Desvelamento

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Os gregos diziam [[verdade]] com a [[palavra]] [[aletheia]]. Como traduzi-la? O alcance da [[tradução]] é que dirá ou tentará dizer todo o âmbito do que queremos dizer por verdade. Temos de sair da [[concepção]] dela como o que é lógico e [[real]]. Isto é certo, mas não é tudo o que a [[realidade]] implica, pois além de ser lógica ela também é [[dialética]]. Toda dialética é lógica, verdadeira, porém nenhuma [[lógica]] é dialética. Isto implica dizer que na lógica nunca acontece o que é e o que não é, isto é, a [[negatividade]]. É nesse [[sentido]] que [[aletheia]] pode ser traduzido para o português como ''desvelamento''. Tanto mais se desvela, mostra, quanto mais se vela, se retrai. O prefixo português ''des-'' tanto diz [[negação]] quanto intensificação. Isto pode dizer: quanto mais se mergulha no desvelamento tanto mais se aprofunda o [[velamento]] e, dialeticamente, o desvelamento. Isso é a [[verdade]] da [[realidade]], não da lógica. Não podemos esquecer que tanto em [[lógica]] quanto em [[dialética]], o radical está na [[palavra]] [[logos]], submetida a múltiplas [[interpretações]] ao longo do percurso ocidental. Porém, nenhuma consegue abarcar toda a profundidade e [[mistério]] que essa [[palavra]] diz e provoca a [[pensar]].
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: Os [[gregos]] diziam [[verdade]] com a [[palavra]] [[aletheia]]. Como traduzi-la? O alcance da [[tradução]] é que dirá ou tentará [[dizer]] todo o âmbito do que queremos [[dizer]] por [[verdade]]. Temos de sair da [[concepção]] dela como o que [[é]] [[lógico]] e [[real]]. Isto é certo, mas não é [[tudo]] o que a [[realidade]] implica, pois além de [[ser]] [[lógica]] ela também é [[dialética]]. Toda [[dialética]] é [[lógica]], [[verdadeira]], porém nenhuma [[lógica]] é [[dialética]]. Isto implica [[dizer]] que na [[lógica]] nunca acontece o que é e o que não é, isto é, a [[negatividade]]. É nesse [[sentido]] que [[aletheia]] pode ser traduzida para o [[português]] como ''[[desvelamento]]''. Tanto mais se desvela, mostra, quanto mais se vela, se retrai. O [[prefixo]] [[português]] ''des-'' tanto diz [[negação]] quanto intensificação. Isto pode [[dizer]]: quanto mais se mergulha no [[desvelamento]] tanto mais se aprofunda o [[velamento]] e, [[dialeticamente]], o [[desvelamento]]. Isso é a [[verdade]] da [[realidade]], não da [[lógica]]. Não podemos [[esquecer]] que tanto em [[lógica]] quanto em [[dialética]], o [[radical]] está na [[palavra]] [[logos]], submetida a múltiplas [[interpretações]] ao longo do [[percurso]] [[ocidental]]. Porém, nenhuma consegue abarcar toda a [[profundidade]] e [[mistério]] que essa [[palavra]] diz e provoca a [[pensar]].
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- [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Há uma ligação entre o radical etimológico de ''alétheia'' e os verbos ''lanthánomai'' - [[esquecer]]-se e ''lanthánein'' estar oculto. O radical é o mesmo na alternância vocálica: ''leth''/''lath''. Esse mesmo radical aparece no verbo latino ''latere'': estar latente, oculto, seguro. O radical de ''a-létheia'' reúne os dois sentidos, porque nele ressoa uma experiência originária da realidade enquanto não-verdade/não-desvelamento da verdade/desvelamento, isto é, ''a-létheia''. Esta palavra forma-se de ''alethés'', isto é, ''a'' privativo + ''leth''/''lath''. Então temos com o ''alpha privativum'' respectivamente o sentido de lembrar-se e esquecer-se.  
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: Há uma ligação entre o radical etimológico de ''[[alétheia]]'' e os verbos ''lanthánomai'' - [[esquecer]]-se e ''lanthánein'' estar oculto. O [[radical]] é o mesmo na alternância vocálica: ''leth'' / ''lath''. Esse mesmo [[radical]] aparece no verbo latino ''latere'': estar latente, oculto, seguro. O [[radical]] de ''[[a-létheia]]'' reúne os dois sentidos, porque nele ressoa uma [[experiência]] [[originária]] da [[realidade]] enquanto não-verdade/não-desvelamento da [[verdade]] / [[desvelamento]], isto é, ''[[a-létheia]]''. Esta [[palavra]] forma-se de ''alethés'', isto é, ''a'' privativo + ''leth'' / ''lath''. Então temos com o ''alpha privativum'' respectivamente o [[sentido]] de [[lembrar-se]] e [[esquecer-se]].  
