Ficção
De Dicionrio de Potica e Pensamento
(Diferença entre revisões)
(→4) |
(→10) |
||
(17 edições intermediárias não estão sendo exibidas.) | |||
Linha 7: | Linha 7: | ||
== 2 == | == 2 == | ||
- | : No conto de João Guimarães Rosa "[[Nada]] e a nossa condição" (1), ficção ou "fazer de conta" (2) é reinventar o [[real]], "instaurar um novo [[mundo]]" (3). Isso aparece como [[nadificar]] . [[Nadificar]] significa "retirar as [[máscaras]] que vestimos" (4). [[Nadificar]] é a própria reinvenção do [[real]], ou seja, nas [[palavras]] do [[personagem]] Tio Man'Antônio "fazer de conta". Aqui está o [[duplo]] significado de [[ficção]]: [[narrar]] para reinventar o [[real]]. A um tal [[narrar]] poderíamos denominar "[[ficção poética]]". | + | : No conto de João Guimarães [[Rosa]] "[[Nada]] e a nossa condição" (1), ficção ou "fazer de conta" (2) é reinventar o [[real]], "instaurar um novo [[mundo]]" (3). Isso aparece como [[nadificar]] . [[Nadificar]] significa "retirar as [[máscaras]] que vestimos" (4). |
+ | : [[Nadificar]] é a própria reinvenção do [[real]], ou seja, nas [[palavras]] do [[personagem]] Tio Man'Antônio "fazer de conta". Aqui está o [[duplo]] significado de [[ficção]]: [[narrar]] para reinventar o [[real]]. A um tal [[narrar]] poderíamos denominar "[[ficção]] [[poética]]". | ||
Linha 14: | Linha 15: | ||
: Referências: | : Referências: | ||
- | : (1) ROSA, Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: | + | : (1) [[ROSA]], Guimarães.''' "[[Nada]] e a nossa condição". In: Primeiras Estórias. 3. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.''' |
- | : (2) Idem. | + | : '''(2) Idem.''' |
- | : (3) Idem. | + | : '''(3) Idem.''' |
- | : (4) Idem. | + | : '''(4) Idem.''' |
== 3 == | == 3 == | ||
- | : "Pois o "[[poético]]" parece pertencer, quanto ao seu [[valor]] [[poético]], ao reino da [[fantasia]]. O [[habitar]] [[poético]] sobrevoa fantasticamente o [[real]]. O [[poeta]] faz face a esse temor e diz, com propriedade, que o [[habitar]] [[poético]] é o [[habitar]] "esta [[terra]]". Assim, Hölderlin não somente protege o [[poético]] contra sua incompreensão usual corriqueira mas, acrescentando as [[palavras]] "esta [[terra]]", remete para o [[vigor]] [[essencial]] da [[poesia]]. A [[poesia]] não sobrevoa e nem se eleva sobre a [[terra]] a fim de abandoná-la e pairar sobre ela. É a [[poesia]] que traz o [[homem]] para a [[terra]], para ela, e assim o traz para um [[habitar]]" (1). Esta passagem | + | : "Pois o "[[poético]]" parece pertencer, quanto ao seu [[valor]] [[poético]], ao reino da [[fantasia]]. O [[habitar]] [[poético]] sobrevoa fantasticamente o [[real]]. O [[poeta]] faz face a esse temor e diz, com propriedade, que o [[habitar]] [[poético]] é o [[habitar]] "esta [[terra]]". Assim, Hölderlin não somente protege o [[poético]] contra sua incompreensão usual corriqueira mas, acrescentando as [[palavras]] "esta [[terra]]", remete para o [[vigor]] [[essencial]] da [[poesia]]. A [[poesia]] não sobrevoa e nem se eleva sobre a [[terra]] a fim de abandoná-la e pairar sobre ela. É a [[poesia]] que traz o [[homem]] para a [[terra]], para ela, e assim o traz para um [[habitar]]" (1). |
+ | : Esta passagem do [[pensador]] [[Heidegger]] é extremamente importante, porque desfaz completamente a falsa noção de [[ficção]], atribuída a toda [[literatura]]. É [[necessário]], certamente, repensar tanto a noção corrente de [[ficção]], bem como de [[fantasia]], quanto o que se entende por [[real]] e [[realidade]]. | ||
Linha 27: | Linha 29: | ||
: Referência: | : Referência: | ||
- | : (1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: ------. | + | : (1) [[HEIDEGGER]], Martin.''' "...poeticamente o [[homem]] habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: ------. [[Ensaios]] e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 169.''' |
== 4 == | == 4 == | ||
