Renúncia

De Dicionrio de Potica e Pensamento

(Diferença entre revisões)
(2)
(1)
(7 edições intermediárias não estão sendo exibidas.)
Linha 5: Linha 5:
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
 
: Referência:
: Referência:
Linha 18: Linha 17:
== 3 ==
== 3 ==
-
: No filme [[Samsara]], de Pan Nalin, o [[personagem]] Tashi diz: "Tem [[coisas]] que devemos [[desaprender]] para poder aprendê-las. E tem [[coisas]] que precisamos [[possuir]] para poder [[renunciar]] a elas". Trata-se, evidente, do que podemos [[compreender]] por ''possuir''. O que recebemos e possuímos unicamente é o [[ser]] que somos e nos foi feita [[doação]]. A posse de todo o resto não passa de um uso [[provisório]]. Mas o que somos são [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]]. Toda [[realização]] de uma [[possibilidade]] implica o [[empenho]] por algo. Sem o alcance deste algo não é possível [[renunciar]] a ele. Como somos [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]],é necessário que não nos prendamos às [[possibilidades]] realizadas, para podermos livremente nos lançar na [[realização]] de novas [[possibilidades]]. Daí a [[necessidade]] da [[renúncia]] para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o [[empenho]] de todos os [[empenhos]]: o que somos e nos foi doado. Por isso, no filme, o mestre de Tashi diz: "O que é melhor: [[satisfazer]] mil [[desejos]] ou [[realizar]] apenas um?". Este "um" só pode ser o "[[bem]]" de todos os "bens", aquele que nos deve guiar em todas as [[procuras]]. Simplesmente porque os bens estarão sempre no âmbito dos "[[entes]]". E a [[realização]] do que somos só nos pode advir do [[Ser]]/[[Bem]]. É este o [[Amor]]. Sem dúvida nenhuma, aí a [[palavra]] [[essencial]] é: satis-fazer. "Satis", [[palavra]] latina que diz [[plenificar]], ou seja, aquilo que nos faz [[plenos]].  
+
: No filme [[Samsara]], de Pan Nalin, o [[personagem]] Tashi diz: "Tem [[coisas]] que devemos [[desaprender]] para poder aprendê-las. E tem [[coisas]] que precisamos [[possuir]] para poder [[renunciar]] a elas". Trata-se, [[evidente]], do que podemos [[compreender]] por ''[[possuir]]''. O que recebemos e possuímos unicamente é o [[ser]] que somos e nos foi feita [[doação]]. A posse de todo o resto não passa de um [[uso]] [[provisório]]. Mas o que somos são [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]]. Toda [[realização]] de uma [[possibilidade]] implica o [[empenho]] por [[algo]]. Sem o alcance deste [[algo]] não é [[possível]] [[renunciar]] a ele. Como somos [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]],é [[necessário]] que não nos prendamos às [[possibilidades]] realizadas, para podermos livremente nos lançar na [[realização]] de novas [[possibilidades]]. Daí a [[necessidade]] da [[renúncia]] para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o [[empenho]] de todos os [[empenhos]]: o que somos e nos foi doado. Por isso, no filme, o [[mestre]] de Tashi diz: "O que é melhor: [[satisfazer]] mil [[desejos]] ou [[realizar]] apenas um?". Este "um" só pode ser o "[[bem]]" de todos os "bens", aquele que nos deve guiar em todas as [[procuras]]. Simplesmente porque os [[bens]] estarão [[sempre]] no âmbito dos "[[entes]]". E a [[realização]] do que somos só nos pode advir do [[Ser]]/[[Bem]]. É este o [[Amor]]. Sem dúvida nenhuma, aí a [[palavra]] [[essencial]] é: satis-fazer. "Satis", [[palavra]] latina que diz [[plenificar]], ou seja, aquilo que nos faz [[plenos]].  
Linha 24: Linha 23:
== 4 ==
== 4 ==
-
: Para a [[ciência]], a [[sabedoria]] pode ser [[loucura]] e a [[aprendizagem]] algo com o qual [[nada]] se faz, isto é, [[inútil]]. Na ordem da [[ciência]], a falta de [[bens]] e [[cultura]] pode ser indigência e na [[dimensão]] do [[humano]] a falta de [[cultura]] e [[bens]] pode ser [[renúncia]] para a [[aprendizagem]]. Porque a [[renúncia]] não tira, dá. Pois o [[silêncio]] não é a falta de [[voz]] da [[poesia]] e o som não é a falta de [[música]], mas a sua [[plenitude]].
+
: Para a [[ciência]], a [[sabedoria]] pode ser [[loucura]] e a [[aprendizagem]] de [[algo]] com o qual [[nada]] se faz, isto é [[inútil]]. Na ordem da [[ciência]], a falta de [[bens]] e [[cultura]] pode ser [[indigência]] e na [[dimensão]] do [[humano]] a falta de [[cultura]] e [[bens]] pode ser [[renúncia]] para a [[aprendizagem]]. Porque a [[renúncia]] não tira, dá. Pois o [[silêncio]] não é a falta de [[voz]] da [[poesia]] e o som não é a falta de [[música]], mas a sua [[plenitude]].
Linha 42: Linha 41:
: Referência:
: Referência:
-
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.
+
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ---. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.
== 7 ==
== 7 ==
Linha 50: Linha 49:
: Referência:
: Referência:
-
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). ''Arte em questão: as questões da arte''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 14.
+
:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte em questão: as questões da arte'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 14.
== 8 ==
== 8 ==
-
: "Toda [[renúncia]] é um renunciar do [[sujeito]] ([[fundamento]]) à [[fala]] para deixar [[vigorar]] a [[escuta]] da [[linguagem]]. A [[renúncia]] não tira. Dá. A [[educação]] para o consumo anula a [[renúncia]]. [[Renúncia]] não é impedir as [[pessoas]] de terem acesso aos [[bens]] de [[consumo]]. [[Renúncia]] é o reconhecimento, no [[diálogo]], do meu [[limite]] e de [[tudo]] o que ele implica. O [[outro]] de mim [[mesmo]] e o [[outro]] do [[outro]] é o [[ser]]. O [[ser]] é o [[próprio]], sendo, [[acontecendo]]" (1).
+
: "Toda [[renúncia]] é um [[renunciar]] do [[sujeito]] ([[fundamento]]) à [[fala]] para deixar [[vigorar]] a [[escuta]] da [[linguagem]]. A [[renúncia]] não tira. Dá. A [[educação]] para o consumo anula a [[renúncia]]. [[Renúncia]] não é impedir as [[pessoas]] de terem acesso aos [[bens]] de [[consumo]]. [[Renúncia]] é o reconhecimento, no [[diálogo]], do meu [[limite]] e de [[tudo]] o que ele implica. O [[outro]] de mim [[mesmo]] e o [[outro]] do [[outro]] é o [[ser]]. O [[ser]] é o [[próprio]], sendo, [[acontecendo]]" (1).
:  Referência:  
:  Referência:  
-
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: ------. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 102.
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: ---. '''Arte: o humano e o destino'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 102.
== 9 ==
== 9 ==
-
: "No [[renunciar]], na [[renúncia]], prevalece um [[dizer]] e sua [[saga]]. Como? [[Renunciar]] diz: negar-se à reivindicação de algo, recusar alguma [[coisa]]" (1).
+
: "No [[renunciar]], na [[renúncia]], prevalece um [[dizer]] e sua [[saga]]. Como? [[Renunciar]] diz: negar-se à reivindicação de [[algo]], recusar alguma [[coisa]]" (1).
: Referência:
: Referência:
-
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 176.
+
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ---. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 176.
== 10 ==
== 10 ==
Linha 74: Linha 73:
: Referência:
: Referência:
-
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. ''A caminho da Linguagem''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.
+
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ---. '''A caminho da Linguagem'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.
== 11 ==
== 11 ==

