Alétheia

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Há uma ligação entre o radical etimológico de ''alétheia'' e os [[verbos]] ''lanthánomai'', [[esquecer]]-se, e ''lanthánein'', [[estar]] oculto. O radical é o mesmo na alternância vocálica: ''leth''/''lath''. Esse mesmo radical aparece no [[verbo]] latino ''latere'': estar [[latente]], oculto, seguro. O radical de ''[[a-létheia]]'' reúne os dois [[sentidos]], porque nele ressoa uma [[experiência]] [[originária]] da [[realidade]] enquanto não-verdade/não-desvelamento da [[verdade]]/[[desvelamento]], isto é, ''[[a-létheia]]''. Esta [[palavra]] forma-se de ''alethés'', isto é, ''a-'' privativo + ''leth''/''lath''. Então temos com o ''alpha privativum ou a-'' respectivamente o sentido de lembrar-se e esquecer-se.  
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: Há uma ligação [[entre]] o [[radical]] [[etimológico]] de ''[[alétheia]]'' e os [[verbos]] ''lanthánomai'', [[esquecer]]-se, e ''lanthánein'', [[estar]] oculto, [[velado]]. O [[radical]] é o mesmo na alternância vocálica: ''leth''/''lath''. Esse mesmo [[radical]] aparece no [[verbo]] latino ''latere'': estar [[latente]], oculto, seguro. O [[radical]] de ''[[a-létheia]]'' reúne os dois [[sentidos]], porque nele ressoa uma [[experiência]] [[originária]] da [[realidade]] enquanto [[não-verdade]]/não-desvelamento da [[verdade]]/[[desvelamento]], isto é, ''[[a-létheia]]''. Esta [[palavra]] forma-se de ''alethés'', isto é, ''a-'' privativo + ''leth''/''lath''. Então temos com o ''alpha privativum'': '''a-''', respectivamente o [[sentido]] de lembrar-se e esquecer-se.  
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: Ao se ler na entrada 1 (anterior) a formação [[etimologia|etimológica]] da [[palavra]] ''[[a-letheia]]'', não se propõe aí um mero exercício filológico. O que se pede para o [[leitor]] é uma abertura para a [[questão]] da ''[[a-létheia]]'', da [[verdade]]. Tal abertura para a [[questão]] da [[verdade]] só acontece quando houver uma [[experienciação]] de [[pensamento]] ligada à [[referência]] entre cada [[leitor]] e o [[ser]]. A alteração do [[sentido]] das [[palavras]] remetendo simplesmente para sua [[origem]] é inútil e não desfaz os [[conceitos]] herdados da sofística metafísica e retórica. Não adianta simplesmente trocar o uso da [[palavra]] "[[verdade]]" por "[[desvelamento]]" ou "abertura" se não houver essa [[experienciação]] de [[pensamento]], pois diz Heidegger a propósito de [[autores]] que leram sobre a [[etimologia]] de [[verdade]]: "[...] na frase seguinte onde se escreve sobre a '[[verdade]]', fica evidente que se mantém a [[representação]] da [[essência]] da [[verdade]] ditada por algum manual moderno de [[epistemologia]], deixando inalterada e intocada a [[essência]] da ''[[aletheia]]''" (1).
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: Ao se [[ler]] na entrada 1 (anterior) a formação [[etimologia|etimológica]] da [[palavra]] ''[[a-letheia]]'', não se propõe aí um mero exercício filológico. O que se pede para o [[leitor]] é uma abertura para a [[questão]] da ''[[a-létheia]]'', da [[verdade]]. Tal abertura para a [[questão]] da [[verdade]] só acontece quando houver uma [[experienciação]] de [[pensamento]] ligada à [[referência]] entre cada [[leitor]] e o [[ser]]. A alteração do [[sentido]] das [[palavras]] remetendo simplesmente para sua [[origem]] é inútil e não desfaz os [[conceitos]] herdados da [[sofística]] [[metafísica]] e [[retórica]]. Não adianta simplesmente trocar o uso da [[palavra]] "[[verdade]]" por "[[desvelamento]]" ou "[[abertura]]" se não houver essa [[experienciação]] de [[pensamento]], pois diz [[Heidegger]] a propósito de [[autores]] que leram sobre a [[etimologia]] de [[verdade]]: "[...] na frase seguinte onde se escreve sobre a '[[verdade]]', fica [[evidente]] que se mantém a [[representação]] da [[essência]] da [[verdade]] ditada por algum manual moderno de [[epistemologia]], deixando inalterada e intocada a [[essência]] da ''[[aletheia]]''" (1).
: - [[Manuel Antônio de Castro]]  
: - [[Manuel Antônio de Castro]]  
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: (1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p.115.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. '''Heráclito'''. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p.115.