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: A [[luz]] é a [[energia]] do [[silêncio]] e seu manto é a [[claridade]]. Sem [[luz]] não há [[claridade]] nem [[escuridão]]. A [[claridade]] da [[luz]] é o [[sentido]] e [[verdade]] do [[agir]], o [[vigorar]] do [[silêncio]] da [[luz]]. Portanto, a [[luz]] é o [[princípio]] de [[tudo]], pois dela provêm tanto a [[claridade]] quanto a [[escuridão]]. E o [[silêncio]] é essa [[energia]] de [[plenitude]] e [[origem]] de [[sentido]] e [[verdade]] em que se constitui originariamente a [[luz]]. Como [[origem]] de [[tudo]], a [[luz]] pode-se mostrar como [[desvelamento]] e [[velamento]], como [[claridade]] e [[escuridão]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: A luz é a [[energia]] do [[silêncio]] e seu manto é a [[claridade]]. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o [[sentido]] e [[verdade]] do [[agir]], o vigorar do [[silêncio]] da luz. Portanto, a luz é o [[princípio]] de tudo, pois dela provêm tanto a [[claridade]] quanto a [[escuridão]]. E o [[silêncio]] é essa [[energia]] de plenitude e origem de [[sentido]] e [[verdade]] em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e [[velamento]], como [[claridade]] e [[escuridão]].
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: "A [[obra]], enquanto [[verdade]] de [[desvelamento]], eclosão de [[vida]], produz em nós a nossa eclosão como [[mundo]]. É que todo [[desvelamento]] já é em-si [[mundo]]. Então o [[real]] nos advém como [[verdade]].  E o [[sentido]] de nossa [[vida]], como [[corpo]]-[[mundo]]-erótico, se realiza como [[sabedoria]]: é a [[experienciação]] [[ética]] da [[vida]]. Sendo [[corpo]]-[[mundo]]-[[eros]], o [[homem]], que somos, se torna [[homem]] [[humano]], isto é, essencializamo-nos em nossa [[humanidade]]. É que as [[possibilidades]] do [[humano]] são as [[possibilidades]] da semente [[obra de arte]]. Nesse [[horizonte]], o [[humano]] é o ''[[logos]]'', reunindo em torno de si todos os [[seres]] do [[real]] enquanto [[tempo]]-[[memória]], ou seja, [[mundo]].  É nesse sentido que o [[homem]] é [[homem]] enquanto ''[[logos]]'' (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.
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: "[[Desvelamento]] é a [[realidade]] se dando como [[verdade]] no [[ser-humano]], pelo qual ele respondendo e correspondendo a esse apelo de ''[[poiesis]]''/[[linguagem]]/''[[logos]]'' chega a [[ser]] o que [[é]] historicamente, isto é, no [[acontecer poético-apropriante]] (''Ereignis''). O que exercita o [[desvelo]] traduzimos por o desvelante. O [[leitor]] é o desvelante" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. '''A origem da obra de arte'''. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.
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: "Felizmente, em [[português]], ainda ressoa em [[desvelo]] não só a intensidade do [[velar]] o que é digno de ser velado e [[cuidado]], mas, ao mesmo [[tempo]], a intensidade no deixar [[ser]], isto é, o deixar eclodir no que [[é]], no [[desvelamento]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. '''A origem da obra de arte'''. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.
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: "O [[sendo]] de toda [[realidade]] é a [[luz]] de [[desvelamento]] em que todo [[velamento]] entre-acontece. [[Luz]] é [[energia]] irradiante e não apenas a luminosidade. O [[entre]]-[[acontecer]] de [[desvelamento]] e [[velamento]] é a própria [[verdade]] [[poética]] da [[realidade]] doando-se em [[Mundo]] e retraindo-se na [[Terra]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ---. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.
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: A [[tese]] central de Heidegger em '''A origem da obra de arte''' (1) é a de que [[arte]] é [[verdade]] e a [[obra]] é a [[verdade]] operando. Mas então o que Heidegger entende por [[verdade]] é a [[realidade]] eclodindo, desvelando-se na [[disputa]] com o [[velar-se]]. Por isso, à [[verdade]] corresponderá a [[não-verdade]]. Então [[verdade]] enquanto [[desvelamento]] é a [[realidade]] se dando como [[presença]]. E [[presença]] é [[sempre]] [[corpo]] denso e [[inteiro]], tendendo à [[plenitude]], à esfericidade. E isso é o [[ser humano]]: [[corpo]]-[[presença]] [[entre]]-[[sendo]].
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: (1) HEIDEGGER, Martin. '''A Origem da obra de arte'''. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70 / Almedina-Brasil, 2010.
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: "A [[obra]], enquanto [[verdade]] de desvelamento, eclosão de [[vida]], produz em nós a nossa eclosão como [[mundo]]. É que todo desvelamento já é em-si [[mundo]]. Então o [[real]] nos advém como [[verdade]]. E o [[sentido]] de nossa [[vida]], como corpo-mundo-erótico, se realiza como [[sabedoria]]: é a [[experienciação]] [[ética]] da [[vida]]. Sendo corpo-mundo-eros, o [[homem]], que somos, se torna homem [[humano]], isto é, essencializamo-nos em nossa [[humanidade]]. É que as [[possibilidades]] do [[humano]] são as [[possibilidades]] da semente-obra-de-arte. Nesse [[horizonte]], o [[humano]] é o ''[[logos]]'', reunindo em torno de si todos os [[seres]] do [[real]] enquanto tempo-memória, ou seja, [[mundo]].  É nesse sentido que o [[homem]] é [[homem]] enquanto ''[[logos]]'' (1).  
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: *[[Alétheia]]
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: "A [[técnica]] não é, portanto, um simples [[meio]]. A [[técnica]] é uma [[forma]] de [[desencobrimento]]. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a [[essência]] a [[técnica]]. Trata-se do âmbito do [[desencobrimento]], isto é, da [[verdade]]" (1).
: Referência:
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: ---. '''Ensaios e conferências'''. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 17.
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: Para [[compreender]] e [[apreender]] o que é o [[olhar]], o melhor [[caminho]] é [[pensar]] a [[diferença]] [[ontológica]] [[entre]] [[olhar]] e [[ver]]. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer [[pensar]] essa [[diferença]]: quando Édipo, o famoso [[personagem]] do [[mito]] de Édipo, pensado por Sófocles em sua famosa [[obra]] ''Rei Édipo'', tinha [[olhos]] não penetrara e nem vira os [[caminhos]] de seu [[destino]]. É que o [[olho]] é [[funcional]], faz parte do nosso [[organismo]] que diz respeito ao [[olhar]], não necessariamente ao [[ver]], pois foi quando arrancou os [[olhos]] que passou a [[ver]] na [[luz]] da [[verdade]] os [[caminhos]] e [[descaminhos]] do seu [[destino]]. O [[olho]] diz respeito aos [[sentidos]], a [[visão]] diz respeito ao [[sentido]]. Não basta [[olhar]], é necessário [[ver]]. E é nesta distinção [[fundamental]] que os [[gregos]] pensaram a [[essência]] da ''[[aletheia]]'', [[desvelamento]] ou [[verdade]]. Por isso, este diz respeito à [[manifestação]] do [[sentido]] do [[destino]]. E é nesse [[horizonte]] que se diferencia radicalmente a [[verdade]] da [[obra de arte]] e a [[verdade]] [[funcional]] da [[lógica]], que fundamenta a [[ciência]] fundada na [[razão]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: "O [[surgimento]] das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o [[tempo]]/''[[poiesis]]''/[[linguagem]]. Estes aqui mostram duas [[coisas]]: um [[desvelamento]] e [[velamento]]. A estes chamou o [[mito]] ''[[Aletheia]]'', ou seja, [[verdade]]. Mas este [[desvelamento]] e [[velamento]] constituem [[evidentemente]] a [[vida]] e a [[morte]]. [[Verdade]], [[vida]], [[morte]], [[luz]], [[trevas]] não será este o [[itinerário]] e [[travessia poética]] de [[Édipo]], do [[homem]]? Não será este o nosso [[itinerário]], a nossa [[travessia]]? Mas até onde ela será [[poética]]? Ou seja, até onde fazemos do [[viver]] uma [[experienciação]] de [[ser]]?" (1).
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: Referência:
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---------. ''Leitura: questões''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "[[Heidegger]] e as [[questões]] da [[arte]]". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''A [[arte]] em [[questão]]: as [[questões]] da [[arte]]'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.

