Vivência
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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- | :(1) HEIDEGGER, Martin. ''A caminho da linguagem | + | : (1) [[HEIDEGGER]], Martin. '''A [[caminho]] da [[linguagem]]. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 102.''' |
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+ | : '''(2) idem, p. 109.''' | ||
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- | :Heidegger trata da questão da vivência e da sua relação com a [[Estética]]. Mas a vivência já é uma [[interpretação]] do que é o [[real]], a [[coisa]], o [[ente]]. Ele diz: "O ser aconteceu então como ''eídos''. A ideia insere-se na ''morphé''. O ''sýnolon'', o todo unido da ''morphé'' ''hylé'', a saber, o ''érgon'', é no modo de ''enérgeia''. Este modo de presença torna-se a ''actualitas'' do ''ens actu''. A ''actualitas'' torna-se realidade. A [[realidade]] converte-se em objetividade, e objetividade torna-se vivência (''Erlebnis'')" (1). | + | : [[Heidegger]] trata da [[questão]] da [[vivência]] e da sua [[relação]] com a [[Estética]]. Mas a [[vivência]] já é uma [[interpretação]] do que é o [[real]], a [[coisa]], o [[ente]]. Ele diz: "O [[ser]] aconteceu então como ''eídos''. A [[ideia]] insere-se na ''[[morphé]]''. O ''sýnolon'', o todo unido da ''[[morphé]]'' ''[[hylé]]'', a saber, o ''érgon'', é no modo de ''[[enérgeia]]''. Este modo de [[presença]] torna-se a ''actualitas'' do ''ens actu''. A ''actualitas'' torna-se [[realidade]]. A [[realidade]] converte-se em [[objetividade]], e [[objetividade]] torna-se [[vivência]] (''Erlebnis'')" (1). |
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- | :(1) HEIDEGGER, Martin. ''A origem da obra de arte | + | : (1) [[HEIDEGGER]], Martin. '''A [[origem]] da [[obra de arte]]. Lisboa: Ed. 70, 1992, p. 67.''' |
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+ | : Quando da [[necessidade]] de comer para [[viver]] faço comida, preparada e transformada a partir de uma arte culinária, transformo não só a necessidade em [[arte]], mas faço da [[arte]] uma [[libertação]] que é a [[dimensão]] da [[experienciação]] frente a toda [[vivência]]. [[Necessidade]] de comer, minha e de todo ser vivo é [[vivência]]. Fazer dela uma [[arte culinária]] é experienciação, inerente e tão somente inerente ao [[ser humano]]. É a sua [[diferença ontológica]]. | ||
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+ | : A [[vivência]] só se torna [[experienciação]] quando há uma [[mudança]] qualitativa no modo de [[ser]], em que, portanto, o modo de [[ser]] é [[poético]] e não simplesmente [[estético]]. [[Experienciação]] implica [[linguagem]], [[sentido]] e [[mundo]]: [[verdade]]. | ||
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+ | : Nosso [[tempo]] é um [[tempo]] acelerado. Parece uma [[vida]] com muitas [[vidas]], de muitas [[vivências]]. Mas aí entra a [[questão]] ontológica e esta diz respeito diretamente ao [[tempo]] da [[experienciação]]. O [[tempo]] da [[experienciação]] é o [[tempo]] da ''metábole'' ([[movimento]] essencial). Toda [[transformação]] precisa radicalmente de um [[tempo]] [[próprio]], o [[tempo]] de [[ser]] se manifestando e transformando, pelo qual se [[é]] mais do que uma [[forma]]: simplesmente se [[é]]. Neste, ''o que [[é]]'' se manifesta em ''o como [[é]]''. E ''o como é'' ou [[vivências]] se transformam não apenas n’''o como se conhece'', mas no ''[[sentido]] do que [[é]]'', pois [[ser]] é [[agir]] e [[agir]] se manifestando é o advir do [[sentido]], tanto ''do que é'', quanto ''do como se conhece'', isto é, transforma no [[ser humano]] a [[vivência]] em [[experienciação]], daí no [[ser humano]] não haver apenas [[vida]], mas o [[existir]]. | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "O [[mito]] de [[Cura]] e o [[ser humano]]". In: --------. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 214.''' | ||
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+ | : "Somente por se [[compreender]] [[tudo]] a partir do [[viver]] é que se pode cair na tentação de determinar o [[real]], qualquer [[real]], como [[objetivo]] de [[vivência]] ou [[conteúdo]] vivido e, assim, edificar todo [[relacionamento]] com as [[coisas]], as [[pessoas]] e o [[mundo]] numa [[vivência]] e como [[vivência]]. [[Tudo]] se torna, então, vivido no [[movimento]] de [[viver]] de uma [[vivência]]" (1). | ||
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+ | : (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro.''' "Uma [[leitura]] órfica de uma sentença [[grega]]" (''Dzoion logon echon''). In: [[Aprendendo]] a [[pensar]] II. Petrópolis / RJ: Vozes, 1992, p. 131.''' | ||
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+ | : "Se considerarmos que vivencialmente a [[não-verdade]] se dá sempre como [[errância]], mesmo quando temos como [[horizonte]] a [[essência]] do [[agir]], ela deixará de [[vigorar]] na [[dobra]], quando em lugar da [[errância]] a substituímos pela [[verdade]] da [[representação]], onde esta como [[verdade]] se opõe ao [[falso]], ao [[erro]] e, assim, criamos uma [[oposição]] à [[verdade]] como [[ideia]] [[absoluta]] (inerente a todo [[sistema]], seja ele qual for e em que [[época]] for), que não leve em consideração a [[errância]] ou [[existência]] que [[sempre]] [[vigora]] na [[dobra]] de [[verdade]] e de [[não-verdade]]. Vivemos [[essencialmente]] na [[errância]] (não no [[erro]]) porque vivemos na [[proximidade]] e [[distância]] de [[viver]] na [[vivência]] a [[morte]] como [[seres]] [[mortais]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Liberdade]], [[vontade]] e uso de drogas". In: ----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.''' | ||
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+ | : "Porém, o cultivo exclusivo da [[estética]] das [[vivências]] faz da [[morte]] algo negativo. O [[poético]] está em [[fazer]] da [[morte]] um [[nada criativo]]. Só assim as [[vivências]] deixam de ser meramente [[estéticas]] para serem o que são, [[possibilidades]] [[ontológicas]]. Eis aí a [[verdadeira]] [[liberdade]]" (1). | ||
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+ | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Liberdade]], [[vontade]] e uso de drogas". In: ----. [[Arte]]: o [[humano]] e o [[destino]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.''' |
Edição atual tal como 20h54min de 14 de março de 2025
1
- "Vivenciar diz sempre: reatar, a saber, a vida e o vivido a um sujeito. Vivência evoca a correlação de objeto | objetivo e sujeito | subjetivo. Mesmo a vivência do eu - tu, hoje tão falada, pertence ao âmbito metafísico da subjetividade" (1). "Por meio do estético ou, digamos, pela vivência em seu âmbito, a obra de arte já se torna antecipadamente objeto de sentimento e representação" (2).