- | : "Porque é através da [[leitura]] de [[romance|romances]], histórias e [[mito|mitos]] que conseguimos entender as [[ideia|ideias]] que governam o [[mundo]] em que vivemos: é a [[ficção]] que nos dá acesso às [[verdade|verdades]] que a [[família]], a | + | : "Porque é através da [[leitura]] de [[romance|romances]], histórias e [[mito|mitos]] que conseguimos entender as [[ideia|ideias]] que governam o [[mundo]] em que vivemos: é a [[ficção]] que nos dá acesso às [[verdade|verdades]] que a [[família]], a escola e a [[sociedade]] mantêm veladas, ocultas; é a [[arte]] do romance que nos permite [[perguntar]] quem afinal realmente somos" (1). |
: Referência: | : Referência: | ||
- | : (1) PAMUK, Orhan. '''A maleta de meu pai | + | : (1) PAMUK, Orhan. '''A maleta de meu [[pai]]. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 66.''' |
== 5 == | == 5 == | ||
: "Não são só os infantes que fabulam, alguns adultos também. Também eles constroem [[narrativas]] fabulosas, imaginárias, ou, numa palavra geralmente mais aceita pelos teóricos literários, [[ficcionais]]. Até se fala em [[gênero]] ficcional, o que julgamos impróprio, pois a [[ficção]] não é um [[gênero]], é a própria [[essência]] do literário. A [[ficcionalidade]] é a [[literariedade]] " (1). | : "Não são só os infantes que fabulam, alguns adultos também. Também eles constroem [[narrativas]] fabulosas, imaginárias, ou, numa palavra geralmente mais aceita pelos teóricos literários, [[ficcionais]]. Até se fala em [[gênero]] ficcional, o que julgamos impróprio, pois a [[ficção]] não é um [[gênero]], é a própria [[essência]] do literário. A [[ficcionalidade]] é a [[literariedade]] " (1). | ||
+ | |||
: Referência: | : Referência: | ||
- | + | : CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Ficção]] e [[literatura]] [[infantil]]". In: -----. [[Tempos]] de [[Metamorfose]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 133.''' | |
- | : CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: | + | |
== 6 == | == 6 == | ||
- | : "Eis porque já podemos concluir: toda [[literatura]] é [[infantil]] se for, radicalmente, ficção. Atentemos bem, o prefixo in- não indica uma negação radical, assim como o [[infante]] não nega o [[homem]]. Pelo contrário, aponta, indicia o [[fabuloso]], o [[imaginário]], porque, como já dissemos, não no [[discurso]], mas na [[Linguagem]], o [[homem]] mora e cresce" (1). | + | : "Eis porque já podemos concluir: toda [[literatura]] é [[infantil]] se for, radicalmente, [[ficção]]. Atentemos bem, o prefixo "in-" não indica uma negação radical, assim como o [[infante]] não nega o [[homem]]. Pelo contrário, aponta, indicia o [[fabuloso]], o [[imaginário]], porque, como já dissemos, não no [[discurso]], mas na [[Linguagem]], o [[homem]] mora e cresce" (1). |
: Referência: | : Referência: | ||
- | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "[[Ficção]] e [[literatura]] [[infantil]]". In: -----. '''[[Tempos]] de [[Metamorfose]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 133.''' |
== 7 == | == 7 == | ||
- | : "O que é ficção? Distingamos logo: embora todo literário seja ficcional, nem toda "ficção" é literária. Para melhor compreender esse truísmo é que se faz necessário tematizar o âmbito da ficção. | + | : "O que é [[ficção]]? Distingamos logo: embora todo [[literário]] seja ficcional, nem toda "[[ficção]]" é [[literária]]. Para melhor compreender esse truísmo é que se faz necessário tematizar o âmbito da ficção. |
