Escrita
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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Edição atual tal como 14h31min de 23 de janeiro de 2025
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- "Para a escrita, os mitos são narrativas de fatos da natureza, estórias de divindades ou de personagens. O mito como questão foi esquecido. Sem questão o mito não é mito. Não é sem sentido que a escrita, o verbo, tanto no judaísmo, quanto no islamismo passou a ser identificado com o próprio Deus. O sagrado torna-se suporte, fundamento, escrita, escritura. Num e noutro caso fala-se sempre das sagradas escrituras. Onde há muito mais suporte escrito do que sagrado, pois eles se dispersam nas versões das traduções e das interpretações. Toda tradução já é uma interpretação. Esses fatos têm também um lugar importante na questão essencial do próprio e dos atributos. A escrita, ao representar, entifica" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In:------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 133.
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- Pensada a escrita na sua ligação com a memória, fica impensada a sua importância para o surgimento e afirmação da pólis. "Era a palavra que formava, no quadro da cidade, o instrumento da vida política; é a escrita que vai fornecer, no plano propriamente intelectual, o meio de uma cultura comum e permitir uma completa divulgação de conhecimentos previamente reservados ou interditos (ligados aos ritos míticos e religiosos, onde a palavra era poder). Tomada dos fenícios e modificada por uma transcrição mais precisa dos sons gregos, a escrita poderá satisfazer a essa função de publicidade porque ela própria se tornou, quase com o número direito da língua falada, o bem comum de todos os cidadãos (...) Ao lado da recitação decorada de textos de Homero ou Hesíodo - que continuava sendo tradicional - a escrita constituirá o elemento de base da paidéia grega" (1).
- Referência:
- (1) VERNANT, Jean-Pierre.As origens do pensamento grego. São Paulo: Difel, 1977, p. 36. Na página seguinte, fala da relação entre escrita e sabedoria.
3
- A oposição oralidade/escrita é uma falsa oposição, porque, no fundo, acontecem duas coisas:
- a) A questão reside na diferença entre imagem e conceito, onde aquela é acontecer e esta apreende e compreende o real de um modo abstrato.
- b) A separação entre imagem e conceito tem de ser pensada a partir de duas instâncias: língua e linguagem. A imagem só é imagem quando radica na linguagem e o conceito só é conceito quando radica na língua como língua, ou seja, a imagem é radicando na linguagem ontologicamente ambígua, nela e por ela o real ainda acontece, ou seja, a imagem é sempre histórica, o conceito é sempre historiográfico.
- c) Pensar a escrita é também pensar a linguagem poética que se dá como imagem, paradoxo e ironia, que não podem serem consideradas do ponto de vista retórico-formal. Ou seja, elas têm que ser pensadas a partir da história como acontecer (poético, de pensamento, mítico/místico, poético/jurídico/político).
- d) Na questão da escrita/oralidade, tanto numa como noutra, comparecem as questões fundamentais: natureza, tempo, linguagem, memória, história. Heidegger dá um exemplo disso a propósito da questão "O que é uma coisa?" (1) e de suas respostas como vigência histórica e acontecer. Diz: "Perguntamos historicamente quando perguntamos pelo que ainda acontece, mesmo quando tal dá a aparência da já ter passado (...) Não perguntamos, em geral, pela fórmula, ou pela definição da essência da coisa. Tais fórmulas são apenas o apoio e o sedimento de posições fundamentais que num estar-aí histórico, no meio da totalidade do ente (phýsis). Lançou em relação a este e absorver em si mesmo?"(1). Depois, fala do real e de movimento x repouso. Ou seja: todo o parágrafo 10 é radicalmente essencial.
- Referência:
- (2) Idem, p. 49.
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- O perdurar do lógos, enquanto um de-por e propor consiste num reunir não só o que se manifesta ao que se oculta, mas também o que se manifesta em sua poíesis. Poíesis e lógos, por isso, estão reunidos, por sua vez, enquanto tekhné. O interessante e maravilhoso é que o lógos se desdobra nessas dimensões e pode ser visto como tekhné. Mas esta não constituirá mais alétheia, porque lhe falta a poíesis. O primeiro passo para isso consistiu no isolamento do ente; o segundo, na separação entre sensível e inteligível; o terceiro, na determinação do ente e da phýsis como inteligível; o quarto, à junção da ideia com a matemática por um processo de abstração em três níveis: eîdos, ideia, máthesis, enunciado e enunciação. Ou seja, o lógos se desdobra em três dimensões: primeira como ideia, segunda como medida (máthesis) e terceira como enunciado e enunciação.
- Como isto foi possível? Por abstrações sucessivas: 1) Palavra, verbo e ser constituíam e constituem, como poíesis e alétheia, algo indissociável. Por isso, há o eiro que, como tal, é a alétheia da phýsis como desvelamento/velamento, que era o sagrado. 2) Separou-se palavra/verbo e ser/verbo na proposição. 3) Só fica o substantivo como núcleo da proposição e das qualidades sem o verbo ser/poíesis da phýsis, ou seja, como ideia/enunciado, enunciação e tekhné. 4) Com a perda da memória pode ficar só a escrita como escrita. É o que Borges tematiza no conto "O imortal" de Aleph. À perda da memória corresponde a perda do ser e do tempo.