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: "Des-encobrimento é o traço fundamental daquilo que já apareceu e que deixou para trás o [[encobrimento]]. Esse é o sentido do alfa [grego]: '''a''', que compõe a [[palavra]] grega ''[[a-létheia]]'' e que somente recebeu a designação de alfa privativo na [[gramática]] elaborada pelo [[pensamento]] [[grego]] tardio. A relação com ''lethe'' (lethe), [[encobrimento]], e o próprio [[encobrimento]] não perdem de forma alguma o peso pelo [[fato]] de se [[experienciar]] diretamente o [[descoberto]] como o que apareceu, como o que entrou em [[vigência]], como [[vigente]]" (1).
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "Aletheia". In: -------. ''Ensaios e conferências''. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 229.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "Aletheia". In: ---. '''Ensaios e conferências'''. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 229.
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: Uma vez que a ''[[alétheia]]'' é a [[experienciação]] da [[realidade]] como [[linguagem]], a [[verdade]] recebe diferentes [[interpretações]], atrás das quais se faz ouvir a [[fala]] do [[silêncio]] de toda ''[[alétheia]]'', porque esta não é nem pode ser algo que cale as [[experienciações]] da [[realidade]] e da [[linguagem]], na medida em que elas sempre acontecem como ''[[alétheia]]''. [[Realidade]], [[linguagem]] e [[alétheia]] dizem sempre o [[mesmo]] diferente de si mesmo.
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Não há [[clareira]] sem floresta, porém a floresta aparece como floresta na [[medida]] em que se retira e se deixa [[ver]], [[perceber]], [[manifestar]], isto é, vir à [[luz]], iluminar-se, na [[clareira]]. Eis a [[verdade]] como ''[[alétheia]]'': [[revelação]], [[desvelamento]], [[manifestação]] do [[ser]]. Nisso consiste e acontece a sua [[verdade]]. Toda [[revelação]] é uma [[epifania]], pois esta [[palavra]] diz o [[aparecer]], o [[manifestar-se]] do [[divino]], do [[ser]]. Daí o caráter [[sagrado]] da [[verdade]] em [[grego]], ou seja, [[alétheia]].
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: Para [[compreender]] e [[apreender]] o que é o [[olhar]], o melhor [[caminho]] é [[pensar]] a [[diferença]] [[ontológica]] [[entre]] [[olhar]] e [[ver]]. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer [[pensar]] essa [[diferença]]: quando [[Édipo]], o famoso [[personagem]] do [[mito]] de [[Édipo]], pensado por [[Sófocles]] em sua famosa [[obra]], a [[tragédia]] '''Rei Édipo'''. [[Édipo]] tinha [[olhos]] e não penetrara e nem vira os [[caminhos]] de seu [[destino]]. É que o [[olho]] é [[funcional]], faz parte do nosso [[organismo]] que diz respeito ao [[olhar]], não necessariamente ao [[ver]], pois foi quando arrancou os [[olhos]] que passou a [[ver]] na [[luz]] da [[verdade]] os [[caminhos]] e [[descaminhos]] do seu [[destino]]. O [[olho]] diz respeito aos [[sentidos]], a [[visão]] diz respeito ao [[sentido]]. Não basta [[olhar]], é necessário [[ver]]. E é nesta distinção [[fundamental]] que os [[gregos]] pensaram a [[essência]] da ''[[alétheia]]'', [[desvelamento]] ou [[verdade]]. Por isso, este diz respeito à [[manifestação]] do [[sentido]] do [[destino]]. E é nesse [[horizonte]] que se diferencia radicalmente a [[verdade]] da [[obra de arte]] e a [[verdade]] [[funcional]] da [[lógica]], que fundamenta a [[ciência]] fundada na [[razão]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: "O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o [[tempo]]/''[[poiesis]]''/[[linguagem]]. Estes aqui mostram duas coisas: um [[desvelamento]] e [[velamento]]. A estes chamou o [[mito]] ''[[Alétheia]]'', ou seja, [[verdade]]. Mas este [[desvelamento]] e [[velamento]] constitui [[evidentemente]] a [[vida]] e a [[morte]]. [[Verdade]], [[vida]], [[morte]], [[luz]], [[trevas]] não será este o itinerário e [[travessia poética]] de [[Édipo]], do [[homem]]? Não será este o nosso itinerário, a nossa [[travessia]]? Mas até onde ela será [[poética]]? Ou seja, até onde fazemos do [[viver]] uma [[experienciação]] de [[ser]]?" (1).
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: Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''Arte em questão: as questões da arte'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.
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: "Mas, no que se dá a [[ver]], a [[realidade]] ao mesmo tempo se vela e retrai, tornando-a inesgotável e [[misteriosa]]. Ora, esta [[dinâmica]] de mostrar-se e ocultar-se é o que os [[gregos]] denominaram ''[[alétheia]]'', ou seja, [[verdade]] (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: '''Revista Tempo Brasileiro, 201/202''' - '''Globalização, pensamento e arte'''. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. .