- | : O [[literário]] é uma [[realidade]] ficcional. Ficção é derivado do verbo latino ''fingere''. Este verbo apresenta quatro acepções inter-relacionadas: formar; educar; imaginar; fingir ou dissimular. As duas últimas significações, imaginar e fingir, de imediato, parecem ser as que melhor traduzem o que se entende normal e correntemente por ficção, embora o fingir provoque relutância. No entanto, só a reunião das quatro acepções pode configurar e apreender adequadamente a ficção literária" (1). | + | : O [[literário]] é uma [[realidade]] [[ficcional]]. Ficção é derivado do verbo latino ''fingere''. Este verbo apresenta quatro acepções inter-relacionadas: formar; educar; [[imaginar]]; [[fingir]] ou [[dissimular]]. As duas últimas significações, [[imaginar]] e [[fingir]], de imediato, parecem ser as que melhor traduzem o que se entende normal e correntemente por ficção, embora o [[fingir]] provoque relutância. No entanto, só a reunião das quatro acepções pode configurar e apreender adequadamente a [[ficção]] [[literária]]" (1). |
: Referência: | : Referência: | ||
- | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: ------------. ''Tempos de Metamorfose | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "[[Ficção]] e [[literatura]] [[infantil]]". In: ------------. '''[[Tempos]] de [[Metamorfose]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 134.''' |
- | + | ||
- | + | ||
== 8 == | == 8 == | ||
Linha 70: | Linha 70: | ||
== 9 == | == 9 == | ||
- | : "Também melhor se entende a [[ficcionalidade]] se atentarmos para o terceiro significado do verbo latino ''fingere'': [[imaginar]]. O [[imaginar]] é o contraponto do [[formar]]. O contraponto indica a [[presença]] da tensão do [[limite]] e do [[ilimitado]], da [[diferença]] e da [[identidade]], da [[língua]] e da [[Linguagem]]. O [[formar]] sem o [[imaginar]] origina os formalismos, provocando equívocos sobre o fazer [[literário]]. Já o [[literário]] se realiza quando o [[imaginário]] irrompe em [[produções]]. É isto o que caracteriza fundamentalmente a [[literatura]] infantil: uma [[presença]] marcante e irrefreável do [[imaginário]]. Porque a [[criança]] é mais sensível ao [[imaginário]]. Nela, o [[sonho]] é [[realidade]] e a [[realidade]] é [[sonho]]. Nela, o [[imaginário]] é [[realidade]] e a [[realidade]] é [[imaginário]]. Ainda não sofreu o processo de [[formação]] que a deforma para o real-imaginário e a deseduca para a humanização. Pelo [[imaginar]], o [[homem]] consuma a sua humanização, na medida em que manifesta o [[sentido]] do que ele é. Isso se chama [[libertação]]. Na realidade ficcional-literária o [[imaginar]] é o [[real]] vigorando" (1). | + | : "Também melhor se entende a [[ficcionalidade]] se atentarmos para o terceiro significado do verbo latino ''fingere'': [[imaginar]]. O [[imaginar]] é o contraponto do [[formar]]. O contraponto indica a [[presença]] da tensão do [[limite]] e do [[ilimitado]], da [[diferença]] e da [[identidade]], da [[língua]] e da [[Linguagem]]. O [[formar]] sem o [[imaginar]] origina os formalismos, provocando equívocos sobre o fazer [[literário]]. Já o [[literário]] se realiza quando o [[imaginário]] irrompe em [[produções]]. É isto o que caracteriza fundamentalmente a [[literatura]] infantil: uma [[presença]] marcante e irrefreável do [[imaginário]]. Porque a [[criança]] é mais sensível ao [[imaginário]]. Nela, o [[sonho]] é [[realidade]] e a [[realidade]] é [[sonho]]. Nela, o [[imaginário]] é [[realidade]] e a [[realidade]] é [[imaginário]]. Ainda não sofreu o processo de [[formação]] que a deforma para o real-imaginário e a deseduca para a humanização. Pelo [[imaginar]], o [[homem]] consuma a sua humanização, na medida em que manifesta o [[sentido]] do que ele é. Isso se chama [[libertação]]. Na [[realidade]] ficcional-literária o [[imaginar]] é o [[real]] vigorando" (1). |
: Referência: | : Referência: | ||
- | : CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: ------------. ''Tempos de Metamorfose | + | : CASTRO, Manuel Antônio de. "[[Ficção]] e [[literatura]] [[infantil]]". In: ------------. '''[[Tempos]] de [[Metamorfose]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 134.''' |
== 10 == | == 10 == | ||