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- Podemos considerar a escrita como uma análise da língua falada. Platão, no diálogo Fedro, já aponta o fato de que a escrita elide a conjuntura, tornando-a por isso mesmo problemática. Ora, essa conjuntura pode ser considerada a unidade/sentido por oposição à identidade abstrata/ideia/significado. No entanto, a linguagem poética, como ambiguidade ontológica ou poética, pode, desfazendo a linguagem conceitual/analítica e instituindo a imagem/poética, retomar a unidade, porque reconquista a medida poética, a identidade concreta como procura de identidade e diferenças, de manifestação e ocultamento, ultrapassando e desfazendo o poder abstratizante e analítico da escrita. É quando se torna escritura. Daí que se vê na escrita não o signo e ideia, mas sentido e vida. Isto deve ser considerado a questão humanística, ou seja, a leitura e interpretação.
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- "... no Egito, houve um velho deus deste país, deus a quem é consagrada a ave que chamam íbis, e a quem chamavam Thoth. Dizem que foi ele quem inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, bem como o jogo das damas e dos dados e, finalmente, fica sabendo, os caracteres gráficos (escrita)" (1).
- Referência:
- (1) PLATÃO. Fedro. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 120, 274c.
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- Eis, oh Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para a memória. - Oh, Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar uma arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão para os outros! Tu, neste momento e como inventor da escrita, esperas dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer! Ela tornará os homens mais esquecidos, pois que, sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras, e só se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio de sinais, e não dos assuntos em si mesmos. Por isso, não inventaste um remédio para a memória, mas, sim, para a rememoração. Quanto à transmissão do ensino, transmites aos teus alunos não a sabedoria em si mesma, mas apenas uma aparência de sabedoria, pois passarão a receber uma grande soma de informações sem a respectiva educação! Hão-de parecer homens de saber, embora não passem de ignorantes em muitas matérias e tornar-se-ão, por consequência, sábios imaginários, em vez de sábios verdadeiros " (1).
- Referência:
- (1) PLATÃO. Fedro. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 121, 274 e.
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- "- Sócrates - O maior inconveniente da escrita parece-se, caro Fedro, se bem julgo, com a pintura. As figuras pintadas têm atitudes de seres vivos mas, se alguém as interrogar, manter-se-ão silenciosas, o mesmo acontecendo com os discursos: falam das coisas como se estas estivessem vivas, mas, se alguém os interroga, no intuito de obter um esclarecimento, limitam-se a repetir sempre a mesma coisa. Mais: uma vez escrito, um discurso chega a toda a parte, tanto aos que o entendem como aos que não podem compreendê-lo e, assim, nunca se chega a saber a quem serve e a quem não serve. Quando é menoscabado, ou justamente censurado, tem sempre necessidade de ajuda do seu autor, pois não é capaz de se defender nem de se proteger a si mesmo" (1).
- Referência:
- (1) PLATÃO. Fedro. 5. e. Trad. Pinharanda Gomes. Texto grego estabelecido por Léon Robin, Paris, Les Belles Lettres, 1966. Lisboa: Guimarães Editores, 1994, p. 122, 275 d.
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- Tanto o som como a letra em relação à phýsis são já manifestação do que em si se oculta. Mas como lógos e poíesis, o som e a letra só o são na tensão linguagem / língua. O que nos pode fazer perceber o caráter originário ou não tanto de som como de letra é pensar o que significa etimologicamente o verbo latino fingere. Os seus cinco significados principais: fingir, dissimular, educar, formar e imaginar devem ser lidos no dar figura a algo pelo qual o vazio se dá como limite e muro, nisso consistindo o radical de fingere. Mas, então, aí temos a tensão radical da phýsis como desvelamento e velamento. A questão central tanto do fonema como da letra se dá na exata extensão e profundidade da acolhida e recolhimento no lógos / poíesis como alétheia de éthos e sophía, ou, então, no seu caráter restrito à tékhne sem poíesis.
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- "A representação não está na letra nem no quadro do pintor, mas na "leitura" gramático-metafísica da letra e do quadro ou pode estar com o que se faz com a letra ou com o quadro. Até porque a letra nada diz em si se não estiver já inscrita no manifestar-se da linguagem da physis. A letra como escrita tem a mesma dimensão do ente em tensão com o ser: a tensão entre limite e não-limite, manifestada em toda possibilidade de experienciação. Tanto a letra como o fonema manifestam o que se lhe oferece como manifestação enquanto poiesis desvelante e velante da physis" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais, 2o. s. de 2004. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras - UFRJ. Serviço de Publicações, outubro de 2004, p. 14.
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- "Apesar do caráter pictórico dos hieróglifos, não se trata de uma escrita de imagens. A maioria dos desenhos em um texto é de valores fonéticos - quase exclusivamente consonantais. Os textos podem, dependendo da posição ou da representação pictórica correspondente, serem escritos da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, ou escritos em linhas horizontais e colunas verticais. A direção da leitura tem de ser especialmente reconhecida pelos caracteres que representam animais ou pessoas: eles sempre olham para o começo" (1).
- Referência:
- (1) Texto distribuído no Neues Museum – Berlim.