Alétheia
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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+ | : Ao se [[ler]] na entrada 1 (anterior) a formação [[etimologia|etimológica]] da [[palavra]] ''[[a-letheia]]'', não se propõe aí um mero exercício filológico. O que se pede para o [[leitor]] é uma abertura para a [[questão]] da ''[[a-létheia]]'', da [[verdade]]. Tal abertura para a [[questão]] da [[verdade]] só acontece quando houver uma [[experienciação]] de [[pensamento]] ligada à [[referência]] entre cada [[leitor]] e o [[ser]]. A alteração do [[sentido]] das [[palavras]] remetendo simplesmente para sua [[origem]] é inútil e não desfaz os [[conceitos]] herdados da [[sofística]] [[metafísica]] e [[retórica]]. Não adianta simplesmente trocar o uso da [[palavra]] "[[verdade]]" por "[[desvelamento]]" ou "[[abertura]]" se não houver essa [[experienciação]] de [[pensamento]], pois diz [[Heidegger]] a propósito de [[autores]] que leram sobre a [[etimologia]] de [[verdade]]: "[...] na frase seguinte onde se escreve sobre a '[[verdade]]', fica [[evidente]] que se mantém a [[representação]] da [[essência]] da [[verdade]] ditada por algum manual moderno de [[epistemologia]], deixando inalterada e intocada a [[essência]] da ''[[aletheia]]''" (1). | ||
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+ | : "O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o [[tempo]]/''[[poiesis]]''/[[linguagem]]. Estes aqui mostram duas coisas: um [[desvelamento]] e [[velamento]]. A estes chamou o [[mito]] ''[[Alétheia]]'', ou seja, [[verdade]]. Mas este [[desvelamento]] e [[velamento]] constitui [[evidentemente]] a [[vida]] e a [[morte]]. [[Verdade]], [[vida]], [[morte]], [[luz]], [[trevas]] não será este o itinerário e [[travessia poética]] de [[Édipo]], do [[homem]]? Não será este o nosso itinerário, a nossa [[travessia]]? Mas até onde ela será [[poética]]? Ou seja, até onde fazemos do [[viver]] uma [[experienciação]] de [[ser]]?" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' [[Heidegger]] e as [[questões]] da [[arte]]. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). [[Arte]] em [[questão]]: as [[questões]] da [[arte]]. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.''' | ||
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+ | : "Mas, no que se dá a [[ver]], a [[realidade]] ao mesmo tempo se vela e retrai, tornando-a inesgotável e [[misteriosa]]. Ora, esta [[dinâmica]] de mostrar-se e ocultar-se é o que os [[gregos]] denominaram ''[[alétheia]]'', ou seja, [[verdade]] (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "A [[globalização]] e os desafios do [[humano]]". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - [[Globalização]], [[pensamento]] e [[arte]]. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p.''' |
Edição atual tal como 19h13min de 15 de janeiro de 2025
1
- Há uma ligação entre o radical etimológico de alétheia e os verbos lanthánomai, esquecer-se, e lanthánein, estar oculto, velado. O radical é o mesmo na alternância vocálica: leth/lath. Esse mesmo radical aparece no verbo latino latere: estar latente, oculto, seguro. O radical de a-létheia reúne os dois sentidos, porque nele ressoa uma experiência originária da realidade enquanto não-verdade/não-desvelamento da verdade/desvelamento, isto é, a-létheia. Esta palavra forma-se de alethés, isto é, a- privativo + leth/lath. Então temos com o alpha privativum: a-, respectivamente o sentido de lembrar-se e esquecer-se.
