Ulisses
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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+ | : "[[Ulisses]] está diante dos companheiros e decidiu-se pela [[Escuta]]. Mas sabe que as [[ações]] suas e de seus companheiros não auferem o seu [[vigor]] de sua decisão e [[poder]] [[pessoal]], mas só na [[medida]] em que elas respondem e correspondem ao [[destino]]. Nesse [[horizonte]], a decisão pela [[Escuta]] do [[Canto das Sereias]] se inscreve no [[horizonte]] da tomada de posse do seu [[quinhão]], da [[realização]] da sua [[Moîra]], enquanto [[con-sumação]] do que [[é]]. Nessa [[con-sumação]], como [[travessia]], ele realiza o seu [[destino]]" (1). | ||
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+ | : "Mas ao [[agir]], enquanto [[Escuta]] do [[destino]], é que [[Ulisses]] afirma e realiza a sua [[liberdade]] como [[realização]] do que [[é]]. É nessa [[abertura]] de [[Escuta]] do [[destino]] que [[Ulisses]] tem acesso e não tem à [[Escuta]] do [[Canto das Sereias]]. Elas, enquanto [[destino]], podem implicar a [[morte]]. Esse é o [[saber]] e o [[querer]] ao qual devemos estar [[poética]] e [[ontologicamente]] abertos, onde e quando [[necessidade]] e [[libertação]] são [[um]] e o [[mesmo]]" (1). | ||
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+ | : (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. '''[[Aprendendo]] a [[pensar]] I. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 239.''' | ||
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+ | : " [[Ser]] é [[obedecer]] como [[Escuta]] à [[voz]] do [[destino]], o contrário seria a [[morte]], não cumprindo o [[destino]] pelo qual cada um se apropria do que lhe é [[próprio]]. A [[ação]] de [[Ulisses]] é guiada pelo [[con-sumar]] [[o que é]] e não pela satisfação de um [[desejo]] cuja extensão seria uma satisfação [[subjetiva]] de pura [[curiosidade]]: como seria o [[canto das Sereias]]?" (1). | ||
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+ | : "[[Ulisses]] anunciou o [[mito]] aos companheiros. A sua [[fala]] é o mesmo [[mito]] enquanto anunciado, mas ainda não realizado. Não adianta ter a [[palavra cantada]] anunciada, memorizada, se ainda não foi realizada. [[Ulisses]] mitifica o que [[Circe]] mitificou. O relato de [[Homero]] é [[poético]] porque o [[agir]] de [[Ulisses]] é [[poético]]. Não podemos [[esquecer]] que o [[poeta]] é um [[aedo]], isto é, um [[cantor]]. E só é [[poeta]]/[[aedo]] [[cantor]] porque canta a [[Escuta]] das [[Musas]], ou seja, o canto das [[Musas]]/[[Sereias]]. E as [[Musas]] são as filhas de ''[[Zeus]]'' e ''[[Mnēmosýnē]]''" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ulisses]] e a [[Escuta]] do [[Canto]] das [[Sereias]]”. In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.''' | ||
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+ | : "[[Ulisses]], pela sua [[Escuta]], apodera-se do que já tem ([[destino]]), mas não sabe, e do que não tem e já sabe ([[destino]]). Por isso será uma [[escuta]] ambígua, como veremos. Esse é o nosso [[destino]], vivermos ambiguamente: [[sermos]] e [[não-sermos]], [[saber]] e [[não-sabermos]]" (1). | ||
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+ | : "Diz [[Ulisses]]: “Somente [[eu]] posso [[escutar]]” (verso 160). Por que somente ele pode [[escutar]]? Esta [[escolha]] o [[mito]] narra, mas não explica. E nem precisa. Basta atentar para as [[ações]] de [[Ulisses]]. E uma [[coisa]] fica clara: Não é uma decisão [[pessoal]]. O apelo vem de uma força que radica no que há de mais profundo e [[interior]] a [[nós]], e que pede uma abertura: a [[Escuta]]. Há uma [[disposição]] constitutiva do [[ser humano]] para [[ser]], mas temos que [[realizar]] essa [[disponibilidade]]. Certamente cada um de [[nós]] deve [[esperar]] o seu dia de [[ser]] [[Ulisses]] e [[escutar]] a [[palavra cantada]] que encanta, brotando de nosso âmago. Em algum [[momento]], [[sempre]] [[diferente]] para cada um de [[nós]], haverá o [[apelo]] para que nos disponhamos para a [[Escuta]] da [[fala]] da [[palavra cantada]]. Porque, embora os [[mitos]] vivam hoje ausentes, ainda assim temos sempre vivo o [[mítico]], que é um apelo para a [[Escuta]] do [[canto das Sereias]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ulisses]] e a [[Escuta]] do [[Canto]] das [[Sereias]]”. In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.''' | ||
