Linguagem

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 00h16min de 30 de março de 2010 por Bianka (Discussão | contribs)

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Há três noções fundamentais de linguagem:
1ª) Comunicacional/informacional: é a concepção da língua como meio e instrumento. Ela então se reduz a um código relacional-funcional.
2ª) De conhecimento/conceitual: é a linguagem enquanto representação, pela qual se dá uma tensão entre o significante e o significado em relação ao referente. Predomina o conteúdo, daí tornar-se lógico-conceitual, até porque se depreende da sintaxe.
3ª) Poético-ontológica: é a phýsis se manifestando. As duas primeiras presidem à concepção do código genético como "linguagem universal da vida". Mas aí interfere algo fundamental: a) a relação parte/todo e todo/parte, ou seja, as duas concepções: mecanicista e sistêmica, onde se dá a questão da sintaxe lógico-formal; b) a sintaxe poético-ontológica. Como se dá a tensão entre linguagem e sintaxe? O que podemos entender por linguagem poético-ontológica é contraface da phýsis, da realidade realizando-se. Ela precisa ser pensada a partir do que o pensador Heráclito diz do lógos.


- Manuel Antônio de Castro


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A linguagem fala. O lógos fala. Quando a linguagem fala, o que advém e acontece como e na palavra da linguagem? O próprio ser e não-ser como linguagem é fala na e como palavra. Nesta, mais fundamental do que a fala é a escuta. A palavra diz da nossa liminaridade, o estarmos já ontologicamente jogados no entre: jogar no entre se diz em grego pará-ballein, de onde se forma o termo: palavra.


- Manuel Antônio de Castro


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A importância da ação/poíesis e do próprio corpo como linguagem viva e não como um corpo que fala ou escreve a partir de um código, pois o gesto e a música falam como linguagem sem, no entanto, serem fala de língua, está no fato de que a linguagem e a ação/poíesis, em sua referência, sempre se colocam como questão. Esta precede qualquer conceito, pelo simples fato de que só por já se falar/agir é que se pode tentar conceituar a linguagem. Por isso é impossível compreender a linguagem originariamente como um produto social. A linguagem é co-originaria ao homem e à sociedade. Linguagem é mundo e mundo é o solo natural do social. Não há homem nem sociedade sem diálogo, porque não há diálogo sem o lógos: linguagem, mundo e memória. Como o agir/linguagem não se restringe à fala/escrita, ele deve ser apreendido no agir/corpo/linguagem, chegando-se a uma conclusão simples de que homens e corpo são uma e mesma questão. E de que qualquer definição e conceito de corpo já é precedido pela ação/corpo/linguagem. Com isso se desfaz qualquer delimitação universal abstrata e então somos lançados na ambiguidade da questão.


- Manuel Antônio de Castro


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Linguagem é fazer da experienciação do nome/verbo "ser" a poíesis e o éthos (ato ético). "J- Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala. P- Sim, a essência da linguagem não pode ser nada linguístico. É o que também acontece com a formulação 'casa do ser'" (1). Por isso, não se pode ligar só o lógos à linguagem. Comparece com igual valor e vigor: poíesis, éthos (lugar: sintaxe), linguagem/ser, phýsis. É o âmbito da poíesis, éthos e lógos, enquanto alétheia, que configura a linguagem. Por isso, a linguagem dos linguistas é um conceito lógico e jamais poético.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A Caminho da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 91.


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Assim como cada rito não realiza o mito, do mesmo modo cada língua não realiza a linguagem, daí advêm duas consequências: 1ª) toda palavra é insuficiente para dizer a realidade, embora ela só nos advenha como linguagem; 2ª) o poeta diante dessa dissimetria tensional opta pela negação e pela ambiguidade. Esses são os princípios da ironia e de toda poíesis. E nisso consistem a libertação nossa e a do poeta, pela qual articula a liberdade negativa e positiva para realizá-la ontologicamente, na medida em que responde e corresponde à linguagem. Ser livre é responder e corresponder à linguagem.