Edição de 22h15min de 19 de fevereiro de 2024

1

No ensaio "O caminho do campo" (1), Heidegger diz em determinado momento que há necessidade de renúncia. Mas que a renúncia não tira, dá. Este paradoxo essencial ocorre porque o viver e o experienciar se dão na liminaridade do entre. E esta se dá como o sentido do caminho do ser. Porém, o caminho implica sempre o "entre": entre vida e morte, finito e não-finito, verdade e não-verdade, livre e não-livre, ação e não-ação. A renúncia é a disciplina, não do sistema pelo sistema, mas do metá-hodós do ser. Nisso, e só nisso, consiste a ascese da renúncia pela qual se mede a medida – e isto é a renúncia – do ser – e isto o sentido do ser.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "O caminho do campo". In: Revista de Cultura Vozes. Petrópolis: 4, 1977, 71, pp. 326-8.

2

Quem não tiver a coragem da renúncia ao falatório fácil e consumista, quem não aprender a falar tão-somente a partir da experienciação do silêncio, nunca poderá chegar a ser o que propriamente é. A renúncia conduz ao silêncio e produz pelo educar da fala e da escuta o que cada um é. Pro-duzir não diz criar a partir das nossas ações e vontade, mas levar a desabrochar no que cada um já é e recebeu para ser.


- Manuel Antônio de Castro.