- Referências:
- (2) idem, p. 109.
2
- Heidegger trata da questão da vivência e da sua relação com a Estética. Mas a vivência já é uma interpretação do que é o real, a coisa, o ente. Ele diz: "O ser aconteceu então como eídos. A ideia insere-se na morphé. O sýnolon, o todo unido da morphé hylé, a saber, o érgon, é no modo de enérgeia. Este modo de presença torna-se a actualitas do ens actu. A actualitas torna-se realidade. A realidade converte-se em objetividade, e objetividade torna-se vivência (Erlebnis)" (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Ed. 70, 1992, p. 67.
3
- Quando da necessidade de comer para viver faço comida, preparada e transformada a partir de uma arte culinária, transformo não só a necessidade em arte, mas faço da arte uma libertação que é a dimensão da experienciação frente a toda vivência. Necessidade de comer, minha e de todo ser vivo é vivência. Fazer dela uma arte culinária é experienciação, inerente e tão somente inerente ao ser humano. É a sua diferença ontológica.
4
- A vivência só se torna experienciação quando há uma mudança qualitativa no modo de ser, em que, portanto, o modo de ser é poético e não simplesmente estético. Experienciação implica linguagem, sentido e mundo: verdade.
5
- Nosso tempo é um tempo acelerado. Parece uma vida com muitas vidas, de muitas vivências. Mas aí entra a questão ontológica e esta diz respeito diretamente ao tempo da experienciação. O tempo da experienciação é o tempo da metábole (movimento essencial). Toda transformação precisa radicalmente de um tempo próprio, o tempo de ser se manifestando e transformando, pelo qual se é mais do que uma forma: simplesmente se é. Neste, o que é se manifesta em o como é. E o como é ou vivências se transformam não apenas n’o como se conhece, mas no sentido do que é, pois ser é agir e agir se manifestando é o advir do sentido, tanto do que é, quanto do como se conhece, isto é, transforma no ser humano a vivência em experienciação, daí no ser humano não haver apenas vida, mas o existir.
6
- "Entre o horizonte de origem e o horizonte de chegada é que se coloca a questão do sentido. Sentido é “isso”: o entre um de e um para. Sem o de e o para é impossível pensar o sentido. De imediato e de uma maneira muito evidente para todos, em qualquer momento, época e cultura, o entre acontece enquanto vivências e experienciações de vida. Mas dizer vivências e experienciações de vida quer dizer o mesmo que vivências e experienciações de morte, pois umas não acontecem sem as outras. A medida do entre tanto é a vida quanto a morte. Na medida está o sentido, no sentido está a medida" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 214.
7
- "Somente por se compreender tudo a partir do viver é que se pode cair na tentação de determinar o real, qualquer real, como objetivo de vivência ou conteúdo vivido e, assim, edificar todo relacionamento com as coisas, as pessoas e o mundo numa vivência e como vivência. Tudo se torna, então, vivido no movimento de viver de uma vivência" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Uma leitura órfica de uma sentença grega" (Dzoion logon echon). In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis / RJ: Vozes, 1992, p. 131.
8
- "Se considerarmos que vivencialmente a não-verdade se dá sempre como errância, mesmo quando temos como horizonte a essência do agir, ela deixará de vigorar na dobra, quando em lugar da errância a substituímos pela verdade da representação, onde esta como verdade se opõe ao falso, ao erro e, assim, criamos uma oposição à verdade como ideia absoluta (inerente a todo sistema, seja ele qual for e em que época for), que não leve em consideração a errância ou existência que sempre vigora na dobra de verdade e de não-verdade. Vivemos essencialmente na errância (não no erro) porque vivemos na proximidade e distância de viver na vivência a morte como seres mortais" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas". In: ----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 275.
9
- "Porém, o cultivo exclusivo da estética das vivências faz da morte algo negativo. O poético está em fazer da morte um nada criativo. Só assim as vivências deixam de ser meramente estéticas para serem o que são, possibilidades ontológicas. Eis aí a verdadeira liberdade" (1).
- Referência: