Lugar

De Dicionário de Poética e Pensamento

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: "A [[ciência]] não apenas apresenta o aspecto científico, propriamente dito, no sentido da descoberta e descrição da [[natureza]], mas também a [[posição]] que o [[homem]] ocupa na [[natureza]]" (1).
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: "A [[ciência]] não apenas apresenta o [[aspecto]] [[científico]], propriamente dito, no [[sentido]] da descoberta e descrição da [[natureza]], mas também a [[posição]] que o [[homem]] ocupa na [[natureza]]" (1).
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: (1) PRIGOGINE, Ilya. "Estaremos às vésperas de um terceiro humanismo". In: Revista '''Tempo Brasileiro''' - '''Cultura, ciência e técnica''', 168, jan.-mar., 2007, p. 5.
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: (1) PRIGOGINE, Ilya. "Estaremos às vésperas de um terceiro [[humanismo]]". In: Revista '''Tempo Brasileiro''' - '''Cultura, ciência e técnica, 168, jan.-mar., 2007''', p. 5.
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: [[Proximidade]] e [[distância]] não são [[entes]] [[abstratos]]. Elas só [[acontecem]] onde os [[homens]] [[convivem]]. É, pois, fundamentalmente uma [[situação]] do [[ser]] e [[estar]] um com o [[outro]], ou seja, [[social]]. [[Social]] vem do [[latim]] ''socius'', que significa sócio, ou seja, [[reunião]] de duas ou mais [[pessoas]]. Só por [[metáfora]] se diz que outros [[entes]] vivem em [[sociedade]]. Só o [[ser humano]] é [[social]]. O [[social]] não é uma opção, mas uma condição [[existencial]] [[essencial]] porque somos uns-com-os-outros. ''[[Mit-Sein]]'', literalmente: [[Ser-com]], diz [[Heidegger]] em '''Ser e tempo'''.  Somos [[essencialmente]] [[diálogo]]. Se a [[solidão]] pode ocorrer, isso significa que a [[proximidade]] e a [[distância]] são uma conquista. Elas não se dão por si. Isso significa também que a [[sociedade]], o grupo [[social]], não é a justaposição de [[pessoas]]. Há [[necessidade]] de [[convivência]] numa mútua [[experienciação]] de [[eu]] e [[tu]], [[sendo]] cada um o que [[é]]. Então aconteceu [[proximidade]] e [[distância]]. O [[impessoal]] é a falta de [[convivência]], onde o [[tu]] inexiste naquilo que ele [[é]], não faz parte do [[lugar]] do [[eu]]. Dessa maneira o [[impessoal]] se torna a [[experienciação]] do [[social]] em sua [[essência]], que jamais poderá ser o [[social]], mas, sim, a sua [[negação]].
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o ''entre''". Revista ''Tempo Brasileiro'': Rio de Janeiro: ''Interdisciplinaridade: dimensões poéticas'', 164, jan.-mar., 2006, p. 32.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o '''entre'''". Revista '''Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006''', p. 32.
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questõesâ€. In: ------------. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 20.
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questõesâ€. In: ------------. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 20.
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: [[Caminho]] é uma [[palavra]] portuguesa de uma rica semântica. Mas a [[questão]] é tomar a [[palavra]] naquilo que ela tem de [[essencial]], naquilo que remete para a [[essência]] do [[ser humano]]. E é neste [[horizonte]] que a [[questão]] do [[caminho]] se torna uma [[ideia]] motriz no [[filme]] de Pan Nalin: '''Samsara'''. Aliás, é uma noção-chave tanto no [[budismo]] quanto no [[cristianismo]]. O [[personagem]]-[[monge]] Tashi está procurando a sua [[realização]] e o seu [[sentido]]: continua no mosteiro ou sai? O [[motivo]] central para ele é, no momento, ficar no mosteiro e não casar ou sair e poder casar. E isso se torna para ele a [[questão]] do [[caminho]] e opções a fazer. E consulta um monge-asceta em total isolamento e sem se comunicar com ninguém. Quando consultado por Tashi, ele lhe mostra um papel onde estão escritas as [[palavras]]:
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: "''Tudo que você contactar é um [[lugar]] para praticar o [[caminho]]''" (1).
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: Pensa e faz a [[escolha]] de sair do mosteiro. Mas depois de casar, ter um filho, acossado pelo desejo sexual por outra mulher, pensa, se arrepende e resolve voltar para o mosteiro, abandonando a [[mulher]] e o [[lar]]. De fato, o [[filme]] coloca muitas [[questões]].  Na verdade, estas [[palavras]] constituem e não constituem uma [[resposta]], pois o [[essencial]] nelas é o convite a [[pensar]], fazendo do [[pensamento]] um [[agir]], enquanto uma [[atitude]] e conduta de [[vida]]. Toda [[vida]] é um [[caminho]] de [[procuras]] e [[escolhas]] com suas consequências. A própria [[palavra]] ''[[Samsara]]'' também significa [[caminho]] no [[sentido]] de [[caminhada]] ou [[travessia]] [[humana]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: (1) PAN NALIN. Filme: '''Samsara''', 2002.

