Ente

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 22h03min de 3 de Agosto de 2020 por Profmanuel (Discussão | contribs)

Tabela de conteúdo

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A palavra ente, em português, provém do particípio presente latino do verbo esse: ens, entis. É, portanto, uma forma verbal em sua origem. E ela traduz o particípio presente do verbo einai (ser), em grego: on. Ente (on), particípio presente do verbo ser (em grego eínai), é entendido tanto como substantivo quanto como verbo. Ente significa o que se apresenta, o que se realiza. E o que se apresenta remete para duas dimensões: a) verbo; b) substantivo. Como substantivo é o positum (posto). Na consideração do positum não se leva em conta o verbo, a apresentação, ou seja, uma dinâmica relacional/referencial que pres-supõe a dis-posição e que remete para a quaternidade (em alemão Geviert). O ob-jeto (o posto diante de) é: 1o. relacional (ao sujeito); 2o. apresentativo. A concepção do ob-jeto como algo fixo do conhecimento não leva em conta a inter-subjetividade nem o caráter verbal e muito menos a Physis / Logos. Mas sem physis e logos não há ente nem sua percepção como logos. Daí a tradução do on como coisa ou ente não poder ser reduzida a um conceito nem subjetivo nem objetivo. Ele, como tal, sempre se retrai ao assédio dos conceitos. A outra tradução do on como res/coisa, de onde se originou a palavra realidade, deve nos levar e ver nesta algo dinâmico, verbal e não somente como algo já posto e disposto.


- Manuel Antônio de Castro.

2

Entificar é esquecer o sentido do ser. Esquecer o sentido do ser é reduzir o ser ao ente e a língua a código. Daí surge também a substituição do sentido pelo significado, este é o sentido sem a linguagem e seu vigorar, ou seja, a mera representação do que é, uma vez que foi reduzido a ente.


- Manuel Antônio de Castro

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O ser humano pela instrumentalização da razão tende a entificar tudo, sobretudo o fundamento a que se reduziu a realidade. Toda conceituação é representação e entificação. A realidade é sem fundamento. Ela funda os fundamentos, os suportes, mas sem se fundamentar. Realidade é o vigorar e acontecer do fundar.


- Manuel Antônio de Castro.

4

Surpreendemo-nos então numa con-juntura de questão: nós, seres humanos, isto é, cada sendo, só é e pode ser no, com e a partir do ser. Porém, o ser não é, pois se fosse seria ente e não ser. Ente diz todo sendo em com-posição. Composição diz todo estar sendo. Todo estar é o ser se dando em posição, ou seja, vigorando no ente. O ser se dá em posição na medida do seu vigorar como linguagem, isto é, enquanto lógos.


- Manuel Antônio de Castro.

5

"O ser não pode ser. Se fosse, já não seria ser, mas um ente. Contudo, o primeiro pensador que pensou o ser, Parmênides, não diz: Esti gar einai" (frag. 6)? Há, de fato, ser e está presente o ser presente. Temos que pensar que se, efetivamente, no einai, o ser presente, está falando a aletheia, o desvelar-se, acentuado no esti e dito do einai, é : o deixar que venha à presença. Ser: na realidade o que permite a presença"(1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. In: A tese de Kant sobre o ser. Trad. Helena Cortés e Arturo Leyte. Madri: Alianza Editorial, 2007, p. 387. (Tradução do espanhol: Manuel Antônio de Castro).

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Distinguir ser e ente não é fácil, tratando-se do pensamento grego. É sobretudo uma questão de pensamento e tradução. Vejamos. Em Carta sobre o humanismo, à p. 24 diz Heidegger: "Por isso, em sentido próprio, só pode ser consumado o que já é. Ora, o que é, antes de tudo, é o Ser ". Porém, na mesma obra à p. 56 esclarece: "O gibt (dá) evoca a Essência do Ser, que se doa, concedendo a sua Verdade. O dar-se a si mesmo com a abertura à abertura é o próprio Ser. Ao mesmo tempo, emprega-se o es gibt (se dá), para evitar, por enquanto, a locução: o Ser é; pois o é se diz comumente daquilo que é. E a isso chamamos ente" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Sobre o humanismo. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 56.


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"Só no plano do ente e porque somos entes é que somos, necessariamente, mortais. E ser mortal diz exatamente isso: experienciarmos como entes ser o ser do não-ente, pois todo sendo é e não é, daí estar sendo sem jamais chegar a ser como sendo o ser do sendo. O ser do não-ente não é mortal porque não é. Se fosse, seria ente e não o ser de todo não-ente. O ser não é.


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “O mito de Midas da morte ou do ser feliz”. In: ------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 210.