Edição atual tal como 15h55min de 1 de Maio de 2024

Ver também o verbete Aletheia.

Tabela de conteúdo

1

Os gregos diziam verdade com a palavra aletheia. Como traduzi-la? O alcance da tradução é que dirá ou tentará dizer todo o âmbito do que queremos dizer por verdade. Temos de sair da concepção dela como o que é lógico e real. Isto é certo, mas não é tudo o que a realidade implica, pois além de ser lógica ela também é dialética. Toda dialética é lógica, verdadeira, porém nenhuma lógica é dialética. Isto implica dizer que na lógica nunca acontece o que é e o que não é, isto é, a negatividade. É nesse sentido que aletheia pode ser traduzida para o português como desvelamento. Tanto mais se desvela, mostra, quanto mais se vela, se retrai. O prefixo português des- tanto diz negação quanto intensificação. Isto pode dizer: quanto mais se mergulha no desvelamento tanto mais se aprofunda o velamento e, dialeticamente, o desvelamento. Isso é a verdade da realidade, não da lógica. Não podemos esquecer que tanto em lógica quanto em dialética, o radical está na palavra logos, submetida a múltiplas interpretações ao longo do percurso ocidental. Porém, nenhuma consegue abarcar toda a profundidade e mistério que essa palavra diz e provoca a pensar.


- Manuel Antônio de Castro

2

Há uma ligação entre o radical etimológico de alétheia e os verbos lanthánomai - esquecer-se e lanthánein estar oculto. O radical é o mesmo na alternância vocálica: leth / lath. Esse mesmo radical aparece no verbo latino latere: estar latente, oculto, seguro. O radical de a-létheia reúne os dois sentidos, porque nele ressoa uma experiência originária da realidade enquanto não-verdade/não-desvelamento da verdade / desvelamento, isto é, a-létheia. Esta palavra forma-se de alethés, isto é, a privativo + leth / lath. Então temos com o alpha privativum respectivamente o sentido de lembrar-se e esquecer-se.


- Manuel Antônio de Castro

3

A luz é a energia do silêncio e seu manto é a claridade. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio da luz. Portanto, a luz é o princípio de tudo, pois dela provêm tanto a claridade quanto a escuridão. E o silêncio é essa energia de plenitude e origem de sentido e verdade em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e velamento, como claridade e escuridão.