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+ | : "Mas quem é [[Ulisses]]? Ele nos aparece [[poeticamente]] como o nobre, o como [[deus]], o exemplo de astúcia [[sábia]] e rara. [[Ulisses]] realiza [[poeticamente]] o que nós aspiramos a fazer [[vivencial]] e [[existencialmente]], é para cada um de [[nós]] a [[possibilidade]] de [[realizar]] a [[travessia]] enquanto enfrentamento da [[morte]], através da astúcia [[sábia]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ulisses]] e a [[Escuta]] do [[Canto]] das [[Sereias]]”. In: -----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 175.''' | ||
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+ | : "O [[advento]] e a [[possibilidade]] da [[Escuta]] não é fruto de um [[desejo]] de [[Ulisses]], isto é, nosso. Podemos ou não apenas acolhê-la. É um [[poder]] impotente, porque o [[acolher]] não é uma [[questão]] de [[vontade]], mas de [[acolhimento]] do [[destino]]. Este é a [[via]] sinuosa de [[querer]] e [[não-querer]], melhor de [[querer]] [[não-querer]] e de [[não-querer]] [[querer]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176. | ||
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+ | : "A vinda da [[poesia]] não é uma [[decisão]] do [[poeta]], porque a [[poesia]] é o [[advento]] e [[presentificação]]-[[doação]] da [[fala]] das [[Musas]], o encontro com o [[canto]] [[divino]] e [[encantador]] das [[Sereias]]. Atentemos para a aventura e ventura de [[Ulisses]]. Ele quer, decidiu-se pela [[Escuta]], isto é, decidiu-se pela [[apropriação]] do [[próprio]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176. | ||
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+ | : "As [[diferenças]] não podem cair na [[dicotomia]] [[metafísica]], invertendo o [[sistema]] pela [[afirmação]] de um [[outro]], mas afirmando, sim, a [[identidade]], porém, como [[identidade]] das [[diferenças]] e [[diferenças]] da [[identidade]] ([[alteridade]] e [[ipseidade]]). A [[diferença]], porque é [[diferença]], [[vigora]] no âmbito [[sempre]] do [[não-saber]]. Ousar [[saber]] e ousar [[não-saber]] significa [[saber]] e [[não-saber]], [[ser]] e [[não-ser]], significa assumir a [[liminaridade]] de [[finito]] e [[infinito]], a [[dobra]]. Nessa [[tensão]] [[liminar]] nos realizamos como [[diferenças]]. É a [[medida]] da [[Escuta]] de [[Ulisses]] que nos advém como [[palavra cantada]], como [[Escuta]] do [[mito]] das [[Sereias]]. Por isso precisamos ter sempre [[presente]] o [[pensar]] [[poético]] de [[Heráclito]] (1): | ||
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+ | : ''Se não se espera, não se encontra o [[inesperado]], sendo sem [[caminho]] de encontro nem [[vias]] de acesso'' (2). (1991, 63). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 183. | ||
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+ | : (2) OS PENSADORES ORIGINÁRIOS. ''Anaximandro, Parmênides, Heráclito''. Trad. Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio Wrublesvski. Petrópolis: Vozes, 1991, 63. |
Edição atual tal como 22h30min de 30 de janeiro de 2025
Tabela de conteúdo |
1
- "Zeus, na sua união com Thêmis (Lei Ancestral, Ordem) gera a Ordenação interior de seu reinado, a Ordem em todos os seus aspectos, pois dessa união nascem suas filhas Hôrai e Môirai, que dosam e regram a distribuição de bem e de mal. Isto é possível porque de uma outra união, com Mêtis (sapiência, saber e sabedoria), ele incorpora toda a sabedoria, que lhe assegura um poder sobre o imprevisível, pois com Mêtis ele conhece o bem e o mal, cambiante e instável como a natureza do mar, onde todos, como eternos Ulisses, fazemos a caminhada de travessia" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 163.