Edição atual tal como 22h50min de 15 de fevereiro de 2024

1

"O lugar acolhe, numa circunstância, a simplicidade de terra e céu, dos divinos e dos mortais, à medida que edifica em espaços a circunstância. É num duplo sentido que o lugar dá espaço à quadratura. O lugar deixa ser a quadratura e o lugar edifica a quadratura. Dar espaço no sentido de deixar ser e dar espaço no sentido de edificar se pertencem mutuamente. Enquanto um duplo dar espaço, o lugar é um abrigo da quadratura e, como ainda diz a mesma palavra, Huis, Haus, uma moradia" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Construir, habitar, pensar". In: ------. Ensaios e conferências. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 137.

2

"O espaço ocupado por um corpo, tópos, é o seu lugar" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.

3

"A ciência não apenas apresenta o aspecto científico, propriamente dito, no sentido da descoberta e descrição da natureza, mas também a posição que o homem ocupa na natureza" (1).


Referência:
(1) PRIGOGINE, Ilya. "Estaremos às vésperas de um terceiro humanismo". In: Revista Tempo Brasileiro - Cultura, ciência e técnica, 168, jan.-mar., 2007, p. 5.

4

"Você não notou que só há um lugar para quem traz o lugar consigo?" (1).


Referência:
(1) Filme A mulher canhota. Direção e roteiro: Peter Handke, 1978. Produção de Wim Wenders.

5

Proximidade e distância não são entes abstratos. Elas só acontecem onde os homens convivem. É, pois, fundamentalmente uma situação do ser e estar um com o outro, ou seja, social. Social vem do latim socius, que significa sócio, ou seja, reunião de duas ou mais pessoas. Só por metáfora se diz que outros entes vivem em sociedade. Só o ser humano é social. O social não é uma opção, mas uma condição existencial essencial porque somos uns-com-os-outros. Mit-Sein, literalmente: Ser-com, diz Heidegger em Ser e tempo. Somos essencialmente diálogo. Se a solidão pode ocorrer, isso significa que a proximidade e a distância são uma conquista. Elas não se dão por si. Isso significa também que a sociedade, o grupo social, não é a justaposição de pessoas. Há necessidade de convivência numa mútua experienciação de eu e tu, sendo cada um o que é. Então aconteceu proximidade e distância. O impessoal é a falta de convivência, onde o tu inexiste naquilo que ele é, não faz parte do lugar do eu. Dessa maneira o impessoal se torna a experienciação do social em sua essência, que jamais poderá ser o social, mas, sim, a sua negação.


- Manuel Antônio de Castro

6

"O mundo enquanto rede é uma sintaxe constituída de linhas e nós. A comunicação pressupõe os dois e é impossível pensar as linhas sem os nós. O funcionamento da rede se dá em duas dimensões: 1ª. A inter-conexão; 2ª. os inter-conectados. A linha por si e como tal ainda não se constitui como linha, assim como o inter-conectado não é também em si e por si. O “lugar†da linha e dos inter-conectados, dos nós (Entre-ser) só aparece a partir de algo que já vimos: o diá-logo (entre-ser enquanto ser-com). “Lugar†é mundo enquanto diálogo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 32.

7

eu fico tão distraída
pensando no lugar aonde quero chegar
que esqueço que o lugar onde estou
já é muito especial (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 110.

8

seu lugar não é no futuro nem no passado
- seu lugar é aqui (1)


Referência:
(1) KAUR, rupi. meu corpo / minha casa. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Editora Planeta, 2020, p. 177.

9

" Lugar é mundo. Na verdade, nós nunca temos acesso à realidade, somente à sua manifestação como mundo, pois ela, dando-se enquanto mundo, retrai-se no vigorar do seu mistério. É por isso que falamos de diferentes realidades, quando, em verdade, nos referimos a diferentes mundos. O lugar como abertura já diz o que se dá enquanto sentido e verdade" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ler e suas questõesâ€. In: ------------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 20.

10

Caminho é uma palavra portuguesa de uma rica semântica. Mas a questão é tomar a palavra naquilo que ela tem de essencial, naquilo que remete para a essência do ser humano. E é neste horizonte que a questão do caminho se torna uma ideia motriz no filme de Pan Nalin: Samsara. Aliás, é uma noção-chave tanto no budismo quanto no cristianismo. O personagem-monge Tashi está procurando a sua realização e o seu sentido: continua no mosteiro ou sai? O motivo central para ele é, no momento, ficar no mosteiro e não casar ou sair e poder casar. E isso se torna para ele a questão do caminho e opções a fazer. E consulta um monge-asceta em total isolamento e sem se comunicar com ninguém. Quando consultado por Tashi, ele lhe mostra um papel onde estão escritas as palavras:
"Tudo que você contactar é um lugar para praticar o caminho" (1).
Pensa e faz a escolha de sair do mosteiro. Mas depois de casar, ter um filho, acossado pelo desejo sexual por outra mulher, pensa, se arrepende e resolve voltar para o mosteiro, abandonando a mulher e o lar. De fato, o filme coloca muitas questões. Na verdade, estas palavras constituem e não constituem uma resposta, pois o essencial nelas é o convite a pensar, fazendo do pensamento um agir, enquanto uma atitude e conduta de vida. Toda vida é um caminho de procuras e escolhas com suas consequências. A própria palavra Samsara também significa caminho no sentido de caminhada ou travessia humana.


- Manuel Antônio de Castro
- Referência:
(1) PAN NALIN. Filme: Samsara, 2002.