- Manuel Antônio de Castro

4

"A obra, enquanto verdade de desvelamento, eclosão de vida, produz em nós a nossa eclosão como mundo. É que todo desvelamento já é em-si mundo. Então o real nos advém como verdade. E o sentido de nossa vida, como corpo-mundo-erótico, se realiza como sabedoria: é a experienciação ética da vida. Sendo corpo-mundo-eros, o homem, que somos, se torna homem humano, isto é, essencializamo-nos em nossa humanidade. É que as possibilidades do humano são as possibilidades da semente obra de arte. Nesse horizonte, o humano é o logos, reunindo em torno de si todos os seres do real enquanto tempo-memória, ou seja, mundo. É nesse sentido que o homem é homem enquanto logos (1).


Referência:


(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.

5

"Desvelamento é a realidade se dando como verdade no ser-humano, pelo qual ele respondendo e correspondendo a esse apelo de poiesis/linguagem/logos chega a ser o que é historicamente, isto é, no acontecer poético-apropriante (Ereignis). O que exercita o desvelo traduzimos por o desvelante. O leitor é o desvelante" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.

6

"Felizmente, em português, ainda ressoa em desvelo não só a intensidade do velar o que é digno de ser velado e cuidado, mas, ao mesmo tempo, a intensidade no deixar ser, isto é, o deixar eclodir no que é, no desvelamento" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.

7

"O sendo de toda realidade é a luz de desvelamento em que todo velamento entre-acontece. Luz é energia irradiante e não apenas a luminosidade. O entre-acontecer de desvelamento e velamento é a própria verdade poética da realidade doando-se em Mundo e retraindo-se na Terra" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.

8

A tese central de Heidegger em A origem da obra de arte (1) é a de que arte é verdade e a obra é a verdade operando. Mas então o que Heidegger entende por verdade é a realidade eclodindo, desvelando-se na disputa com o velar-se. Por isso, à verdade corresponderá a não-verdade. Então verdade enquanto desvelamento é a realidade se dando como presença. E presença é sempre corpo denso e inteiro, tendendo à plenitude, à esfericidade. E isso é o ser humano: corpo-presença entre-sendo.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A Origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70 / Almedina-Brasil, 2010.


Ver também:
*Alétheia

9

"A técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a essência a técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, isto é, da verdade" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: ---. Ensaios e conferências. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 17.

10

Para compreender e apreender o que é o olhar, o melhor caminho é pensar a diferença ontológica entre olhar e ver. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer pensar essa diferença: quando Édipo, o famoso personagem do mito de Édipo, pensado por Sófocles em sua famosa obra Rei Édipo, tinha olhos não penetrara e nem vira os caminhos de seu destino. É que o olho é funcional, faz parte do nosso organismo que diz respeito ao olhar, não necessariamente ao ver, pois foi quando arrancou os olhos que passou a ver na luz da verdade os caminhos e descaminhos do seu destino. O olho diz respeito aos sentidos, a visão diz respeito ao sentido. Não basta olhar, é necessário ver. E é nesta distinção fundamental que os gregos pensaram a essência da aletheia, desvelamento ou verdade. Por isso, este diz respeito à manifestação do sentido do destino. E é nesse horizonte que se diferencia radicalmente a verdade da obra de arte e a verdade funcional da lógica, que fundamenta a ciência fundada na razão.


- Manuel Antônio de Castro.

11

"O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o tempo/poiesis/linguagem. Estes aqui mostram duas coisas: um desvelamento e velamento. A estes chamou o mito Aletheia, ou seja, verdade. Mas este desvelamento e velamento constituem evidentemente a vida e a morte. Verdade, vida, morte, luz, trevas não será este o itinerário e travessia poética de Édipo, do homem? Não será este o nosso itinerário, a nossa travessia? Mas até onde ela será poética? Ou seja, até onde fazemos do viver uma experienciação de ser?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Heidegger e as questões da arte". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). A arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.