Não-verdade

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: A [[tese]] central de [[Heidegger]] em ''A origem da obra de arte'' (1) é a de que [[arte]] é [[verdade]] e a [[obra]] é a [[verdade]] operando. Mas então o que [[Heidegger]] entende por [[verdade]] é a [[realidade]] eclodindo, desvelando-se na [[disputa]] com o [[velar-se]]. Por isso, à [[verdade]] corresponderá a [[não-verdade]]. Esta não pode ser definida logicamente a partir de um [[modelo]] [[ideal]] ou de uma [[ideia]] geral, mas deve corresponder  ao [[acontecer]] da [[realidade]]. E seu [[acontecer]] é [[sempre]] na tensão de [[não-verdade]] e [[verdade]], inseparáveis. Então [[verdade]] enquanto [[desvelamento]] é a [[realidade]] se dando como [[presença]]. E a [[não-verdade]] enquanto [[velamento]] é a [[realidade]] acontecendo como [[ausência]]. E [[presença]] é sempre [[corpo]] denso e [[inteiro]], tendendo à [[plenitude]], à esfericidade. E isso é o [[ser humano]]: [[corpo]]-[[presença]] [[entre-sendo]], na [[dobra]] de [[verdade]] e [[não-verdade]], [[presença]] e [[ausência]]. É o [[vigorar]] do [[nada criativo]].
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: A [[tese]] central de [[Heidegger]] em ''A origem da obra de arte'' (1) é a de que [[arte]] é [[verdade]] e a [[obra]] é a [[verdade]] operando. Mas então o que [[Heidegger]] entende por [[verdade]] é a [[realidade]] eclodindo, desvelando-se na [[disputa]] com o [[velar-se]]. Por isso, à [[verdade]] corresponderá a [[não-verdade]]. Esta não pode ser definida logicamente a partir de um [[modelo]] [[ideal]] ou de uma [[ideia]] geral, mas deve corresponder  ao [[acontecer]] da [[realidade]]. E seu [[acontecer]] é [[sempre]] na tensão de [[não-verdade]] e [[verdade]], inseparáveis. Então [[verdade]] enquanto [[desvelamento]] é a [[realidade]] se dando como [[presença]]. E a [[não-verdade]] enquanto [[velamento]] é a [[realidade]] acontecendo como [[ausência]]. E [[presença]] é sempre [[corpo]] denso e [[inteiro]], tendendo à [[plenitude]], à esfericidade. E isso é o [[ser humano]]: [[corpo]]-[[presença]] [[entre]]-[[sendo]], na [[dobra]] de [[verdade]] e [[não-verdade]], [[presença]] e [[ausência]]. É o [[vigorar]] do [[nada criativo]].
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: "Não podemos [[julgar]] a [[verdade]] e [[não-verdade]] por um [[critério]] prévio de [[verdade]], seja da [[fé]] ou dos [[paradigmas]] da [[representação]] [[racional]]. Se assim for, estaremos [[vigorando]] e agindo de acordo com [[fatos]] prévios e não estaremos deixando [[vigorar]] o [[agir]], o [[agir]]-[[ser]]. Ele sempre se [[dá]] na [[dobra]] de [[não-verdade]] e [[verdade]], e só no [[agir]] é que podemos [[distinguir]] e [[julgar]] (''[[krinein]]'', [[verbo]] [[grego]], quer [[dizer]] [[criticar]] distinguindo, discernindo) o alcance da [[errância]] como [[verdade]] e [[não-verdade]]. [[Errância]] não é [[erro]] (este tem seu [[critério]] de [[julgamento]] numa [[representação]])" (1).
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: "Não podemos [[julgar]] a [[verdade]] e [[não-verdade]] por um [[critério]] prévio de [[verdade]], seja da [[fé]] ou dos [[paradigmas]] da [[representação]] [[racional]]. Se assim for, estaremos agindo de acordo com [[fatos]] prévios e não estaremos deixando [[vigorar]] o [[agir]], o [[agir]]-[[ser]]. Ele sempre se [[dá]] na [[dobra]] de [[não-verdade]] e [[verdade]], e só no [[agir]] é que podemos [[distinguir]] e [[julgar]] (''[[krinein]]'', [[verbo]] [[grego]], quer [[dizer]] [[criticar]] distinguindo, discernindo) o alcance da [[errância]] como [[verdade]] e [[não-verdade]]. [[Errância]] não é [[erro]] (este tem seu [[critério]] de [[julgamento]] numa [[representação]])" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 276.