3

No filme Samsara, de Pan Nalin, o personagem Tashi diz: "Tem coisas que devemos desaprender para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas". Trata-se, evidente, do que podemos compreender por possuir. O que recebemos e possuímos unicamente é o ser que somos e nos foi feita doação. A posse de todo o resto não passa de um uso provisório. Mas o que somos são possibilidades de e para possibilidades. Toda realização de uma possibilidade implica o empenho por algo. Sem o alcance deste algo não é possível renunciar a ele. Como somos possibilidades de e para possibilidadesnecessário que não nos prendamos às possibilidades realizadas, para podermos livremente nos lançar na realização de novas possibilidades. Daí a necessidade da renúncia para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o empenho de todos os empenhos: o que somos e nos foi doado. Por isso, no filme, o mestre de Tashi diz: "O que é melhor: satisfazer mil desejos ou realizar apenas um?". Este "um" só pode ser o "bem" de todos os "bens", aquele que nos deve guiar em todas as procuras. Simplesmente porque os bens estarão sempre no âmbito dos "entes". E a realização do que somos só nos pode advir do Ser/Bem. É este o Amor. Sem dúvida nenhuma, aí a palavra essencial é: satis-fazer. "Satis", palavra latina que diz plenificar, ou seja, aquilo que nos faz plenos.


- Manuel Antônio de Castro

4

Para a ciência, a sabedoria pode ser loucura e a aprendizagem de algo com o qual nada se faz, isto é inútil. Na ordem da ciência, a falta de bens e cultura pode ser indigência e na dimensão do humano a falta de cultura e bens pode ser renúncia para a aprendizagem. Porque a renúncia não tira, dá. Pois o silêncio não é a falta de voz da poesia e o som não é a falta de música, mas a sua plenitude.


- Manuel Antônio de Castro

5

Essencialmente temos de renunciar a tudo que queremos adquirir. E quanto mais renunciamos mais o adquirimos. É o paradoxo de ser, de amar.


- Manuel Antônio de Castro

6

"A renúncia diz: uma coisaé e existe onde a palavra está garantida. A renúncia fala afirmando. A simples recusa nem apenas não esgota a essência da renúncia como nem sequer contém renúncia. A renúncia tem tanto um lado negativo como um positivo. Falar aqui de lados é, no entanto, um equívoco. É que, assim falando, a negação e a afirmação são apresentados como equivalentes e dessa maneira se encobre o dizer que propriamente predomina na renúncia" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ---. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.

7

"As questões não dependem do pensador. Não é ele que tem ou não tem as questões. As questões é que nos têm. Nós, cada um de nós é uma doação das questões. Elas constituem o que nos é próprio, porém, para serem apropriadas exigem uma dura e assídua experienciação. A sua frequentação cotidiana se torna uma verdadeira ascese de renúncia, onde a renúncia não tira, dá. Dá o quê? O que nos é próprio, o que somos. A doação da renúncia surge como um anunciar novamente (re-núncia) de modo originário, ou seja, nos envia ao destino, ao que nos é próprio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 14.

8

"Toda renúncia é um renunciar do sujeito (fundamento) à fala para deixar vigorar a escuta da linguagem. A renúncia não tira. Dá. A educação para o consumo anula a renúncia. Renúncia não é impedir as pessoas de terem acesso aos bens de consumo. Renúncia é o reconhecimento, no diálogo, do meu limite e de tudo o que ele implica. O outro de mim mesmo e o outro do outro é o ser. O ser é o próprio, sendo, acontecendo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: ---. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 102.

9

"No renunciar, na renúncia, prevalece um dizer e sua saga. Como? Renunciar diz: negar-se à reivindicação de algo, recusar alguma coisa" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ---. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 176.

10

"A renúncia consente o poder mais elevado da palavra, somente onde a palavra deixa coisa ser coisa. A palavra con-diciona a coisa como coisa. Chamaremos esse poder da palavra de con-dicção...Condição significa o fundamento para algo que existe. A condição funda o fundamento. Ela serve ao princípio de razão. Mas a palavra não dá fundamento às coisas. A palavra deixa a coisa vigorar como coisa. Esse deixar é o que significa con-dicção" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ---. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 184.

11

"Tristeza pertence à renúncia, desde que tomemos a renúncia em seu peso mais próprio. Esse é o não recusar-se ao mistério da palavra, mistério que é a condição das coisas" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: ----. A caminho da Linguagem. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis (RJ): Vozes. Bragança Paulista (SP): Editora Universitária São Francisco, 2003, p. 187.

12

"O fator mais virulento e violento dessas três pragas é que elas afetam e procuram impedir o exercício e, muito mais, a experienciação do pensar. Mas o que pensar tem assim de tão importante e perigoso – num sentido inverso ao das pragas -? É que o pensar é o difícil e gratificante caminho da realização onto-poética. É uma graça que vem da renúncia, onde renunciando e só renunciando se tem mais: a posse do que nos foi dado e doado como o que nos é próprio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 17.

13

"A renúncia não diz indigência, nem falta, nem perda de liberdade e de crítica da consciência, nem empobrecimento e exclusão. Só podemos renunciar ao que já temos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 17.