Desvelamento
De Dicionrio de Potica e Pensamento
Edição feita às 21h42min de 19 de Novembro de 2020 por Profmanuel (Discussão | contribs)
- Ver também o verbete Aletheia.
Tabela de conteúdo |
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- Os gregos diziam verdade com a palavra aletheia. Como traduzi-la? O alcance da tradução é que dirá ou tentará dizer todo o âmbito do que queremos dizer por verdade. Temos de sair da concepção dela como o que é lógico e real. Isto é certo, mas não é tudo o que a realidade implica, pois além de ser lógica ela também é dialética. Toda dialética é lógica, verdadeira, porém nenhuma lógica é dialética. Isto implica dizer que na lógica nunca acontece o que é e o que não é, isto é, a negatividade. É nesse sentido que aletheia pode ser traduzido para o português como desvelamento. Tanto mais se desvela, mostra, quanto mais se vela, se retrai. O prefixo português des- tanto diz negação quanto intensificação. Isto pode dizer: quanto mais se mergulha no desvelamento tanto mais se aprofunda o velamento e, dialeticamente, o desvelamento. Isso é a verdade da realidade, não da lógica. Não podemos esquecer que tanto em lógica quanto em dialética, o radical está na palavra logos, submetida a múltiplas interpretações ao longo do percurso ocidental. Porém, nenhuma consegue abarcar toda a profundidade e mistério que essa palavra diz e provoca a pensar.
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- Há uma ligação entre o radical etimológico de alétheia e os verbos lanthánomai - esquecer-se e lanthánein estar oculto. O radical é o mesmo na alternância vocálica: leth / lath. Esse mesmo radical aparece no verbo latino latere: estar latente, oculto, seguro. O radical de a-létheia reúne os dois sentidos, porque nele ressoa uma experiência originária da realidade enquanto não-verdade/não-desvelamento da verdade / desvelamento, isto é, a-létheia. Esta palavra forma-se de alethés, isto é, a privativo + leth / lath. Então temos com o alpha privativum respectivamente o sentido de lembrar-se e esquecer-se.
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- A luz é a energia do silêncio e seu manto é a claridade. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio da luz. Portanto, a luz é o princípio de tudo, pois dela provêm tanto a claridade quanto a escuridão. E o silêncio é essa energia de plenitude e origem de sentido e verdade em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e velamento, como claridade e escuridão.
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- "A obra, enquanto verdade de desvelamento, eclosão de vida, produz em nós a nossa eclosão como mundo. É que todo desvelamento já é em-si mundo. Então o real nos advém como verdade. E o sentido de nossa vida, como corpo-mundo-erótico, se realiza como sabedoria: é a experienciação ética da vida. Sendo corpo-mundo-eros, o homem, que somos, se torna homem humano, isto é, essencializamo-nos em nossa humanidade. É que as possibilidades do humano são as possibilidades da semente obra de arte. Nesse horizonte, o humano é o logos, reunindo em torno de si todos os seres do real enquanto tempo-memória, ou seja, mundo. É nesse sentido que o homem é homem enquanto logos (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte, vocabulário e mundo". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 251.
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- "Desvelamento é a realidade se dando como verdade no ser-humano, pelo qual ele respondendo e correspondendo a esse apelo de poiesis/linguagem/logos chega a ser o que é historicamente, isto é, no acontecer poético-apropriante (Ereignis). O que exercita o desvelo traduzimos por o desvelante. O leitor é o desvelante" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.
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- "Felizmente, em português, ainda ressoa em desvelo não só a intensidade do velar o que é digno de ser velado e cuidado, mas, ao mesmo tempo, a intensidade no deixar ser, isto é, o deixar eclodir no que é, no desvelamento" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Notas". In: HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 237.
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- "O sendo de toda realidade é a luz de desvelamento em que todo velamento entre-acontece. Luz é energia irradiante e não apenas a luminosidade. O entre-acontecer de desvelamento e velamento é a própria verdade poética da realidade doando-se em Mundo e retraindo-se na Terra" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ------. Arte: o humano e o destino’’. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.
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- A tese central de Heidegger em A origem da obra de arte (1) é a de que arte é verdade e a obra é a verdade operando. Mas então o que Heidegger entende por verdade é a realidade eclodindo, desvelando-se na disputa com o velar-se. Por isso, à verdade corresponderá a não-verdade. Então verdade enquanto desvelamento é a realidade se dando como presença. E presença é sempre corpo denso e inteiro, tendendo à plenitude, à esfericidade. E isso é o ser humano: corpo-presença entre-sendo.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. A Origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70 / Almedina-Brasil, 2010.
- Ver também:
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- "A técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a essência a técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, isto é, da verdade" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: -------. Ensaios e conferências. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 17.
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- Para compreender e apreender o que é o olhar, o melhor caminho é pensar a diferença ontológica entre olhar e ver. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer pensar essa diferença: quando Édipo, o famoso personagem do mito de Édipo, pensado por Sófocles em sua famosa obra Rei Édipo, tinha olhos não penetrara e nem vira os caminhos de seu destino. É que o olho é funcional, faz parte do nosso organismo que diz respeito ao olhar, não necessariamente ao ver, pois foi quando arrancou os olhos que passou a ver na luz da verdade os caminhos e descaminhos do seu destino. O olho diz respeito aos sentidos, a visão diz respeito ao sentido. Não basta olhar, é necessário ver. E é nesta distinção fundamental que os gregos pensaram a essência da aletheia, desvelamento ou verdade. Por isso, este diz respeito à manifestação do sentido do destino. E é nesse horizonte que se diferencia radicalmente a verdade da obra de arte e a verdade funcional da lógica, que fundamenta a ciência fundada na razão.
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- "O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o tempo/poiesis/linguagem. Estes aqui mostram duas coisas: um desvelamento e velamento. A estes chamou o mito Aletheia, ou seja, verdade. Mas este desvelamento e velamento constitui evidentemente a vida e a morte. Verdade, vida, morte, luz, trevas não será este o itinerário e travessia poética de Édipo, do homem? Não será este o nosso itinerário, a nossa travessia? Mas até onde ela será poética? Ou seja, até onde fazemos do viver uma experienciação de ser?" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.