Lugar
De Dicionário de Poética e Pensamento
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- | :(1) HEIDEGGER, Martin. ''Ensaios e conferências | + | : (1) [[HEIDEGGER]], Martin.''' "[[Construir]], [[habitar]], [[pensar]]". In: ------. [[Ensaios]] e conferências. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 137.''' |
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+ | : " [[Lugar]] é [[mundo]]. Na [[verdade]], nós nunca temos acesso à [[realidade]], somente à sua [[manifestação]] como [[mundo]], pois ela, [[dando-se]] enquanto [[mundo]], retrai-se no [[vigorar]] do seu [[mistério]]. É por isso que falamos de [[diferentes]] [[realidades]], quando, em [[verdade]], nos referimos a [[diferentes]] [[mundos]]. O [[lugar]] como [[abertura]] já diz o que se dá enquanto [[sentido]] e [[verdade]]" (1). | ||
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+ | : Pensa e faz a [[escolha]] de sair do mosteiro. Mas depois de casar, ter um filho, acossado pelo desejo sexual por outra [[mulher]], pensa, se arrepende e resolve voltar para o mosteiro, abandonando a [[mulher]] e o [[lar]]. De fato, o [[filme]] coloca muitas [[questões]]. Na verdade, estas [[palavras]] constituem e não constituem uma [[resposta]], pois o [[essencial]] nelas é o convite a [[pensar]], fazendo do [[pensamento]] um [[agir]], enquanto uma [[atitude]] e conduta de [[vida]]. Toda [[vida]] é um [[caminho]] de [[procuras]] e [[escolhas]] com suas consequências. A própria [[palavra]] '''[[Samsara]]''' também significa [[caminho]] no [[sentido]] de [[caminhada]] ou [[travessia]] [[humana]]. | ||
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Edição atual tal como 19h33min de 20 de março de 2025
1
- "O lugar acolhe, numa circunstância, a simplicidade de terra e céu, dos divinos e dos mortais, à medida que edifica em espaços a circunstância. É num duplo sentido que o lugar dá espaço à quadratura. O lugar deixa ser a quadratura e o lugar edifica a quadratura. Dar espaço no sentido de deixar ser e dar espaço no sentido de edificar se pertencem mutuamente. Enquanto um duplo dar espaço, o lugar é um abrigo da quadratura e, como ainda diz a mesma palavra, Huis, Haus, uma moradia" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". In: ------. Ensaios e conferências. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 137.
2
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.
3
- "A ciência não apenas apresenta o aspecto cientÃfico, propriamente dito, no sentido da descoberta e descrição da natureza, mas também a posição que o homem ocupa na natureza" (1).
- Referência:
- (1) PRIGOGINE, Ilya. "Estaremos às vésperas de um terceiro humanismo". In: Revista Tempo Brasileiro - Cultura, ciência e técnica, 168, jan.-mar., 2007, p. 5.
4
- "Você não notou que só há um lugar para quem traz o lugar consigo?" (1).
- Referência:
5
- Proximidade e distância não são entes abstratos. Elas só acontecem onde os homens convivem. É, pois, fundamentalmente uma situação do ser e estar um com o outro, ou seja, social. Social vem do latim socius, que significa sócio, ou seja, reunião de duas ou mais pessoas. Só por metáfora se diz que outros entes vivem em sociedade. Só o ser humano é social. O social não é uma opção, mas uma condição existencial essencial porque somos uns-com-os-outros. Mit-Sein, literalmente: Ser-com, diz Heidegger em Ser e tempo. Somos essencialmente diálogo. Se a solidão pode ocorrer, isso significa que a proximidade e a distância são uma conquista. Elas não se dão por si. Isso significa também que a sociedade, o grupo social, não é a justaposição de pessoas. Há necessidade de convivência numa mútua experienciação de eu e tu, sendo cada um o que é. Então aconteceu proximidade e distância. O impessoal é a falta de convivência, onde o tu inexiste naquilo que ele é, não faz parte do lugar do eu. Dessa maneira o impessoal se torna a experienciação do social em sua essência, que jamais poderá ser o social, mas, sim, a sua negação.
6
- "O mundo enquanto rede é uma sintaxe constituÃda de linhas e nós. A comunicação pressupõe os dois e é impossÃvel pensar as linhas sem os nós. O funcionamento da rede se dá em duas dimensões: 1ª. A inter-conexão; 2ª. os inter-conectados. A linha por si e como tal ainda não se constitui como linha, assim como o inter-conectado não é também em si e por si. O “lugar†da linha e dos inter-conectados, dos nós (Entre-ser) só aparece a partir de algo que já vimos: o diá-logo (entre-ser enquanto ser-com). “Lugar†é mundo enquanto diálogo" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 32.
7
- eu fico tão distraÃda
- pensando no lugar aonde quero chegar
- que esqueço que o lugar onde estou
- já é muito especial (1)
- Referência:
- (1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 110.
8
- - seu lugar é aqui (1)
- Referência:
- (1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 177.
9
- " Lugar é mundo. Na verdade, nós nunca temos acesso à realidade, somente à sua manifestação como mundo, pois ela, dando-se enquanto mundo, retrai-se no vigorar do seu mistério. É por isso que falamos de diferentes realidades, quando, em verdade, nos referimos a diferentes mundos. O lugar como abertura já diz o que se dá enquanto sentido e verdade" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questõesâ€. In: ------------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 20.
10
- Caminho é uma palavra portuguesa de uma rica semântica. Mas a questão é tomar a palavra naquilo que ela tem de essencial, naquilo que remete para a essência do ser humano. E é neste horizonte que a questão do caminho se torna uma ideia motriz no filme de Pan Nalin: Samsara. Aliás, é uma noção-chave tanto no budismo quanto no cristianismo. O personagem-monge Tashi está procurando a sua realização e o seu sentido: continua no mosteiro ou sai? O motivo central para ele é, no momento, ficar no mosteiro e não casar ou sair e poder casar. E isso se torna para ele a questão do caminho e opções a fazer. E consulta um monge-asceta em total isolamento e sem se comunicar com ninguém. Quando consultado por Tashi, ele lhe mostra um papel onde estão escritas as palavras:
- "Tudo que você contactar é um lugar para praticar o caminho" (1).
- Pensa e faz a escolha de sair do mosteiro. Mas depois de casar, ter um filho, acossado pelo desejo sexual por outra mulher, pensa, se arrepende e resolve voltar para o mosteiro, abandonando a mulher e o lar. De fato, o filme coloca muitas questões. Na verdade, estas palavras constituem e não constituem uma resposta, pois o essencial nelas é o convite a pensar, fazendo do pensamento um agir, enquanto uma atitude e conduta de vida. Toda vida é um caminho de procuras e escolhas com suas consequências. A própria palavra Samsara também significa caminho no sentido de caminhada ou travessia humana.
- - Referência: