrando-se no que ainda não é, mas pode vir a ser, pois tudo é e não é. Para então compreender o tu, é necessário que saibamos que antes de o eu se descobrir como eu é necessário que saia dele e se projete no outro, que é o tu. Somente assim o eu retorna a si e toma consciência de que é um eu. Ou seja, para chegarmos a saber quem eu sou, temos que já ser também o não-eu, ou seja, o tu. E o eu chega a ser neste desdobramento de eu e tu, que é a unidade que dá identidade ao eu. Do mesmo modo, cada um chega a saber se é do gênero masculino ou feminino na medida em que para chegar a se saber já tem de ser os dois gêneros. Estes pressupõem, por isso mesmo, o sou sendo. Todo sendo é sendo de uma dobra: o eu e o tu. Percebamos isso bem: Num diálogo, eu me dirijo ao tu e ele me escuta e sabe que está me escutando. Porém, quando o tu responde, eu escuto, não como eu, mas como tu. Portanto, para podermos dialogar temos de ser a dobra de eu e tu, pois aí depende só da posição de quem fala e de quem escuta, não de ser como possibilidade. Igualmente podemos falar conosco mesmo, ou seja, eu posso me escutar. Ontologicamente há a unidade. Só nesta pode vigorar a identidade e a diferença da unidade, uma vez que para haver e vigorar unidade é necessária a afirmação tanto da identidade quanto da diferença. A unidade é o sou. É neste mesmo horizonte ontológico que devemos compreender em nós a vigência de masculino e feminino.


- Manuel Antônio de Castro

3

"Mas a busca do eu termina, mais uma vez, por um paradoxo: quanto maior é a ótica do microscópio que observa o eu, mais o eu e sua unicidade nos escapam: sob a grande lente joyciana que decompõe a alma em átomos, somos todos parecidos. Mas se o eu e seu caráter único não são atingíveis pela vida interior do homem, onde e como podemos atingi-los?" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 28.

4

"Eu não sei o que sou, eu não sou o que sei: / Uma coisa e não-coisa, um ponto e um círculo" (1).


Referência:
(1) SILESIUS, Angelus. Angelus Silesius - a meditação do nada. Seleção e organização de Hubert Lepargneur e Dora Ferreira da Silva. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, 1986, p. 68.

5

"A busca do eu sempre terminou e terminará sempre por uma insatisfação paradoxal. Não digo fracasso. Pois o romance não pode ultrapassar os limites de suas próprias possibilidades, e a revelação destes limites já é uma imensa descoberta, uma imensa proeza cognitiva. Não obstante, depois de ter tocado o fundo que implica a exploração detalhada da vida interior do eu, os grandes romancistas começaram a procurar, consciente ou inconscientemente, uma nova orientação" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.

6

"Aquilo que o 'eu' tem de único se esconde exatamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O 'eu' individual é aquilo que se distingue do geral, portanto, aquilo que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado junto ao outro" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. São Paulo: Círculo do livro, s/d., p. 166.

7

"O ego é simbolizado pelo jumento. É preciso saber controlá-lo, andando sobre o jumento - o ego. Textos e cenas egípcias mostram a analogia do jumento, que, posteriormente, surgiu nos versos bíblicos que descrevem o mesmo conceito de humildade e controle do ego.
Eis aí teu rei, que vem a ti cheio de doçura, montado sobre uma jumenta, e sobre um jumentinho, filho do que está debaixo do jugo. (Mateus, 21: 5) " (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 139.

8

"É certo que na travessia do sou o eu se vai dispondo em camadas e camadas de máscaras, das mais variadas dimensões e aparências. São os atributos (acidentais) do sou acumulados como “eu”, não são o sou, porque não constituíram nem constituem possibilidades de e para possibilidades (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 143.

9

Assim como há um jogo dialético entre sou e eu, o mesmo se dá entre o não sou do que recebi para ser e não chegou ainda a ser. Nesse sentido, também todo eu é ao mesmo tempo um não eu, caso contrário, o eu já se conheceria completamente. O não sou é o acontecer do não ser que recebi para ser. Desse modo, tanto o sou como o eu estão em contínua transformação e revelação. Não há aqui nenhuma evolução, pois isso é existir e existência, própria de cada um, insubstituível e imprevisível. É no horizonte desta tensão dialética de eu sou e eu não sou que se manifesta a questão do outro que eu sou e eu não sou. O que é, ontologicamente, o outro?