- | : "O [[homem]] [[grego]] não via na [[tragédia]] de [[Sófocles]] ''[[Édipo Rei]]'' (e nas outras [[obras]]) nenhum [[símbolo]] e nenhuma [[alegoria]]. O que acontecia no palco era um [[espelho]]/[[reflexão]] do que poderia [[acontecer]] com ele. Daí a [[questão]] apontada por | + | : "O [[homem]] [[grego]] não via na [[tragédia]] de [[Sófocles]] ''[[Édipo Rei]]'' (e nas outras [[obras]]) nenhum [[símbolo]] e nenhuma [[alegoria]]. O que acontecia no palco era um [[espelho]]/[[reflexão]] do que poderia [[acontecer]] com ele. Daí a [[questão]] apontada por Aristóteles em sua ''[[Poética]]'', a ''[[catarsis]]''. As [[questões]] que as [[obras]] abordavam eram as suas [[questões]], pois também não havia de maneira alguma o termo [[ficção]]. Isso foi uma [[invenção]] [[moderna]], para [[diferenciar]] a [[realidade]] das [[obras poéticas]] e a [[realidade]] positivista estabelecida pela [[verdade]] [[científica]]. Para o [[homem]] [[grego]] em geral, para os grandes [[pensadores]] e grandes [[poetas]], não havia a [[verdade]] qualificada ou [[atributiva]]. [[Verdade]] é simplesmente [[verdade]]" (1). |
: Referência: | : Referência: | ||
- | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura e Crítica". In: | + | : (1) CASTRO, Manuel Antônio de.''' "[[Leitura]] e [[Crítica]]". In: -------. [[Leitura]]: [[questões]]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 126.''' |
== 11 == | == 11 == |
Edição atual tal como 15h31min de 5 de fevereiro de 2025
1
- Aprender é aprender o que não pode ser ensinado. Ensinar é deixar que o que não pode ser ensinado ecloda, se desvele em cada um. Ficção vem do particípio do verbo latino fictum, de fingere, finxi, fictum, fingere', que significa fingir, no sentido de tornar ficção, figurar, dar figura, forma. Toda figura, enquanto arte, ficção, só é figura se fizer o que não pode ser figurado eclodir, ser desvelado.
2
- No conto de João Guimarães Rosa "Nada e a nossa condição" (1), ficção ou "fazer de conta" (2) é reinventar o real, "instaurar um novo mundo" (3). Isso aparece como nadificar . Nadificar significa "retirar as máscaras que vestimos" (4).
- Nadificar é a própria reinvenção do real, ou seja, nas palavras do personagem Tio Man'Antônio "fazer de conta". Aqui está o duplo significado de ficção: narrar para reinventar o real. A um tal narrar poderíamos denominar "ficção poética".
- Referências:
- (1) ROSA, Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: Primeiras Estórias. 3. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
- (2) Idem.
- (3) Idem.
- (4) Idem.
3
- "Pois o "poético" parece pertencer, quanto ao seu valor poético, ao reino da fantasia. O habitar poético sobrevoa fantasticamente o real. O poeta faz face a esse temor e diz, com propriedade, que o habitar poético é o habitar "esta terra". Assim, Hölderlin não somente protege o poético contra sua incompreensão usual corriqueira mas, acrescentando as palavras "esta terra", remete para o vigor essencial da poesia. A poesia não sobrevoa e nem se eleva sobre a terra a fim de abandoná-la e pairar sobre ela. É a poesia que traz o homem para a terra, para ela, e assim o traz para um habitar" (1).
- Esta passagem do pensador Heidegger é extremamente importante, porque desfaz completamente a falsa noção de ficção, atribuída a toda literatura. É necessário, certamente, repensar tanto a noção corrente de ficção, bem como de fantasia, quanto o que se entende por real e realidade.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "...poeticamente o homem habita...". Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. In: ------. Ensaios e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 169.
4
- "Porque é através da leitura de romances, histórias e mitos que conseguimos entender as ideias que governam o mundo em que vivemos: é a ficção que nos dá acesso às verdades que a família, a escola e a sociedade mantêm veladas, ocultas; é a arte do romance que nos permite perguntar quem afinal realmente somos" (1).