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 276.
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: "[[Ser]] [[sábio]] é o [[ser humano]] [[responder]] e [[corresponder]] ao [[apelo]] do que ele [[é]] e [[sempre]] será como [[ser]]-[[in-augural]]. Um tal [[apelo]] se dá pela [[escuta]] da [[fala]] do [[silêncio]] e da [[experienciação]] do [[vigor]] da [[não-verdade]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: ''Confraria'' - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 18.
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: "... todos reconhecem que nossa [[fala]] e [[conhecimento]] jamais podem dar conta do [[mistério]] em que estamos irremediavelmente mergulhados. O [[mistério]] tem [[voz]] e [[rosto]]: é o [[silêncio]], é a [[sabedoria]], é a [[não-verdade]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: ''Confraria'' - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 19.
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: "A [[verdade]] para ter o [[poder]] operante em cada [[sistema]] e não se esgotar em cada um deles só pode ser a [[não-verdade]]. Assim como o [[Deus]] que concede [[realidade]] à [[legitimidade]] e [[veracidade]] de cada [[religião]] e [[funda]] cada [[fé]] e a [[fé]] de cada um só pode [[ser]] o [[Não-deus]]. Este, por [[ser]] “Não-”, é inominável como o [[silêncio]] e a [[sabedoria]]. A Ele só cabe o nome do não-conhecer, do não-nomear, do não-ver: [[mistério]] vivo e pulsante, [[nada]] e [[fonte]] de [[tudo]].
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: Um tal [[mistério]] [[sempre]] adveio na [[não-verdade]] de todas as grandes [[obras]] [[poético]]-[[sagradas]]. Impulsionados pelo [[apelo]] inominável da [[não-verdade]], todos os grandes [[poetas]] [[sempre]] responderam e corresponderam com suas [[obras]] – desajeitada e incompleta [[resposta]] – à manifestação [[concreta]] da ''[[poiesis]]'' como [[não-verdade]]. E nisso e por isso todas as grandes [[obras]], sejam dos [[poetas]], sejam dos que receberam o [[apelo]] de anúncio do [[mistério]], proclamam a [[verdade]] da [[não-verdade]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: ''Confraria'' - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 20.
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: "[[Ação]] e [[não-ação]]. O [[mito do homem]] acha seu [[sentido]] no [[mito]] do [[real]] na medida em que o [[mito do homem]] se liberta no e pelo [[mito]] do [[real]] para o [[sagrado]] do [[mito]], ou seja, como a [[plenitude]] (''hólos'', em [[grego]]) da [[procura]] do [[agir]] como [[não-agir]], [[não-ver]], [[não-saber]] e [[não-verdade]]. É o que nos diz a [[imagem-questão]] de “furar” os [[olhos]] que [[Édipo]] faz ao final da [[tragédia]]. É um furo que leva a [[ver]] mais fundo: o [[essencial]], o [[silêncio]] e o [[vazio]]. É um furo que, vazando, deixa [[saber]] e [[ver]] o [[não-ver]] e o [[não-saber]]. Isso é narrado dramática e poeticamente por [[Sófocles]] na [[tragédia]] ''[[Édipo em Colono]]''" (1).
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: Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). ''Arte em questão: as questões da arte''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 25.