Edição atual tal como 22h16min de 3 de Junho de 2022

1

Há uma ligação entre o radical etimológico de alétheia e os verbos lanthánomai, esquecer-se, e lanthánein, estar oculto, velado. O radical é o mesmo na alternância vocálica: leth/lath. Esse mesmo radical aparece no verbo latino latere: estar latente, oculto, seguro. O radical de a-létheia reúne os dois sentidos, porque nele ressoa uma experiência originária da realidade enquanto não-verdade/não-desvelamento da verdade/desvelamento, isto é, a-létheia. Esta palavra forma-se de alethés, isto é, a- privativo + leth/lath. Então temos com o alpha privativum: a-, respectivamente o sentido de lembrar-se e esquecer-se.


- Manuel Antônio de Castro

2

Ao se ler na entrada 1 (anterior) a formação etimológica da palavra a-letheia, não se propõe aí um mero exercício filológico. O que se pede para o leitor é uma abertura para a questão da a-létheia, da verdade. Tal abertura para a questão da verdade só acontece quando houver uma experienciação de pensamento ligada à referência entre cada leitor e o ser. A alteração do sentido das palavras remetendo simplesmente para sua origem é inútil e não desfaz os conceitos herdados da sofística metafísica e retórica. Não adianta simplesmente trocar o uso da palavra "verdade" por "desvelamento" ou "abertura" se não houver essa experienciação de pensamento, pois diz Heidegger a propósito de autores que leram sobre a etimologia de verdade: "[...] na frase seguinte onde se escreve sobre a 'verdade', fica evidente que se mantém a representação da essência da verdade ditada por algum manual moderno de epistemologia, deixando inalterada e intocada a essência da aletheia" (1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p.115.
Ver também:
*Descobrir

3

"Des-encobrimento é o traço fundamental daquilo que já apareceu e que deixou para trás o encobrimento. Esse é o sentido do alfa [grego]: a, que compõe a palavra grega a-létheia e que somente recebeu a designação de alfa privativo na gramática elaborada pelo pensamento grego tardio. A relação com lethe (lethe), encobrimento, e o próprio encobrimento não perdem de forma alguma o peso pelo fato de se experienciar diretamente o descoberto como o que apareceu, como o que entrou em vigência, como vigente" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Aletheia". In: ---. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 229.

4

Uma vez que a alétheia é a experienciação da realidade como linguagem, a verdade recebe diferentes interpretações, atrás das quais se faz ouvir a fala do silêncio de toda alétheia, porque esta não é nem pode ser algo que cale as experienciações da realidade e da linguagem, na medida em que elas sempre acontecem como alétheia. Realidade, linguagem e alétheia dizem sempre o mesmo diferente de si mesmo.


- Manuel Antônio de Castro

5

Não há clareira sem floresta, porém a floresta aparece como floresta na medida em que se retira e se deixa ver, perceber, manifestar, isto é, vir à luz, iluminar-se, na clareira. Eis a verdade como alétheia: revelação, desvelamento, manifestação do ser. Nisso consiste e acontece a sua verdade. Toda revelação é uma epifania, pois esta palavra diz o aparecer, o manifestar-se do divino, do ser. Daí o caráter sagrado da verdade em grego, ou seja, alétheia.


- Manuel Antônio de Castro.

6

Para compreender e apreender o que é o olhar, o melhor caminho é pensar a diferença ontológica entre olhar e ver. Concretamente, um exemplo clássico pode nos fazer pensar essa diferença: quando Édipo, o famoso personagem do mito de Édipo, pensado por Sófocles em sua famosa obra, a tragédia Rei Édipo. Édipo tinha olhos e não penetrara e nem vira os caminhos de seu destino. É que o olho é funcional, faz parte do nosso organismo que diz respeito ao olhar, não necessariamente ao ver, pois foi quando arrancou os olhos que passou a ver na luz da verdade os caminhos e descaminhos do seu destino. O olho diz respeito aos sentidos, a visão diz respeito ao sentido. Não basta olhar, é necessário ver. E é nesta distinção fundamental que os gregos pensaram a essência da alétheia, desvelamento ou verdade. Por isso, este diz respeito à manifestação do sentido do destino. E é nesse horizonte que se diferencia radicalmente a verdade da obra de arte e a verdade funcional da lógica, que fundamenta a ciência fundada na razão.


- Manuel Antônio de Castro.

7

"O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o tempo/poiesis/linguagem. Estes aqui mostram duas coisas: um desvelamento e velamento. A estes chamou o mito Alétheia, ou seja, verdade. Mas este desvelamento e velamento constitui evidentemente a vida e a morte. Verdade, vida, morte, luz, trevas não será este o itinerário e travessia poética de Édipo, do homem? Não será este o nosso itinerário, a nossa travessia? Mas até onde ela será poética? Ou seja, até onde fazemos do viver uma experienciação de ser?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). Arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.

8

"Mas, no que se dá a ver, a realidade ao mesmo tempo se vela e retrai, tornando-a inesgotável e misteriosa. Ora, esta dinâmica de mostrar-se e ocultar-se é o que os gregos denominaram alétheia, ou seja, verdade (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A globalização e os desafios do humano". In: Revista Tempo Brasileiro, 201/202 - Globalização, pensamento e arte. Rio de Janeiro, abr.-set., 2015, p. .
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