Palavra

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:“As palavras nos carregam em seu voo de linguagem, [[libertário|libertárias]] de nossa [[razão]], são chocadas no calor de nosso [[corpo]] para ganharem o livre aberto do [[céu]]. Palavras são nossas idas ao [[infinito]] sem passaporte de viagem” (1).

Edição de 22h53min de 17 de Setembro de 2016

1

Guimarães Rosa diz: "Era um nome, ver o que. Que é que é um nome? Nome não dá, recebe" (1). E noutra passagem complementa: "O que é pra ser - são as palavras" (2). E como! Recebe todas as nossas aventuras e desventuras, vias e desvios, falas e silêncio. A palavra recebe as nossas experienciações do real, havendo aí uma tensão de contrários, porque, ao mesmo tempo que as recebe, ela, como palavra e reunião, nos oferta a realidade como linguagem. Eis um exemplo de Platão, citado por Heidegger: "Nós, os epigonais, já não possuímos condição de avaliar o significado do fato de Platão aventurar-se a empregar a palavra eídos, para dizer a essência de tudo e de cada coisa. Pois, na linguagem de todo dia, eídos diz da visão que uma coisa visível nos apresenta à percepção sensível. Ora, Platão pretende da palavra algo inteiramente extraordinário. Pretende designar o que jamais se poderá perceber com os olhos" (3).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas, 6. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 121.
(2) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas, 6. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 39.
(3) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 23.

2

Chuang Tzu desenvolve uma verdadeira teoria do agir poético, ou, no fundo, da poíesis. Eis o que diz sobre a palavra/ideia: "O objetivo das palavras é transmitir as ideias. Quando estas são apreendidas, as palavras são esquecidas. Onde poderei encontrar um homem que se esqueceu das palavras? Com ele é que gostaria de conversar" (1). Todos se lembram só das palavras? Separam palavras e ideias? Como conversar sem palavras?
O que o pensador nos quer fazer pensar é muito simples: a palavra no cotidiano se torna veículo comunicativo, onde as palavras transitam vazias, como meras cascas de ovos que, se chocados, nada nascerá. A palavra poética é como o ovo cheio de vida pronto para ser chocado. Poeticamente, chocar é pensar. E só se conversa verdadeiramente quando se pensa e não simplesmente em trocar palavras comunicativas.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 196.

3

A palavra poética se estrutura em torno da imagem – sonora, gestual ou visual. Mas esta pode se tornar retórica e vazia, mero jogo formal. É a armadilha para muitos pseudo-poetas. Sem densidade inaugural, a palavra-imagem pode se tornar uma casca vazia, mera aparência. O enigma da palavra poética é de tal grandeza que ela, em sua concentração e riqueza ambígua, pode ser misteriosamente deusa. É o caso das palavras do pensamento originário, como Heráclito, Parmênides, Platão e outros. A imagem é poética e não retórica apenas quando nela se dá o vigor da questão. O uso automático das palavras na comunicação e no raciocínio instrumental tende a esvaziar o que há de poético nas palavras. Elas se tornam portadoras de ideias gerais e vazias pela repetição do uso cotidiano. Uma palavra é poética quando provoca em quem a emprega uma ação ética.
A sintaxe gramatical dilui o vigor da palavra, em geral, na proposição. A sintaxe poética concentra seu vigor na palavra. Na palavra poética e de pensamento, estão concentradas as forças centrífugas e centrípetas. No centro dessa tensão, há o mistério do "entre". É no "entre" que a sintaxe tem sua origem. Mas para a gramática a ordem vem das relações entre as palavras na proposição, determinando o sentido e o valor estrutural das palavras. Há, portanto, uma inversão. O operar da obra poética se concentra na sintaxe poética, pois esta institui e constitui o sentido ético-poético da verdade do real.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:

4

"Primeiro, há o meu método de que eu utilizo cada palavra como se ela acabasse de nascer; através do qual eu libero a palavra das impurezas da linguagem falada e a reduzo ao seu sentido original [...]. A língua é a única porta para a eternidade, mas infelizmente ela está oculta debaixo de montanhas de cinza. Daí, eu tenho de tirá-la" (1).


Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. Literatura deve ser vida. In: LORENZ, Günter W. EXPOSIÇÃO do novo livro alemão no Brasil - 1971. Frankfurt am Main, Ausstellungs und Messe - Gmbh des Borsenvereins des Deutschen Buchandels, 1971, p. 291.

5

"É a palavra do poeta que presenteia aos mortais o que lhe foi revelado, indicando a presença do extraordinário no ordinário, favorecendo o aparecimento das coisas no brilho que lhes é próprio, mostrando o jogo da eclosão e retraimento de todo ser, ligando o enraizamento no sensível à altitude do espírito, fazendo o extraordinário do mundo aparecer na linguagem para que nele o homem possa habitar" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, nº 164, 2006, p. 183.

6

"O tesouro que a terra do poeta jamais consegue encontrar é a palavra para a essência da linguagem. O poder e a morada da palavra, subitamente contemplados, seu vigor, isso pode nos chegar em algumas palavras. Mas com isso não se garante a palavra para a essência da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 187.

7

"O reino vigoroso da palavra consiste em dizer, isto é, em mostrar, em trazer para um aparecer a coisa como coisa" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A palavra". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 187.

8

"A palavra não se detém em cabrestos gramaticais, os quais tentam registrar com normas a insurgência de assonâncias sintáticas e coerências. A palavra não tem coerência, o que tem coerência é o que se diz sobre a palavra, mas o que se diz sobre a palavra se afunda no seu próprio enunciado, pois quando um morfema aparece para reter o sentido nevrálgico de uma sílaba, a palavra – menina travessa com pés descalços e cabelos ornamentados com flores – se liberta do jugo semântico-sintático para fundar um novo nome, um novo sentido, um novo chão para pisar e fazer traquinagens. A palavra é travessa por natureza, rumina inconstâncias, tange com mel o labor sinestésico de uma escrita, é fugaz, contraditória, avessa a fórmulas e dicionários. A palavra é a liberdade se dando ao vento, fazendo-se onda no mar, salto sem paraquedas no fundo do céu" (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. "A ciranda da poesia: palavra: corpo: homem: poeta". In: PESSANHA, Fábio Santana et al. (orgs.). Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 234.


9

"Palavras não são meros corpos idealizados de que fazemos uso em nosso cotidiano para expressar o senso comum. As palavras, na verdade, têm força e presença. É por isso que se deve primar pela 'utilização de cada palavra como se ela tivesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la ao seu sentido original' (1). Deve-se, árdua e disciplinadamente, aprender a repensar a língua com a qual se tece vida humana.


Referências:
(1) ROSA, João Guimarães. In: LORENZ, Günter. Diálogo com Guimarães Rosa. IN: COUTINHO, Eduardo (org.). Fortuna crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 46 e p. 47.

10

"A palavra é o oxigênio das possibilidades que a vida nos oferece a cada dia, aquelas possibilidades que já recebemos quando nascemos. E quem pode viver sem oxigênio? Podemos ser levados a uma vida vegetativa, sem a vitalidade do sentido das palavras. Neste caso, sentido é a vida se fazendo pensamento poético, isto é, linguagem, verdade, mundo. A palavra enquanto pensamento é a luz que nos ilumina, iluminando a direção e sentido das escolhas de nossa vida, pois em todo viver e agir há sempre um empenho por algum bem. E há maior bem do que a palavra iluminadora? O oxigênio da palavra é a linguagem e a verdade que dão a vida iluminada do existir do ser humano. Existir é viver na, com e para a iluminação, o deixar vigorar a energia irradiadora da luz, princípio de toda realidade" (1).


Referência:
CASTRO, Manuel Antônio. Apresentação. In: TAVARES, Renata. Do silêncio à liberdade: Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p.