- Manuel Antônio de Castro

10

"Na solidão a-fundamos para chegar a ser o eu sou que nos funda e sem o qual não há nem pode haver eu" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 219.

11

"O ser, o mais próximo de cada um de nós e inegável em sua presença fundadora, se tornou tão distante e estranho a nós, pela educação sofística e gramatical, que não notamos, por exemplo, quando dizemos: Eu sou, que o Eu só pode ser afirmado quando fundado no sou. Se o eu é o sujeito enquanto fundamento, o sou é que funda o fundamento, o eu. Não é o eu que funda o sou, mas este é que funda o eu. Sem ser não há eu. E então o que é o eu? Um eu nunca é masculino ou feminino, nunca tem uma identidade cultural a ou b. Um eu não é nenhum nenhuma, não é algum alguma. Um eu é. O eu, sendo, vigora num abismo tão profundo que cada eu ao se colocar e procurar como eu se encontra na mais profunda solidão" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 218.

12

"Porém, não acontece o próprio na percepção íntima? Em cada momento não percebemos de nosso eu senão um pequeno número de pensamentos, imagens e emoções, que vemos passar como fluxo de um rio diante de nosso olhar interior. E esta breve dimensão de nossa pessoa se nos apresenta destacando-se do resto oculto de nosso eu total" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.

13

"O homem tanto é o céu, o mar, a terra e as criaturas que ele vê quanto não é. Tanto é o outro com quem dialoga – inclusive o outro de si mesmo – quanto não é. Por força de reunião da linguagem que nele se manifesta e encontra abrigo, tanto o que ele é, em sua identidade, quanto o que não é, em suas diferenças, nele se inscrevem. Ele é o eu e é também o outro" (1).


Referência:
(1) FERRAZ, Antônio Máximo. "O homem e a interpretação: da escuta do destino à liberdade". In: CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (Org.). O educar poético. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 103.

14

"Diz Kant, resumindo: O que de mim posso conhecer com a pura autoconsciência intelectiva é que eu sou; mas para saber que sou devo conhecer-me como atividade unificadora (=no juízo); para conhecer-me como atividade unificadora devo ter dados a unificar, e estes dados são sensíveis e, por conseguinte, fenomênicos; “logo, não tenho conhecimento de mim como sou, senão apenas como apareço a mim mesmo” "(1).


Referência:
HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. História da Filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS.

15

"É o eu que fala ou é a fala que fala o eu? Já disse Heidegger: “Em sentido próprio, a linguagem é que fala. O homem fala apenas e somente à medida que cor-responde à linguagem, à medida que escuta e pertence ao apelo da linguagem” (2002: 167)" (2) " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 28.
(2) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ----.In: -------. Ensaios e conferências. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 167.

16

"Quando o eu e o tu falam, falam no e a partir do logos. Para isso já nos advertiu o pensador Heráclito no fragmento 50: “Auscultando não a mim, mas ao logos, é sábio entre-dizer-o-mesmo: tudo é um”. Em toda fala de diálogo quem fala não é o eu nem o tu, mas o logos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 28.

17

"Seu eu incorporara-se na unidade.
Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade do saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida: a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade" (1).


Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 113.

18

"Nesse instante, Sidarta começava a vislumbrar o motivo por que não conseguia vencer aquele eu, nem como brâmane, nem como penitente. O que o impedira fora o excesso de erudição, de versículos sagrados, de rituais, de sacrifícios, de ascetismo, de atividades e de ambições. Sempre se pavoneara com altivez, sempre quisera ser o mais inteligente, o mais zeloso; sempre se empenhara em tomar a dianteira; sempre se exibira nos papéis de sábio, de intelectual, de sacerdote, de filósofo. Nesse sacerdócio, nessa altivez, nessa erudição infiltrava-se o seu eu; ali se arraigara, crescera, enquanto dele, Sidarta, cria tê-lo aniquilado por meio de jejuns e mortificações" (1).


Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 83.

19

"Naquele momento, compreendi o único sentido que a amizade pode ter hoje. A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento de sua memória. Lembrar-se do passado, carregá-lo sempre consigo, é, talvez, a condição necessária para conservar, como se diz, a integridade do seu eu. Para que o eu não se encolha, para que guarde seu volume, é preciso regar as lembranças como flores num vaso e essa rega exige um contato regular com as testemunhas do passado, quer dizer, com os amigos. Eles são nosso espelho; nossa memória; não exigimos nada deles, a não ser que de vez em quando lustrem esse espelho para que possamos nos olhar nele" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade, trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 36.