- Referência:
- (1) PAMUK, Orhan. A maleta de meu pai. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 66.
5
- "Não são só os infantes que fabulam, alguns adultos também. Também eles constroem narrativas fabulosas, imaginárias, ou, numa palavra geralmente mais aceita pelos teóricos literários, ficcionais. Até se fala em gênero ficcional, o que julgamos impróprio, pois a ficção não é um gênero, é a própria essência do literário. A ficcionalidade é a literariedade " (1).
- Referência:
- CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: -----. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 133.
6
- "Eis porque já podemos concluir: toda literatura é infantil se for, radicalmente, ficção. Atentemos bem, o prefixo "in-" não indica uma negação radical, assim como o infante não nega o homem. Pelo contrário, aponta, indicia o fabuloso, o imaginário, porque, como já dissemos, não no discurso, mas na Linguagem, o homem mora e cresce" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: -----. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 133.
7
- "O que é ficção? Distingamos logo: embora todo literário seja ficcional, nem toda "ficção" é literária. Para melhor compreender esse truísmo é que se faz necessário tematizar o âmbito da ficção.
- O literário é uma realidade ficcional. Ficção é derivado do verbo latino fingere. Este verbo apresenta quatro acepções inter-relacionadas: formar; educar; imaginar; fingir ou dissimular. As duas últimas significações, imaginar e fingir, de imediato, parecem ser as que melhor traduzem o que se entende normal e correntemente por ficção, embora o fingir provoque relutância. No entanto, só a reunião das quatro acepções pode configurar e apreender adequadamente a ficção literária" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: ------------. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 134.
8
- Hoje com a denominada realidade virtual, fica difícil distinguir o que é irreal, fantasia, ilusão, imaginação, ficção e, até mesmo, ideal. A tradicional apreensão científica e verdadeira para dizer o que é real ou não se diluiu. E mais interessante ainda: a realidade virtual parte de um suporte fundamentado no matemático, tomando como base o "zero" e o "um", enquanto compõem a unidade mínima ou "bit". A fronteira desse poder todo está contido no sentido da emoção enquanto eros em seu sentido ontológico.
9
- "Também melhor se entende a ficcionalidade se atentarmos para o terceiro significado do verbo latino fingere: imaginar. O imaginar é o contraponto do formar. O contraponto indica a presença da tensão do limite e do ilimitado, da diferença e da identidade, da língua e da Linguagem. O formar sem o imaginar origina os formalismos, provocando equívocos sobre o fazer literário. Já o literário se realiza quando o imaginário irrompe em produções. É isto o que caracteriza fundamentalmente a literatura infantil: uma presença marcante e irrefreável do imaginário. Porque a criança é mais sensível ao imaginário. Nela, o sonho é realidade e a realidade é sonho. Nela, o imaginário é realidade e a realidade é imaginário. Ainda não sofreu o processo de formação que a deforma para o real-imaginário e a deseduca para a humanização. Pelo imaginar, o homem consuma a sua humanização, na medida em que manifesta o sentido do que ele é. Isso se chama libertação. Na realidade ficcional-literária o imaginar é o real vigorando" (1).
- Referência:
- CASTRO, Manuel Antônio de. "Ficção e literatura infantil". In: ------------. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 134.
10
- "O homem grego não via na tragédia de Sófocles Édipo Rei (e nas outras obras) nenhum símbolo e nenhuma alegoria. O que acontecia no palco era um espelho/reflexão do que poderia acontecer com ele. Daí a questão apontada por Aristóteles em sua Poética, a catarsis. As questões que as obras abordavam eram as suas questões, pois também não havia de maneira alguma o termo ficção. Isso foi uma invenção moderna, para diferenciar a realidade das obras poéticas e a realidade positivista estabelecida pela verdade científica. Para o homem grego em geral, para os grandes pensadores e grandes poetas, não havia a verdade qualificada ou atributiva. Verdade é simplesmente verdade" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Leitura e Crítica". In: -------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 126.
11
- Quando se juntam as coisas, as pessoas e os acontecimentos então todo o real se nos dá num mundo mutável, rico, estranho, poético. Temos então a ficção poética. Esta se faz de imagens-questões, personagenagentes-questões, eventos-questões, narrador-questão, enredo-questão. Então a obra de arte como tal e como um todo é um acontecer poético.