Mulher
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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Edição de 01h25min de 13 de Outubro de 2018
1
- "Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não-humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fizera um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornara-se o mais ininteligível dos seres onde circulava sangue" (1).
- Referência:
- (1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 82.
2
- O conceito "mulher" aplicado a cada mulher individual e singular ainda não consegue dizer tudo, simplesmente porque a mulher-individual está continuamente sendo o não-ser, mudando. Mas ainda falta apreendê-la nesse vir-a-ser como unidade nessa mudança, senão será impossível falar tanto do conceito "mulher" como da mulher singular e concreta. O que falta? O originário, a memória, a linguagem, ou seja, só quando a mulher singular e concreta vigora como possibilidade de ser mulher, no horizonte de mudança e permanência, é que se pode apreender a mulher-singular-concreta, isto é, como o que ela é no seu concrescer, no seu vir-a-ser "esta" mulher e, ao mesmo tempo, ser simplesmente "mulher". Isto não significa uma essência abstrata, o conceito mulher, mas a tensão entre singularidade e identidade, daí que Memória como Unidade não é apenas a identidade, mas unidade significa sempre unidade de identidade e diferença (singularidade), ou seja, “entre” ser e não ser há um abismo para o qual a identidade da diferença e a diferença da identidade nos atrai irresistivelmente. O vigor e a possibilidade são Éros. Podemos ver o sentido profundo desse Éros quando, entre outras possibilidades concretas, se concretiza na mulher. E é nesse horizonte que se pode pensar Mulher e Feminismo poeticamente. O poético é o vigor poético pelo qual cada mulher é esta mulher e ao mesmo tempo ser feminina. E é daí que se pode pensar a Mulher enquanto corpo na sua feminilidade, ou seja, a reunião de terra e céu. Não podemos pensar aqui terra e céu como conceitos oriundos de uma visão cosmográfica, mas no que eles têm de misterioso e sagrado. Hoje a genética já trabalha com a ideia de terra como sendo Gaia, ou seja, simplesmente, VIDA. Por isso a mulher está profundamente ligada à Terra. Terra é gaia, é vida. Mas então não podemos pensar VIDA como algo biológico apenas, mas o próprio vigor e possibilidade vital que comparece em tudo e a toda vida possibilita. A mulher como mulher tem em si sintetizado todo esse vigor vital. Então VIDA é uma questão e não simplesmente um conceito, seja de que ciência for.
3
- A mulher, como verdadeira obra poética criativa, precisa para procriar ser desvirginizada desvelando a fonte da vida, da maternidade. Devemos compreender aqui esse desvelamento como a verdade acontecendo (aletheia. Todo procriar é um acontecer da maternidade: milagre do mistério extraordinário que é o procriar, o dar à luz. A pura possibilidade que a virgindade como velamento contém em-si pode tornar a mulher a mãe de muitos filhos, continuando o milagre da vida como permanência da vida e desafio da morte. Vida e morte: faces do mesmo acontecer. Todo nascimento de uma criança reinaugura o mundo diante da morte e é, portanto, um desvirginizar, porque é fazer o nada ser criativo, fonte de todas as possibilidades. Nesse sentido, a mulher se torna mãe, porque nela acontece a maternidade, o ser o lugar do procriar, do gerar filhos. E só acontece na mulher, pois é próprio do feminino, ou seja, nela acontece Eros. Este acontecendo na mulher torna-a tanto mais humana quanto mais divina. Em verdade, ela co-participar da essência de Eros. É neste sentido que falamos do amor maternal, tão radical quanto o ser mãe.
4
- "A mulher vive presa à imagem que a sociedade masculina lhe impõe; portanto, só pode escolher rompendo consigo mesma. 'O amor a transformou, fez dela outra pessoa', costuma-se dizer das apaixonadas. E é verdade: o amor faz da mulher uma outra, pois, se se atreve a amar, a escolher, se se atreve a ser ela mesma, precisa quebrar a imagem em que o mundo encarcera o seu ser" (1).
- Referência:
- (1) PAZ, Octavio. O labirinto da solidão e post.scriptum. Trad. Eliane Zagury. 2.e. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 178.
5
- (1) Fala do poeta, no filme O ponto de mutação, direção de Bernt Capra, baseado no livro de Fritjof Capra: O ponto de mutação.
6
- "A mulher para engravidar nela aconteceu um pacto de amor, isto é, ela foi tomada e possuída por eros. Tanto a mulher como o homem foram tomados, deixaram-se atravessar por eros. Não podemos compreender esse deixar-se possuir por eros de pacto amoroso? Em Grande sertão: veredas o pacto é esse deixar-se tomar por eros. Por isso, a energia poética só é poética porque é a energia de eros " (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 19.
7
- Pode o êxtase levar a possuir o silêncio e o vazio, o nada criativo? Miticamente, é a mulher, em seu feminino como possibilidade, a mais completa fonte de prazer e realização do desejar, aquela que atinge e pode levar ao êxtase. Êxtase será então completude, plenitude de realização, eclosão na liberdade. Entendamos, a palavra êxtase se compõe do prefixo latino e grego ex/eks, que tanto pode significar para fora ou fora de, quando diz uma relação espácio-temporal, substantiva, quanto o lançar para fora dos limites, dizendo, então, uma possibilidade ontológica do existir humano. O que está fora dos limites é o livre aberto, a possibilidade enquanto possibilidade, ser. Já o radical -stase diz posição. Êxtase assinala, portanto, ontologicamente, o que está além e aquém da posição. Se posição diz o estar, o êxtase pode abrir-nos para o ser, o que está fora de, além do estado, da posição, ou seja, o nos projetar no livre aberto da libertação essencial. A possibilidade ontológica é a essência da liberdade. Daí advir no êxtase ontológico a completude da liberdade, do livre aberto em que nos podemos projetar e sair dos nossos limites posicionais, substantivos, da nossa finitude.