- Manuel Antônio de Castro


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O tentar dizer o que é a linguagem sempre acaba num limite, num paradoxo: não posso delimitá-la nem dizê-la toda, porque eu já sempre me sirvo dela e, por isso, já estou lançado nela, de modo que é impossível delimitá-la. A linguagem é questão e esta é maior do que o homem. Minhas possibilidades vêm dela, até para poder dizer o que é. Aí surge o paradoxo: a melhor forma de apreender o que é a linguagem é pela fala do silêncio. Por isso, na linguagem cotidiana há uma força oculta que pode eclodir inesperadamente. Na fala cotidiana, a linguagem-tempo se faz sempre presente como eclosão ou como repetição, como algo habitual. O silêncio como medida da linguagem é ainda pouco pensado, pois, pela predominância do ensino da gramática, só se pensa a linguagem como meio, mensagem, mediação. Isso é verdadeiro, mas ela é muito mais. O pensar a linguagem como ambiguidade diz que a realidade inerente à linguagem é tanto o que se dá como o que se retrai, a linguagem é tanto o que se diz como o que se cala, tanto o que se manifesta como o que se guarda. Por isso, não pode haver fala sem escuta. Esta não é a submissão à fala, mas a possibilidade de toda fala. Na escuta, podemos ser mais: a abertura para o silêncio, o vigor de toda fala. Reforçando a linguagem cotidiana e seu duplo agir (como meio e como manifestação, como fala e como silêncio), podemos afirmar que o vigor do silêncio comparece no pensamento dos pensadores, na poesia dos poetas e na convivência dos homens.


- Manuel Antônio de Castro


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O povo grego só experienciou a democracia porque experienciou profundamente a palavra e, com a palavra, o poder da palavra. O poder da palavra enquanto vigor da linguagem é sempre ético. Por isso, é impossível pensar a democracia sem a linguagem. Isso no tempo dos gregos e hoje, mas mais no tempo dos gregos, porque vão experienciar a palavra em níveis radicais: como palavra poética, filosófica e retórica. Daí que para os gregos se eleva e se experiencia tão radicalmente o lógos. Sobretudo nos advém na poesia e no pensamento. Não se pode pensar o poder do povo (democracia) sem o poder da linguagem, mas só na medida em que o povo é tomado pela palavra e não administrado por ela, seja na palavra dos sofistas com a retórica, seja nos jogos de poder dos meios de comunicação. Por isso, o grego é formado na palavra, pela palavra e para a palavra. A cultura grega é linguagem, é lógos. Desabrocham em plenitude enquanto linguagem, daí o poder das suas artes. Linguagem para eles é vida em plenitude. Mas a linguagem pode também ser realizada como algo inessencial, fazendo da palavra um poder manipulatório: é a retórica pela retórica e a erística. É o jogo da dóxa. Mas qual o lugar do diálogo na democracia? Qual o lugar da liberdade na linguagem? Tudo isto é essencial para a democracia, se não consistir num mero conceito. Sem povo não há democracia, mas sem linguagem não há povo.


- Manuel Antônio de Castro


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A linguagem é um enigma porque a realidade é um enigma. A angústia social com os excluídos e com a sobrevivência tende a encobrir que a própria sobrevivência não se deve colocar como o objetivo que está para além da própria realidade, nem fazer desta um simples meio para esse objetivo. É preciso pensar tanto a sobrevivência como a convivência, no âmbito maior da realidade/linguagem. "Pois será mesmo possível transformar a realidade em meio para um fim?... Ao pretender decidir como deve ser a realidade, a necessidade de sobrevivência já bitola de antemão todo esforço, na vã ilusão de impedir que a realidade se mostre e revele como é em si mesma. É que um objetivo não nos descobre, antes nos encobre, a necessidade essencial: abrir-se e expor-se à originalidade do real assim como é em sua originalidade, e não assim como aparece no que agora julgamos necessitar!" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 167.


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A linguagem tem prioridade na construção da realidade como uma construção ficcional: "A experiência do real é facultada pela sua conversão em discurso" (1). Mas o discurso fundador é a ficção do fingere/fingidor de Fernando Pessoa, isto é, dos grandes poetas. Ser poeta não é uma questão social, de discurso ou de gênero. É o deixar-se tomar pela linguagem. Incluir o ser humano dando-lhe a dimensão do humano é levá-lo às possibilidades da linguagem.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: Linha de Pesquisa Revista do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da UVA. Rio de Janeiro, 2000, v. 1, pp. 27-48.


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"A criatividade da experiência cotidiana só parece banal aos ditos da fala. Pois toda situação dita banal remete sempre ao vigor original de seu silêncio" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.


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É preciso pensar a questão da linguagem não só na sua constituição [signo|sígnica]], mas também enquanto imagem não repetida, mas manifestadora. Na cultura pós-moderna, a linguagem como imagem é muito importante. É claro que é essencial pensar como a imagem se torna linguagem, ou seja, se torna portadora de informação e sentido, porque manifestadora da realidade. Daí deriva também a questão do olhar enquanto sentido e realidade e até da função e fundação do próprio eu.


- Manuel Antônio de Castro


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Em Foucault (1), o que se desenvolve como linguagem é a sua conceituação como língua enquanto código, dando informações historiográficas. Não há aí uma reflexão poética e de pensamento da linguagem, pois também ele não se propõe nada mais do que uma epistemologia historiográfica.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 58.