11

A palavra portuguesa palavra vem do grego e forma-se de para-ballein. Para- significa junto a, entre. E ballein quer dizer: lançar, jogar, projetar. Portanto, ela diz a essência do ser humano: o que está jogado no entre. Do verbo paraballein formou-se o substantivo: parábola. Desta formou-se palavra. Ontológica e socialmente, o ser humano é um ente junto a outros entes. Ou como os gregos diziam, ontologicamente, é uma sin-ousia. Porém, algo o distingue e por isso pode acontecer o educar. Ele é um sendo entre o limite e o não-limite: entre-ser. Enfim, é um sendo do sentido da palavra e do pensamento.


- Manuel Antônio de Castro


12

"As melhores palavras são sempre vislumbradas em silêncio. E a serenidade de pensamento é o único caminho para deixá-las atuar. Sem meditação, isto é, sem acolhimento no silêncio as palavras se dispersam. Tal qual o poema sem poesia, perdemos o instante da revelação. Desviamo-nos do essencial" (1).


Referência:
(1) FILIPPOVNA, Veronica. "O pensamento poético de Eduardo Portella". In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 191: 129, out-dez., 2012.

13

"A palavra, a palavra nela mesma, não é outra coisa senão o vibrar harmônico de cordas em silêncio" (1).


Referência:
(1) FILIPPOVNA, Veronica. O pensamento poético de Eduardo Portella. In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 191: 130, out-dez., 2012.


14

É importante compreender que uma língua é um corpo vivo e que, nele, as palavras têm memória e ao mesmo tempo ampliam seus significados, harmonizam-se, dependendo das situações, com outras. Mas estas interferências são enigmáticas, pois agem nas falas de uma língua de maneira autônoma. Por isso, apelar para a etimologia é sempre um recurso válido, uma vez que na raiz está a potencialidade de expansão e harmonia. A morte do vigor verbal da palavra acontece no uso banalizado do cotidiano pela repetição do senso comum, gerando estereótipos, ideias feitas, valores morais impostos pela sua repetição exaustiva e inquestionável, dependentes de sistemas prévios, negação de todo seu poder poético. É a perda da sua memória. Resgatam-na os poetas e os pensadores.


- Manuel Antônio de Castro


15

"A fala só fala para e por calar. A palavra essencial, sendo a essência da palavra no tempo das realizações, é apenas silêncio. Por isso, não há nada, nem além, nem aquém da palavra: só se dá mesmo o nada. E não se trata de um nada negativo, nem nada que se esvai e contenta em negar tudo sem negar a si mesmo em sua negação. Trata-se de um nada criativo, um nada que deixa tudo originar-se: a terra, o mundo, a história, os homens, com todas as negações e afirmações. É um nada que constitui a estrutura ser-no-mundo" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Posfácio. In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 554.


16

“As palavras nos carregam em seu voo de linguagem, libertárias de nossa razão, são chocadas no calor de nosso corpo para ganharem o livre aberto do céu. Palavras são nossas idas ao infinito sem passaporte de viagem” (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 114.

17

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entre-linha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorpora-a. O que salva então é escrever distraidamente” (1).


Referência bibliográfica:
LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Artenova, p. 25.


18

"Com a linguagem, dá-se algo muito estranho: ela faz lembrar o começo precisamente quando apresenta uma diferença, um desdobramento do começo. A palavra só pode ser referência a uma coisa porque traz para a proximidade as coisas, lembrando, ao mesmo tempo, que elas continuam sendo distantes. Como o dia não consegue apagar a noite, a palavra e todo o seu mundo de aproximações não consegue apagar as distâncias, os limites a partir dos quais ela se pronuncia. E é até por isso que toda palavra pede explicações, de que nenhuma palavra consegue ser final. Uma palavra só poderia ser final se conseguisse apagar todo vestígio de distanciamento, de limite, de indefinição. Uma palavra só poderia ser final se o dia fosse eterno e apagasse para sempre a noite" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. "Para que língua se traduz o Ocidente?". In: O que nos faz pensar. Homenagem a Martin Heidegger. Rio de Janeiro: Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-RIO, nº 10, out. 1996, v. I, p. 62.
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