8

"De todas as coisas eu posso perguntar: o que “é”? O que “é” isto? O que “é” aquilo? Também posso perguntar por tudo de uma só vez: o que “é” isto tudo? O que “é” a totalidade e a unidade de tudo aquilo sobre o que posso perguntar? Nada de tudo o que é pode fugir à possibilidade de ser perguntado se “é” e o que “é”. E enquanto ela é perguntável justamente por seu “é”, ela é de todo perguntável, pois todo o que ela é entra neste seu “é”. E também posso perguntar para além de todos os limites por tudo simplesmente, e sempre de novo esta pergunta será sobre o “é” de tudo o que ultrapassa os limites imagináveis. Significa que tudo aquilo a que posso dirigir minha pergunta - e isto significa tudo o que “é” de uma ou de outra forma - tem sua unidade fundamental no fato de que “é”; de cada coisa da realidade em particular e da realidade como totalidade, devo dizer que é perguntável por seu “é”. Ora, o que “é”, nós chamamos de ente" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"Ora, todos os entes não concordam nisto de que são isto ou aquilo segundo uma grande variedade, mas nisto que todos “são”, ou seja de que de cada um posso dizer que “é”. Por isto perguntar pelo ente enquanto ente significa perguntar por aquilo pelo qual o ente “é”, pelo qual um ente é um ente. Ora, ente é ente pelo fato de que ele “é”. Assim podemos finalmente dizer, ente é ente por virtude do ser" (1). Aqui se coloca a questão da identidade e da diferença. Para não cair no abstrato do conceito é necessário manter sempre o vigorar e a questão da proximidade e da distância.


- Manuel Antônio de Castro.
Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação da realidade do ente" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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Se o ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio de limitação da realidade do ente. O que isto implica? Devemos distinguir no ente o que é e o como é. O princípio do que o ente é é o ser, ao passo que o princípio do como o ente é é a essência. Aí é importante destacar duas dimensões: 1ª. ao realizar a sua essência o ente se desdobra em duas dimensões: o ser e a aparência; 2ª. além disso, ainda devemos considerar no como ele se desdobra, ou seja, na sua realização, o como se conhece.


- Manuel Antônio de Castro.

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Cada ente, enquanto ser humano, na sua diferença ontológica, ocupa uma posição na realidade e ele recebeu possibilidades absolutamente positivas que fazem com que ele seja o que ele é e não outro, ou seja, um próprio. São possibilidades tão dinâmicas que jamais chegamos a conquistá-las em toda a sua riqueza. Daí o desafio de nos conhecermos no que somos. Por isso, a racionalidade moderna não pode jamais reduzir o ser que cada um é ao determinado por um modelo, mesmo de diferentes teorias, sociais ou psicológicas. Pelo contrário, há a matriz/’’’matrix’’’ (ser) que nos torna inesgotáveis. E é dessa riqueza inesgotável que nos falam as obras de arte. E é por isso que para cada um o viver se torna uma tarefa poética. As obras de arte são como velas onde se concentra uma enorme energia que precisa ser acesa/lida para que a leitura as transforme em chamas que nos iluminam, mas iluminam no sentido de chegarmos a nos conhecermos e libertarmos.


- Manuel Antônio de Castro.

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"O ser é o fundamento interno da realidade do ente, do conteúdo entitativo do ente. Mas ser como fundamento do ente não coincide totalmente com este ente, como se fosse apenas fundamento deste ente aqui. O ser como ser é o fundamento de todos os entes. Por isto mesmo é que com o ser não está posta nenhuma limitação no ente, mas ele precisa de outro princípio que seja o princípio de limitação, a saber, o que chamamos de essência. O ser é o princípio da realidade do ente, a essência é o princípio da limitação e determinação do ente. Ser não é essência e essência não é ser sem mais; um não se identifica com a outra. Há uma diferença entre ser e essência, que está posta no ente finito e que pertence essencialmente ao ente finito" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"... até os tempos modernos o homem não ocupava, na filosofia, um lugar que o destacasse radicalmente dos demais entes mundanos. O mesmo esquema metafísico fundamental servia para a explicação de todos os entes da realidade. Todos eram considerados igualmente como entes e como tais obedeciam às mesmas leis da “essência”. Cada qual tinha a sua essência, que indicava o que ele era e como se diferenciava dos demais. Esta essência era definitiva e rígida desde o início, de tal forma que o ente podia agir somente segundo esta essência dentro dos limites de sua essência. Assim cada ente tinha a sua lei interna: o ser necessariamente era fiel à sua essência. O homem não escapava a isto" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"A natureza indicava de um lado todo o conjunto deste mundo múltiplo, mas também indicava o modo de ser de cada ente deste mundo: a natureza dos astros, a natureza da matéria, a natureza do cavalo, a natureza do homem e assim por diante. Mais uma vez se verifica que o homem era interpretado segundo o mesmo esquema metafísico de todos os demais entes mundanos: todos têm a sua natureza determinada, bem definida, dentro de cujos limites se movem" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.

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"Ente finito significa que não é o ser pleno e ilimitado, mas que é tal e não tal outro. Ente finito é um ente limitado em seu ser pela essência, pela qual ele é o que ele é. Por isto, o espírito finito só pode atingir o ser do ente através de “o que é” do ente finito, ou seja, o que os escolásticos chamavam a “quidditas” de um ente finito, termo este proveniente do “quid est?”, isto é, “o que é?” este ente finito ou aquele ente finito" (1).


Referência:
(1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois tornou-se Bispo e hoje é Cardeal.