Tempo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 13h02min de 22 de Abril de 2017 por Profmanuel (Discussão | contribs)

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O tempo é uma questão. E como questão não podemos viver fora do tempo nem sem tempo. Em si, ele, não como conceito, mas como questão, é o tempo poético, o tempo do existir, fazendo-se, o tempo em sua densidade máxima, porque é o tempo destinado a cada ser vivente. Tempo é Vida sendo, destinando-se em cada vivente. É o tempo do ser, em que SE dá o ser e, por isso, é inclassificável, só experienciável como tempo poético sendo e presentificando-se. Por isso, o tempo é a quarta dimensão do espaço, como afirmam os físicos. Porém, tal tempo não é o tempo tripartido, porque o tempo tem também uma quarta dimensão: é a linguagem (1). Esta é o tempo poético. E pensá-lo é a Poética. Se o tempo é a quarta dimensão do espaço e a linguagem a quarta dimensão do tempo, a linguagem é o fundar de tempo e espaço. Esse fundar é o fundamentar o lugar. Lugar ou 'campo' é mundo. A linguagem é mundo, porque o mundo é a quarta dimensão do tempo.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) Cf. HEIDEGGER, Martin. "Tempo e ser". In: ______. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, pp. 255-72.

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"O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é, contudo, nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um ponto exótico que não pode ser repartido, podendo, entretanto, prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo" (1). Todo capítulo 9 de Lavoura arcaica (1) trata do tempo, de uma maneira ampla e profunda. Pensado a partir do viver / existir é o próprio viver em suas múltiplas faces tanto do cotidiano quanto do transcendente. É um pensar poético no tempo, com o tempo e para o tempo. Para o leitor torna-se uma fonte necessária de consulta. No cap. 17 retoma a temática do tempo. O romance centrado nas questões humano-familiares, tendo a casa como imagem-questão central, retoma uma temática explicitamente ligada à mais antiga tradição ocidental: o genos, linha central de três tragédias de Sófocles em torno da personagem-questão Édipo, ou seja, do ser humano, de todo ser humano em todos os tempos.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 53.

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"Vigente é o que dura - o que vige a partir e no âmbito do desencobrimento. Por isso, pertence ao vigorar à presença, não somente desencobrimento, mas também presente. Este presente imperante no vigorar é um caráter do tempo. Seu modo próprio de ser, pré, jamais se deixa apreender através do conceito tradicional de tempo" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "O que quer dizer pensar?". In: ----------. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 123.


Ver também:

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Disse Santo Agostinho: "O que é o tempo? Se ninguém mo perguntar eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei" (1). Isto porque vivemos no e somos tempo, de tal maneira que ele sempre se nos dá ao mesmo tempo que se nos retrai, oculta. Desta tensão, surgem as diferentes experiências do tempo: "Cada época se identifica com uma cisão do tempo, e na nossa a presença constante das utopias revolucionárias denuncia o lugar privilegiado que tem o futuro para nós. O passado não é melhor que o presente: a perfeição não está atrás de nós, e sim na frente, não é um paraíso abandonado, mas um território que devemos colonizar, uma cidade que precisa ser construída.
"O cristianismo opôs à visão do tempo cíclico da antiguidade greco-romana um tempo linear, sucessivo e irreversível, com um começo, um fim, da queda de Adão e Eva ao Juízo Final. Diante desse tempo histórico e mortal houve outro tempo sobrenatural, invulnerável diante da morte e da sucessão: a Eternidade. Por isso, o único episódio decisivo da história terrestre foi o da Redenção: o descenso de Cristo e o seu sacrifício representam a interseção entre a Eternidade e a temporalidade, o tempo recessivo e moral dos homens e o tempo do mais além, que não muda nem sucede, idêntico a si próprio sempre. A Idade Moderna começa com a crítica à Eternidade cristã e com a aparição de outro tempo. De um lado, o tempo finito do cristianismo, com um começo e um fim, se converte num tempo quase infinito da evolução natural e da história, aberto em direção do futuro. De outro lado, a modernidade desvaloriza a Eternidade: a perfeição se translada para o futuro, não no outro mundo, mas neste. Basta lembrar a imagem célebre de Hegel: a rosa da razão está crucificada no presente" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) AGOSTINHO, Confissões, XI, 17.
(2) PAZ, Octávio. "Ruptura e convergência". In: A outra voz. São Paulo: Siciliano, 2001, pp. 36.


Ver também:

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"[...] o tempo mais justo não é aquele que queremos que aconteça, mas o que acontece sem a permissão de nossa vontade e nos encaminha serena e ferozmente ao horizonte de nossa própria habitação" (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. "O rio como insólito na terceira margem do homem". In: GARCÍA, Flavio; PINTO, Marcello de Oliveira; MICHELLI, Regina (orgs.). O insólito em questão – Anais do V Painel Reflexões sobre o Insólito na narrativa ficcional/ I Encontro Nacional Insólito como Questão na Narrativa Ficcional. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2010, p. 33.