20

"Toda questão é e não é, sabe e não sabe. Acontece que a questão não é algo que a consciência põe. Pelo contrário, nós somos postos na e pela questão, pois já vivemos e nascemos, amamos e morremos, e nos movemos na questão como unidade e vigorar de tudo que é e se sabe, se dá e se retrai, enquanto linguagem, isto é, sentido do ser. A questão não é posta pela pergunta do eu, do sujeito. O eu é que é posto pela questão. Por exemplo, para perguntar, já tenho que estar vivendo, me experienciando no vigorar do tempo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio não publicado.


21

"Na essência do agir o que decide não é o querer da vontade, uma vez que a essência do agir é o próprio agir, não a partir da vontade, mas do agir da essência. Essência é o vigorar do que é em tudo que é e está sendo. Este tem seu agir no vigorar do sentido do ser e não no agir das sensações do sujeito, pois o que o “eué se determina pelo ser e não pelo “eu” "(1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.


22

"Quando digo “eu sou”, o alcance desse “eu” está na estrita dependência e determinação necessária do “sou”. Até para dizereu não sou”, só sendo o não-ser é que o “eu” pode se afirmar como sendo o que não-é. Ser é a necessidade essencial de todoeu” (de todo sendo). Só ela liberta.
Quando o “eu” se dimensiona pelo ser, então, o “eué e, sendo, é livre, porque ser é a essência da liberdade, da ação. A essência é o vigorar do ser" (1).
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.

23

"Quando digo “eu sou”, o alcance desse “eu” está na estrita dependência e determinação necessária do “sou”. Até para dizereu não sou”, só sendo o não-ser é que o “eu” pode se afirmar como sendo o que não-é. Ser é a necessidade essencial de todoeu” (de todo sendo). Só ela liberta.
Quando o “eu” se dimensiona pelo ser, então, o “eué e, sendo, é livre, porque ser é a essência da liberdade, da ação. A essência é o vigorar do ser" (1).
Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.

24

Ser é silêncio, o vigorar do repouso e recolhimento que se manifesta e desvela em cada sou e não-sou. Assim como o silêncio origina cada fala, o ser origina cada conhecimento. Fala e conhecimento configuram o “eu”.


- Manuel Antônio de Castro

25

"... se eu sei “que eu sou”, isto não provém de um puro saber do ser. Pelo contrário, eu só posso saber “que eu sou” sabendo mais ou menos “o que eu sou”, ou seja, sabendo acerca dos limites do ser deste ente finito que eu sou. Por mais atemático que seja este saber da minha “quidditas”, “do que” eu sou, é só nele que eu sei “que sou”. Isto é importante compreender: a saber que eu só posso dar-me conta de meu ser, se me dou conta dos limites de meu ser. Isto talvez fique mais claro na seguinte reflexão: Antes de mais nada – que eu, seja o que for, ou qualquer que seja a forma como possa saber o que soueu não sou o ser em ilimitada plenitude, mas um ente finito, que está posto e fundamentado no ser, mas limitado no ser. E por isto deixa margem para maior plenitude de ser para além dele mesmo. Por isto, se eu me sei a mim mesmo, então devo saber-me como algo que “é”, mas que não é o ser mesmo e total" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

26

você põe tudo a perder
quando não ama primeiro você
- e ganha tudo quando se ama (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 31.

27

eu continuo respirando olha só
isso só pode ser sinal de que
o universo está do meu lado
se eu já cheguei até aqui
eu posso ir até o fim


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 40.

28

eu vivo bem sem amor romântico
mas não sobrevivo
sem as mulheres que escolhi como amigas
elas sabem exatamente do que eu preciso
antes mesmo que eu saiba
o apoio que oferecemos
umas às outras é ímpar (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 73.

29

Cansei de viver tentando
provar para mim
que eu tenho valor (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 127.

30

eu saí do meio das pernas da minha mãe
caí direto nas mãos deste mundo
e a própria deusa me movia por dentro
- nascimento (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 135.

31

eu desperto para meu eu divino


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 185.

32

tem dias
em que a luz tremula
e então eu lembro
que eu sou a luz
eu entro
e a acendo de novo
- potência (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 188.
Ferramentas pessoais