2
- "Ulisses realiza sua travessia como destino no mar. Nele se entretece o que estando será. Deste estar lhe advém a experienciação do que será, do seu destino, do seu próprio. O Canto das Sereias é a presentificação da harmonia, de onde surge a sabedoria, o saber do próprio. Este não é outro que o próprio saber, pois tem sua origem no seu génos: Zeus e Thetis, obedecendo à ordem, à Lei da harmonia cósmica" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 164.
3
- "Por que Ulisses vence Circe? Ele se abre para a fala e escuta de Hermes, o mensageiro dos deuses, a palavra originária, sagrada e poética. O radical de Hermes, wre ou wer, é indo-europeu e significa palavra. Esta se origina do verbo grego pará-ballein: o lançar no entre, daí toda palavra ser portadora e a própria mensagem. Ulisses só vence porque é portador do saber de Hermes, a própria Linguagem, o mito dos mitos e ritos, o sagrado primordial e originário" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 156.
4
- "Ulisses está diante dos companheiros e decidiu-se pela Escuta. Mas sabe que as ações suas e de seus companheiros não auferem o seu vigor de sua decisão e poder pessoal, mas só na medida em que elas respondem e correspondem ao destino. Nesse horizonte, a decisão pela Escuta do Canto das Sereias se inscreve no horizonte da tomada de posse do seu quinhão, da realização da sua Moîra, enquanto con-sumação do que é. Nessa con-sumação, como travessia, ele realiza o seu destino" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 172.
5
- "Mas ao agir, enquanto Escuta do destino, é que Ulisses afirma e realiza a sua liberdade como realização do que é. É nessa abertura de Escuta do destino que Ulisses tem acesso e não tem à Escuta do Canto das Sereias. Elas, enquanto destino, podem implicar a morte. Esse é o saber e o querer ao qual devemos estar poética e ontologicamente abertos, onde e quando necessidade e libertação são um e o mesmo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 173.
6
- "Ulisses se dimensiona pelo destino, porque ao mesmo tempo em que pode afirmar o seu querer, deve igualmente negá-lo, pois tem que ficar amarrado, preso, limitado. É nessa duplicidade ambígua de ações que Ulisses pode realizar a Escuta. E ele obedece à orientação de Circe.
- Só por obedecer é que Ulisses se pode libertar para a Escuta. Aparentemente, o importante não são as Sereias, mas a palavra cantada. Na realidade não há separação, as Sereias são a própria palavra cantada. O perigo está na Escuta. É nela que o destino se destina" (2).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar I. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 239.
- (2) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 173.
7
- " Ser é obedecer como Escuta à voz do destino, o contrário seria a morte, não cumprindo o destino pelo qual cada um se apropria do que lhe é próprio. A ação de Ulisses é guiada pelo con-sumar o que é e não pela satisfação de um desejo cuja extensão seria uma satisfação subjetiva de pura curiosidade: como seria o canto das Sereias?" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.