Ver também:


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Nenhum conceito dá conta da questão tempo. Não foi sem sentido que os gregos mostraram o tempo como devorador dos seus filhos, ou seja, o tempo é a morte vigorando. Mas se há uma questão que perpassa toda a cultura e pensamento grego é tempo. Por isso, havia quatro palavras para dizer toda essa complexidade, cada uma com dimensões realmente essenciais: além de kronos, a que já fizemos referência, onde se acentua o pôr e depor, temos ainda: aion, kairos e horae. Aion é o tempo eterno, que nunca começou e nunca termina, é a própria vida em seu acontecer inesgotável. Kairos é o tempo oportuno, o tempo de plenitude (telos) a que algo chegou e vai eclodir, é todo nascimento no seu tempo de vir à luz. Já horae diz o tempo circular de eclosão e extinção. Propriamente, em português, diríamos "estações". As quatro dimensões do tempo é que caracterizam o que podemos denominar existência humana, não aquela que se opõe a essência, pois o tempo será sempre essência. Heidegger para a distinguir do significado corrente que se opõe a essência, denominou-a com o nome latino: ek-sistentia / ek-sistencia. E mais profundamente podemos dizer simplesmente que tempo é ser.


- Manuel Antônio de Castro

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O vivente só vive e sabe que vive e pensa a vida porque sua vida como vivente já vigora na vida como tempo e este como unidade ou sentido. A sucessividade de nossa vida nunca nos aparece nem como um amontoado desconexo de momentos nem como uma sequência linear e causal de vivências. Vivemos de surpresas inesperadas. Isso é o sentido não a explicação racional e muito menos o significado. O inesperado é a fonte produtora de tudo que se espera e não se espera. Portanto, a vida do vivente só é possível porque tempo é vida, que é unidade, que é o mesmo, que é morte.


- Manuel Antônio de Castro

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"Meu Deus como o tempo passa
Dizemos de quando em quando
Afinal o tempo fica
A gente é que vai passando" (1).


(1) No filme de Carlos Saura Fados. "Fado menor".

9

"Nâo existem, propriamente falando, três tempos: o passado, o presente e o futuro, mas somente três presentes: o presente do passado, o presente do presente, o presente do futuro" (1). Se bem observamos e pensarmos, vamos ter presente a questão da memória. O que se dá é o esquecimento da memória nas mais diversas aproximações do que seja o tempo.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) AGOSTINHO. Confissões, XI, 20.


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No filme de Wim Wenders Tão perto, tão longe, há uma grande tematização do tempo. Chama a atenção o contraste entre o que a cultura americana diz sobre o tempo, bem no seu cerne capitalista: "Tempo é dinheiro". O diretor alemão, para constrastar com essa redução medíocre, afixa na parede de um Museu a seguinte frase: "Zeit ist Kunst", ou seja, "tempo é arte". E criou também um personagem-questão para ser pensado o tempo, cujo nome é "Ligeirinho". Num momento crucial do filme diz ele: "O tempo é curto. Para a fuinha o tempo é traiçoeiro. Para o heroi o tempo é heroico. Para a prostituta o tempo é apenas outra peça. Se você for gentil, o tempo é gentil. Se você estiver com pressa, o tempo voa. O tempo é o servo se você for seu mestre. O tempo é seu deus, se você for seu cão. Nós somos os criadores do tempo, as vítimas do tempo e os assassinos do tempo. O tempo é valioso. Você é o relógio" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
WENDERS, Wim. Tão perto, tão longe. Sony Pictures Classics, 1993. Prêmio do Grande Júri, em Cannes.

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"Enganados pelo poder atribuir medidas, medimos também o tempo e até o dividimos em passado, presente e futuro. Quando assim medimos o tempo, na verdade, não estamos medindo a ele, e sim a nós mesmos. Nós (e só nós!) é que passamos, mudamos. O tempo não passa nem permanece, não é mutável nem imutável. O tempo é o que jamais deixa de estar e ser vigorando. O tempo é o próprio vigorar. Assim sendo, viver é deixar-se tomar pelo vigorar do tempo.


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 230.

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"O espaço de tempo vulgarmente entendido no sentido de distância entre dois pontos do tempo é resultado do cálculo do tempo. É através dele que o tempo, representado como linha ou parâmetro - tempo que assim é unidimensional -, é medido por números. O elemento dimensional do tempo, assim pensado como a sucessão de sequência de agoras é tomado de empréstimo da representação do espaço tridimensional" (1)


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Tempo e ser. In: -----------. Heidegger. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 265.

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Somos, com todos os outros seres, irmãos no tempo. E não falamos do tempo de fora do tempo, mas a partir sempre do tempo, daí a musicalidade de cada língua e das canções fazerem sentido e falarem a todos os seres humanos de todas as culturas em suas diferenças. O tempo é musicalidade do silêncio manifestando tudo que é e não-é. O tempo como musicalidade da vida é sentido, é linguagem, é mundo. O tempo se dá no seu acontecer como um ciclo de dias e noites. O dia é o tempo se manifestando como pensar, saber e verdade; já a noite é o tempo se ocultando como não-saber e não-verdade. Quem os preside é o ser, o sol, luz originária e energia irradiante que dá unidade à luminosidade do dia e à escuridão da noite.


- Manuel Antônio de Castro
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