2
- Ao se ler na entrada 1 (anterior) a formação etimológica da palavra a-letheia, não se propõe aí um mero exercício filológico. O que se pede para o leitor é uma abertura para a questão da a-létheia, da verdade. Tal abertura para a questão da verdade só acontece quando houver uma experienciação de pensamento ligada à referência entre cada leitor e o ser. A alteração do sentido das palavras remetendo simplesmente para sua origem é inútil e não desfaz os conceitos herdados da sofística metafísica e retórica. Não adianta simplesmente trocar o uso da palavra "verdade" por "desvelamento" ou "abertura" se não houver essa experienciação de pensamento, pois diz Heidegger a propósito de autores que leram sobre a etimologia de verdade: "[...] na frase seguinte onde se escreve sobre a 'verdade', fica evidente que se mantém a representação da essência da verdade ditada por algum manual moderno de epistemologia, deixando inalterada e intocada a essência da aletheia" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p.115.
- Ver também:
3
- "Des-encobrimento é o traço fundamental daquilo que já apareceu e que deixou para trás o encobrimento. Esse é o sentido do alfa [grego]: a, que compõe a palavra grega a-létheia e que somente recebeu a designação de alfa privativo na gramática elaborada pelo pensamento grego tardio. A relação com lethe (lethe), encobrimento, e o próprio encobrimento não perdem de forma alguma o peso pelo fato de se experienciar diretamente o descoberto como o que apareceu, como o que entrou em vigência, como vigente" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "Aletheia". In: ---. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 229.
4
- Uma vez que a alétheia é a experienciação da realidade como linguagem, a verdade recebe diferentes interpretações, atrás das quais se faz ouvir a fala do silêncio de toda alétheia, porque esta não é nem pode ser algo que cale as experienciações da realidade e da linguagem, na medida em que elas sempre acontecem como alétheia. Realidade, linguagem e alétheia dizem sempre o mesmo diferente de si mesmo.
5
- Não há clareira sem floresta, porém a floresta aparece como floresta na medida em que se retira e se deixa ver, perceber, manifestar, isto é, vir à luz, iluminar-se, na clareira. Eis a verdade como alétheia: revelação, desvelamento, manifestação do ser. Nisso consiste e acontece a sua verdade. Toda revelação é uma epifania, pois esta palavra diz o aparecer, o manifestar-se do divino, do ser. Daí o caráter sagrado da verdade em grego, ou seja, alétheia.
6
- Para compreender e apreender o que é o olhar, o melhor caminho é pensar a diferença ontológica entre olhar e ver. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer pensar essa diferença: quando Édipo, o famoso personagem do mito de Édipo, pensado por Sófocles em sua famosa obra, a tragédia Rei Édipo. Édipo tinha olhos e não penetrara e nem vira os caminhos de seu destino. É que o olho é funcional, faz parte do nosso organismo que diz respeito ao olhar, não necessariamente ao ver, pois foi quando arrancou os olhos que passou a ver na luz da verdade os caminhos e descaminhos do seu destino. O olho diz respeito aos sentidos, a visão diz respeito ao sentido. Não basta olhar, é necessário ver. E é nesta distinção fundamental que os gregos pensaram a essência da alétheia, desvelamento ou verdade. Por isso, este diz respeito à manifestação do sentido do destino. E é nesse horizonte que se diferencia radicalmente a verdade da obra de arte e a verdade funcional da lógica, que fundamenta a ciência fundada na razão.
7
- "O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o tempo/poiesis/linguagem. Estes aqui mostram duas coisas: um desvelamento e velamento. A estes chamou o mito Alétheia, ou seja, verdade. Mas este desvelamento e velamento constitui evidentemente a vida e a morte. Verdade, vida, morte, luz, trevas não será este o itinerário e travessia poética de Édipo, do homem? Não será este o nosso itinerário, a nossa travessia? Mas até onde ela será poética? Ou seja, até onde fazemos do viver uma experienciação de ser?" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. Heidegger e as questões da arte. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.
8
- "Mas, no que se dá a ver, a realidade ao mesmo tempo se vela e retrai, tornando-a inesgotável e misteriosa. Ora, esta dinâmica de mostrar-se e ocultar-se é o que os gregos denominaram alétheia, ou seja, verdade (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p.