8
- O destino que somos nos é destinado na linguagem, pois é a linguagem que fala, não o ser humano, em sua língua. Esta e cada falante só falam porque já vigoram na linguagem. Assim como cada mãe-mulher só gesta seus filhos porque já lhe foi dada a possibilidade de gestar. Ela não cria a Vida. Esta é que a cria e a faz ser mulher-mãe. Sem linguagem não há matéria/mãe criativa. Do mesmo modo é a linguagem que cria os mitos e, portanto, cria as obras de arte, todas as obras de arte e todas as línguas.
9
- "É um fato notório que o corpo feminino está dotado de uma sensibilidade interna mais viva que a do homem, isto é, que nossas sensações orgânicas intracorporais são vagas e como que surdas comparadas com as da mulher. Neste fato vejo eu uma das raízes de onde emerge, sugestivo, gentil e admirável, o esplêndido espetáculo da feminilidade" (1).
- Referência:
- (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.
10
- "A relativa hiperestesia das sensações orgânicas da mulher faz com que seu corpo exista para ela mais que para o homem o seu. Nós, homens, normalmente, esquecemos nosso irmão corpo; não sentimos que o temos, a não ser com o muito frio ou com o muito calor da extrema dor ou do extremo prazer. Entre nosso eu puramente psíquico e o mundo exterior não parece se interpor nada. Na mulher, pelo contrário, é solicitada constantemente a atenção pela vivacidade de suas sensações intracorporais: sente a toda hora seu corpo como interposto entre o mundo e seu eu, leva-o sempre diante de si, ao mesmo tempo como um escudo que defende ou prenda vulnerável. As consequências disto são claras: toda a vida psíquica da mulher está mais fundida com seu corpo que a do homem; quer dizer, sua alma é mais corporal - porém, vice-versa, seu corpo convive mais constante e estreitamente com seu espírito; quer dizer, seu corpo está mais tomado pela alma. Ocasiona, com efeito, na pessoa feminina um grau de penetração entre corpo e espírito muito mais elevado que na do homem. No homem, comparativamente, costumam ir cada um por seu lado; corpo e alma sabem pouco um do outro e não são solidários; pelo contrário atuam como irreconciliáveis inimigos" (1).
- Referência:
- (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 161.
11
- "Graças à sua afortunada predisposição psicológica, a mulher consegue logo e sem esforço, essa perfeita unidade entre o amor da alma e do corpo, que é, sem dúvida, a forma exemplar e a equação moral do erotismo" (1).
- Referência:
- (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 163.
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- "Porém, a conexão, peculiarmente estreita, entre alma e corpo, que caracteriza a mulher, mostra seus mais claros efeitos no sagrado recinto do amor. Se compararmos homens e mulheres de tipo médio, normais, de igual educação e cercados do mesmo ambiente social, logo salta à vista sua diferente atitude diante do erotismo. É normal que o homem sinta desejos de prazeroso arrebatamento carnal para com mulheres que não despertam em sua alma o menor afeto. Por assim dizer-lo dispõe a seu corpo para que cumpra os ritos do amor carnal, com total ausência de seu espírito" (1).
- Referência:
- (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 163.
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- "Na mulher, o corpo influi na normalidade da vida mais do que o do homem; porém, ao contrário, esse comportamento frequente faz com que a mulher, não doente, domine mais seu corpo do que o homem. Daí o estranho fenômeno de que a mulher resista à grande dor e à miséria física melhor que o homem e, em contrapartida, seja mais comedida em entregar-se aos prazeres excessivos, daí a surpreendente eurritmia e comedimento na postura feminina, no compasso e contenção em seus gestos, um não sei quê de recolhido e contenção que tem o corpo da mulher" (1).
- Referência:
- (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.
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- "Nesta observação creio que pode achar-se a causa desse fato eterno e enigmático que percorre a história humana de ponta a ponta, e de que não se deram senão explicações estúpidas ou superficiais: refiro-me à imortal propensão da mulher ao adorno e ao embelezamento do seu corpo. Visto à luz da ideia que exponho, nada mais natural e, ao mesmo tempo, inevitável. Sua nativa formação fisiológica impõe à mulher o hábito de fixar-se, de atender a seu corpo, que vem a ser o objeto mais próximo dentro da perspectiva de seu mundo. E como a cultura não é senão a ocupação reflexiva sobre aquilo para o qual nossa atenção se volta preferencialmente, a mulher criou a egrégia cultura do corpo, que, historicamente, começou pelo adorno, prosseguiu pelo asseio e se concluiu pela cortesia, genial invento feminino, que é, em conclusão, a fina cultura do gesto" (1).
- Referência:
- (1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 162.
15
- " - Sabina: Você está apenas procurando prazer ou toda mulher é uma terra nova cujos segredos você quer desvendar? Quer saber o que ela dirá quando fizer amor? Ou como ela sorriria? Ou que sussurraria? Gemeria, gritaria?
- - Tomás: Talvez os menores e mais inimagináveis detalhes. Pequenas coisas fazem uma mulher diferente de qualquer outra.
- - Sabina: Qual é o meu detalhe, doutor [Tomás]?
- - Tomás: O seu chapéu, Sabina (1).
- - Referência:
- (1) A insustentável leveza do ser, filme de Philip Kaufman, 1988, baseado no romance de Milan Kundera: A insustentável leveza do ser.