Obra
De Dicionrio de Potica e Pensamento
(Diferença entre revisões)
(→16) |
(→17) |
||
Linha 160: | Linha 160: | ||
:- [[Manuel Antônio de Castro]]. | :- [[Manuel Antônio de Castro]]. | ||
+ | |||
+ | |||
+ | |||
+ | == 18 == | ||
+ | : "[[Obra]] é o que opera desdobrando-se. Resta sempre a [[obra]] que se impõe pelo seu [[vigor]] [[poético]] e ultrapassa o seu [[contexto]] e qualquer [[classificação]] [[formal]] e [[estilística]]. Os ouvintes se sucedem e também passam. Toda [[obra]] [[poética]], como [[lugar]] da [[questão]] [[originária]], sempre se atualiza como convite à [[Escuta]]" (1). | ||
+ | |||
+ | |||
+ | : Referência: | ||
+ | |||
+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149. |
Edição de 15h59min de 10 de Julho de 2019
1
- A obra não é, opera, mas só opera enquanto é. Um tal operar no qual ela consiste se dá enquanto linguagem e verdade. Como a linguagem e a verdade não são, mas dão-se, uma tal doação nos advém como imagem-questão e sintaxe-questão ou poética. Quando digo que a obra não é, quero acentuar sua dimensão verbal. Nesse sentido, um tal verbal lhe advém do ser. Por isso, o que a phýsis destina à ação do homem para ser, não consiste num ente como, por exemplo, todo sendo-se dotado de um código genético. Mas este código genético não dá a substantividade objetual, mas a singularidade do sendo na dinâmica da ciranda. O encontro do ón seja como código genético, seja como obra/instrumento está no fato de o ser ser sempre verbal e fundar o hèn pánta. A instrumentalidade/intensidade objetual vem da obra e na dimensão da obra dentro da sintaxe-poética. Nesta, como ciranda, tudo se harmoniza na medida dos quatro. No fundo, trata-se apenas de uma questão: sair do caráter substantivo/subjetivo a que a metafísica reduziu o ser e que a tradução latina só fez acentuar. Por isso, toda questão do enigma do ser não está no ser, mas no seu destinar-se no ser humano, daí a insistência da ligação de obra de arte ao ser humano não enquanto o ser humano a produz, mas enquanto um tal destino produz como cura o ser humano.
- Ver também:
2
- A palavra obra, do latim opus, operis, substantivo do verbo operari (operar), se diz em alemão Werk. "Operar", em alemão, wirken, pertence à raiz indo-européia uerg, de onde provém a palavra "obra", "Werk", e o grego ergon. Para ver o que é ergon para Aristóteles, confira essa palavra (1).
3
- "Pode-se alegar que um texto não passa da realização de um discurso em uma ordem sintática coesa e coerente. Não basta coesão e coerência sintática, toda obra de arte vai além disso. Uma obra só é obra se, em sua constituição originária, opera. O operar de toda obra exige e solicita um diálogo, não qualquer diálogo, mas um diálogo poético. Neste somos provocados a nos deixarmos tomar pelo nada criativo a partir do qual toda obra de arte opera" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: ---------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, 225.
4
- "A moral tende ao estático e estabelecido, ao sistema auto-referenciado. É bem o contrário da ética, onde o essencial é o poético. Não há ético sem poético e não há poético sem ético. E é isso que desde sempre se denominou obra de arte, se pusermos em primeiro lugar o que a palavra “obra” diz, aliás, o mesmo que poético no grego: o que age, o que faz acontecer, o que realiza, o que opera. É necessário pensar a essência do agir, horizonte onde nos aparece a condição humana" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O humano, o poético e a contracultura". In: www.travessiapoetica.Blogspot.com.
5
- "... não podemos confundir “obra” nem com suporte material, escrito ou oral, nem com o discurso entendido gramatical ou até ficcionalmente, e muito menos com objeto ou forma estética" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ------------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 249.
6
- "À língua como corpo vivo que é mundo é que denomino vocabulário. A grande diferença que aí acontece está em que mundo passa a ser o sentido do ser. Sentido se constitui então no sangue do corpo vivo, porque nele o ser acontece permanentemente. Surpreender numa obra o seu vocabulário não é uma tarefa gramatical, nem semântica, nem lexical, nem sintática. É poética, enquanto corpo vivo; mundo, enquanto sentido. Este não provém do vocabulário, mas do logon [ver logos] do ser, da voz do sagrado. Logon [ver logos] mais do que vocabulário é sentido".
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ------------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 249.
7
- "O vigor permanente da obra (verdade) como figura (a disputa de delimitação e vazio/nada) está aí para ser manifestado, operado. Mas tem que ser uma operação que deixe a obra ser obra. A esta operação que não impõe uma perspectiva nem uma vontade subjetiva nem objetiva, é que Heidegger denomina Bewahrung. Nós escolhemos uma palavra portuguesa aproximada, pois toda tradução é sempre um aproximar: desvelo. Desvelo: grande cuidado, carinho, vigilância, dedicação sem impor, deixando ser, aguardar o que é próprio e persiste, resguardar o deixar acontecer. Nela ressoa o cuidado e doação amorosa como ocorre, por exemplo, no desvelo da mãe para com o filho, o que pressupõe também no leitor o desvelo para com o que na obra Se dá, presenteia (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 236.
8
- Ora, aí é que entra também o tempo da arte. Que tempo é esse? Confunde-se o tempo da arte com a arte dos tempos, onde a conjuntura e a época determinariam o sentido das obras de arte. Diga-se logo que não são as épocas e suas conjunturas que determinam a memória e a história, pois sem memória – unidade e sentido das diferenças – não há nem época nem conjunturas enquanto sentido do acontecer do tempo, memória e história, enfim, obra de arte.
9
- "Operar, wirken (em alemão), pertence à raiz indo-europeia werg, de onde provem a palavra obra, "Werk", e o grego ergon. Mas nunca será demais repetir: o traço fundamental de operar, "wirken", e de obra, Werk, não reside no efficere e no effectus (palavras latinas: ser eficiente e efeito), mas em algo vir a des-encobrir-se e manter-se desencoberto" (1).
- Referência:
- ( ) HEIDEGGER, Martin. “Ciência e pensamento do sentido”, Trad. Emmanuel Carneiro Leão: In: -----. Ensaios e conferências. Petrópolis R / J: Vozes, 2002, p. 43.
10
- "A essência do ser humano é a sua referência ao ser. Daí não poder ficar determinada pelo instrumental ditado seja lá por qual sistema for. Nesse sentido de disciplina e sistema, a dança é o não-conhecimento porque é o não-sistema, porque é o livre dar-se e manifestar-se do que cada um já desde sempre é. Dança é sempre travessia, história, obra. E obra é o que opera. Opera o quê? A educação do humano pelo deixar vigorar o seu princípio constitutivo. Aqui está a questão. O princípio constitutivo do humano é o estético ou o poético? Dança não pode ficar reduzida a vivências estético-sentimentais, a um espetáculo para os olhos ou prazeres dos sentidos" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Aprender com a dança: fluxos e diálogos poéticos”. In: TAVARES, Renata (org.). O que me move, de Pina Bausch – e outros textos sobre dança-teatro. São Paulo: LibersArs, 2017, p. 82.
11
- "O que faz com que uma obra seja literária é sua literariedade e não simplesmente o adjetivo justaposto. A literariedade é sempre universal. Não há, porém, uma intransitividade entre o literário (identidade) e o adjetivo (a diferença), pois a identidade é na diferença e a diferença é na identidade. Ou seja, toda obra realmente literária pressupõe-se concreta, no sentido de que concresça, nasça o idêntico e o diferente, o universal e o singular (que é o oposto do geral e do individual). Toda obra é literária e de uma determinada literatura, e será tanto mais universal quanto mais for singular. O exemplo maior é a literatura grega: radicalmente grega e universal" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético - a história literária. Rio de Janeiro: Edições Antares, 2. e., 1982, p. 130.
12
- "Neste preciso momento soam canções e coros, música de ópera e música de câmara extraídos da obra de Conradin Kreutzer. Nestes sons está o próprio artista, pois a presença do mestre na obra é única que é autêntica. Quanto maior é um mestre mais completa a sua pessoa desaparece por detrás da obra" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d, p. 10.
13
- "A história literária resulta, pois, das diferentes poéticas: poéticas das obras e poéticas das épocas. Estas não constituem um aglomerado caótico, mas as vicissitudes humanas, das quais a verdade e o sentido do ser são o seu destinar-se. "É no destino 'epocal' do Ser que se essencializa a história dos homens"(2)" (1)".
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético - a história literária. Rio de Janeiro: Edições Antares, 2. e., 1982, p. 140.
- (2) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis (RJ): Vozes, 1977, p. 131.
14
- Referência:
- (1) PESSOA, Fernando. "O infante". In: Obra Poética - Mensagem. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965, p. 78.
15
- "E é certamente nas sinalizações e caminhos éticos das Poéticas das obras que devemos procurar os caminhos que elas já desde sempre sinalizam. Claro que não com atitudes disciplinares (os das disciplinas) e classificatórias, mas com questionamento, [d[escuta]], diversidade e diálogo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.
16
- "Um novo caminho tinha que ser pensado e proposto, um caminho que reconduzisse o leitor para o questionamento, a escuta, a diversidade e o diálogo com as obras poéticas. Isso exige um leitor novo, onde ele-mesmo esteja implicado em seu sentido, verdade e mundo. Exige um leitor num diálogo com e não mais um falar ou escrever sobre as obras. É um diálogo exigente, pois só escuta e dialoga quem se escuta. Mas a fala é da obra e não do autor, uma vez que nela quem age é a poiesis e quem fala é o Logos originário e não o logos racional da Modernidade" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Apresentação". In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 13.
17
- Criar é lutar. E lutar é descer ao âmago da dor do humano, aos seus limites e deixar surgir a ânsia de não simplesmente repetir os antepassados, as obras que se tornaram memória. Sem essa ultrapassagem, não dos ancestrais como tais, mas dos limites, não há criação. Com os ancestrais o poeta e pensador precisam e devem dialogar. De dentro dos limites deve gritar de dor numa ascese de renúncia para ascender além dos limites do homem e abrir-se, no livre aberto do sagrado, para o humano libertador. Por isso, enquanto fundar, O criar e a criação estão fundamentalmente ligados ao princípio feminino. Há uma ligação poética e essencial entre o criar poético e o criar a vida. Tanto o homem como todo e qualquer ser vivente, bem como qualquer criação artística ou obra, são criaturas.
18
- "Obra é o que opera desdobrando-se. Resta sempre a obra que se impõe pelo seu vigor poético e ultrapassa o seu contexto e qualquer classificação formal e estilística. Os ouvintes se sucedem e também passam. Toda obra poética, como lugar da questão originária, sempre se atualiza como convite à Escuta" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 149.