8
- "Ulisses anunciou o mito aos companheiros. A sua fala é o mesmo mito enquanto anunciado, mas ainda não realizado. Não adianta ter a palavra cantada anunciada, memorizada, se ainda não foi realizada. Ulisses mitifica o que Circe mitificou. O relato de Homero é poético porque o agir de Ulisses é poético. Não podemos esquecer que o poeta é um aedo, isto é, um cantor. E só é poeta/aedo cantor porque canta a Escuta das Musas, ou seja, o canto das Musas/Sereias. E as Musas são as filhas de Zeus e Mnēmosýnē" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.
9
- "Ulisses, pela sua Escuta, apodera-se do que já tem (destino), mas não sabe, e do que não tem e já sabe (destino). Por isso será uma escuta ambígua, como veremos. Esse é o nosso destino, vivermos ambiguamente: sermos e não-sermos, saber e não-sabermos" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.
10
- "Diz Ulisses: “Somente eu posso escutar” (verso 160). Por que somente ele pode escutar? Esta escolha o mito narra, mas não explica. E nem precisa. Basta atentar para as ações de Ulisses. E uma coisa fica clara: Não é uma decisão pessoal. O apelo vem de uma força que radica no que há de mais profundo e interior a nós, e que pede uma abertura: a Escuta. Há uma disposição constitutiva do ser humano para ser, mas temos que realizar essa disponibilidade. Certamente cada um de nós deve esperar o seu dia de ser Ulisses e escutar a palavra cantada que encanta, brotando de nosso âmago. Em algum momento, sempre diferente para cada um de nós, haverá o apelo para que nos disponhamos para a Escuta da fala da palavra cantada. Porque, embora os mitos vivam hoje ausentes, ainda assim temos sempre vivo o mítico, que é um apelo para a Escuta do canto das Sereias" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 174.
11
- "Mas quem é Ulisses? Ele nos aparece poeticamente como o nobre, o como deus, o exemplo de astúcia sábia e rara. Ulisses realiza poeticamente o que nós aspiramos a fazer vivencial e existencialmente, é para cada um de nós a possibilidade de realizar a travessia enquanto enfrentamento da morte, através da astúcia sábia" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 175.
12
- "O advento e a possibilidade da Escuta não é fruto de um desejo de Ulisses, isto é, nosso. Podemos ou não apenas acolhê-la. É um poder impotente, porque o acolher não é uma questão de vontade, mas de acolhimento do destino. Este é a via sinuosa de querer e não-querer, melhor de querer não-querer e de não-querer querer" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176.
13
- "A vinda da poesia não é uma decisão do poeta, porque a poesia é o advento e presentificação-doação da fala das Musas, o encontro com o canto divino e encantador das Sereias. Atentemos para a aventura e ventura de Ulisses. Ele quer, decidiu-se pela Escuta, isto é, decidiu-se pela apropriação do próprio" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 176.
14
- "As diferenças não podem cair na dicotomia metafísica, invertendo o sistema pela afirmação de um outro, mas afirmando, sim, a identidade, porém, como identidade das diferenças e diferenças da identidade (alteridade e ipseidade). A diferença, porque é diferença, vigora no âmbito sempre do não-saber. Ousar saber e ousar não-saber significa saber e não-saber, ser e não-ser, significa assumir a liminaridade de finito e infinito, a dobra. Nessa tensão liminar nos realizamos como diferenças. É a medida da Escuta de Ulisses que nos advém como palavra cantada, como Escuta do mito das Sereias. Por isso precisamos ter sempre presente o pensar poético de Heráclito (1):
- Se não se espera, não se encontra o inesperado, sendo sem caminho de encontro nem vias de acesso (2). (1991, 63).
- Referências:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 183.
- (2) OS PENSADORES ORIGINÁRIOS. Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio Wrublesvski. Petrópolis: Vozes, 1991, 63.