Edição atual tal como 20h33min de 16 de Novembro de 2020

Tabela de conteúdo

1

A tese central de Heidegger em A origem da obra de arte (1) é a de que arte é verdade e a obra é a verdade operando. Mas então o que Heidegger entende por verdade é a realidade eclodindo, desvelando-se na disputa com o velar-se. Por isso, à verdade corresponderá a não-verdade. Esta não pode ser definida logicamente a partir de um modelo ideal ou de uma ideia geral, mas deve corresponder ao acontecer da realidade. E seu acontecer é sempre na tensão de não-verdade e verdade, inseparáveis. Então verdade enquanto desvelamento é a realidade se dando como presença. E a não-verdade enquanto velamento é a realidade acontecendo como ausência. E presença é sempre corpo denso e inteiro, tendendo à plenitude, à esfericidade. E isso é o ser humano: corpo-presença entre-sendo, na dobra de verdade e não-verdade, presença e ausência. É o vigorar do nada criativo.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) Cf. HEIDEGGER, Martin. A Origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70 / Almedina-Brasil, 2010.

2

"Uma percepção me veio, ó Govinda, que talvez se te afigure novamente como uma brincadeira ou uma bobagem. Reza ela: O oposto de cada verdade é igualmente verdade" (1). O oposto da verdade é a não-verdade e não o erro. Toda verdade já vigora originariamente na não-verdade.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 117.
Ver também
*Alétheia

3

"Não podemos julgar a verdade e não-verdade por um critério prévio de verdade, seja da ou dos paradigmas da representação racional. Se assim for, estaremos agindo de acordo com fatos prévios e não estaremos deixando vigorar o agir, o agir-ser. Ele sempre se na dobra de não-verdade e verdade, e só no agir é que podemos distinguir e julgar (krinein, verbo grego, quer dizer criticar distinguindo, discernindo) o alcance da errância como verdade e não-verdade. Errância não é erro (este tem seu critério de julgamento numa representação)" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 276.

4

"Ser sábio é o ser humano responder e corresponder ao apelo do que ele é e sempre será como ser-in-augural. Um tal apelo se dá pela escuta da fala do silêncio e da experienciação do vigor da não-verdade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 18.

5

"... todos reconhecem que nossa fala e conhecimento jamais podem dar conta do mistério em que estamos irremediavelmente mergulhados. O mistério tem voz e rosto: é o silêncio, é a sabedoria, é a não-verdade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 19.

6

"A verdade para ter o poder operante em cada sistema e não se esgotar em cada um deles só pode ser a não-verdade. Assim como o Deus que concede realidade à legitimidade e veracidade de cada religião e funda cada e a de cada um só pode ser o Não-deus. Este, por ser “Não-”, é inominável como o silêncio e a sabedoria. A Ele só cabe o nome do não-conhecer, do não-nomear, do não-ver: mistério vivo e pulsante, nada e fonte de tudo.
Um tal mistério sempre adveio na não-verdade de todas as grandes obras poético-sagradas. Impulsionados pelo apelo inominável da não-verdade, todos os grandes poetas sempre responderam e corresponderam com suas obras – desajeitada e incompleta resposta – à manifestação concreta da poiesis como não-verdade. E nisso e por isso todas as grandes obras, sejam dos poetas, sejam dos que receberam o apelo de anúncio do mistério, proclamam a verdade da não-verdade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio. "As três pragas do século XXI". In: Confraria - 2 anos. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007, p. 20.

7

"Ação e não-ação. O mito do homem acha seu sentido no mito do real na medida em que o mito do homem se liberta no e pelo mito do real para o sagrado do mito, ou seja, como a plenitude (hólos, em grego) da procura do agir como não-agir, não-ver, não-saber e não-verdade. É o que nos diz a imagem-questão de “furar” os olhos que Édipo faz ao final da tragédia. É um furo que leva a ver mais fundo: o essencial, o silêncio e o vazio. É um furo que, vazando, deixa saber e ver o não-ver e o não-saber. Isso é narrado dramática e poeticamente por Sófocles na tragédia Édipo em Colono" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 25.