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A linguagem instrumental é o diálogo do significante e do significado reduzidos a meras funções comunicativas ou de transmissão de conhecimentos. A linguagem poética é o diálogo da linguagem e do silêncio na entre-fala das línguas. "O homem se define pelo poder de transcender a condição humana. A essência metafórica da linguagem é solidária da natureza transcendente do homem" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Epistemologia e hermenêutica em Bachelard". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 90, 1987, p. 64.


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"Na experiência numinosa, arcaica e hesiódica da linguagem, o nome do Nume é esse Nume em sua própria Ipseidade. [...] pois o nome é a Presença" (1). O autor trata de seres terríveis e que, por isso, não são pronunciados, porque dizer-lhes o nome é dar-lhes Presença. "O Nume é o seu Nome cuja nomeação funda a Presença do próprio Nome - e, portanto, não signi-fica, mas é" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 97.
(2) Idem, p. 98.


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Para tratar radicalmente da linguagem é necessário estudá-la em sua relação com a questão da liberdade. A questão da relação da linguagem e da liberdade aparece na reflexão sobre a essência do agir e, evidentemente, da própria realidade realizando-se.


- Manuel Antônio de Castro


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O conceito de linguagem como produto da sociedade, embora seja discutido longamente hoje, já constituía o cerne da questão sofista: a linguagem como produto cultural e não natural, ou seja, a arbitrariedade do signo. É a questão central do diálogo de Platão Crátilo. Temos, pois, aí a questão dos sofistas: nómos/lógos em vez de phýsis/nómos. A questão da linguagem como informação também está ligada à linguagem como produto cultural. Só o signo sendo arbitrário, pode-se ligar a linguagem a um código formal na medida em que é cultural, contextual, ou seja, só por ser cultural é que pode ser formal.


- Manuel Antônio de Castro


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"A linguagem - que é concebida e experimentada por Hesíodo como uma força múltipla e numinosa (sagrada) que ele nomeia com o nome de Musas - é filha da Memória, ou seja, este divino Poder traz à Presença o não-presente, coisas passadas ou futuras" (1). "O ser se dá na linguagem porque a linguagem é numinosamente a força-de-nomear" (2). "No caso de Hesíodo, a linguagem é por excelência o sagrado... A experiência do sagrado é a mais viva experiência do que é o mais real e é a mais vivificante experiência de Realidade" (3).


Referências:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 29.
(2) Idem, p. 29.
(3) Idem, p. 30.


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"Por isso, toda efetividade da passagem do concreto ao abstrato do puro ser, em Platão, ocorre não somente porque, de um lado, tudo é mímesis, mas também porque, de outro lado, tudo se torna objeto de uma comunicação pura e simples. A compreensão de Platão liga-se diretamente à noção do vocábulo léxis em que, no Livro III, passa da descrição do tipo de história narrada pelo poeta para pensar sua atividade como uma técnica de comunicação verbal. Essa mudança assinala, na verdade, uma mudança de paradigma a respeito do que vem a ser a própria linguagem. Se com o poeta a linguagem, sob a forma da palavra, é a própria onto-logo-fania do real, isto é, a linguagem é depositária da experiência numinosa arcaica do real, Platão a toma num sentido totalmente diverso, como tecnologia de comunicação. A linguagem em Platão é desatrelada do próprio real para se constituir num elemento intermediário, mediador entre o que é a ideia e o que dela está representado na experiência" (1). "Para Platão agora é léxis não mais lógos. A linguagem daí por diante não pode manifestar nada, mas deve ser instrumento proposicional que executa a correspondência operada por aquele que conhece (sujeito) ao que por ele é conhecido (objeto). A instituição de uma racionalidade abstrata exige a adoção de uma linguagem puramente conceitual e que corresponda integralmente à exatidão do conceito" (2). Fique claro que há muitos Platões, de acordo com os diferentes diálogos. Se, por exemplo, lermos a partir do grego o Fedro, aí veremos como a questão da obra de arte é fundamental como manifestação da realidade, dentro de uma imagem-questão de cada obra como um corpo-vivo.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) AGUIAR, Werner. Música: poética do sentido. Tese de Doutorado. Faculdade de Letras da UFRJ. Programa de Pós-graduação de Ciência da Literatura. Área de Poética, 2004, pp. 15-6.
(2) Idem, p. 16.


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A questão da interpretação remete para o diálogo. Mas aí o essencial é a questão do lógos. E este é complexo em si e mais ainda porque a referência ser-linguagem se dá em amplos níveis e correlações com poíesis (vigor poético), alétheia (desvelamento, verdade), éthos (ética, diferente da moral), sophía (sabedoria) e, sobretudo, a phýsis (nascividade/natureza). Outro aspecto é a techné (técnica). Ora, a partir do lógos (linguagem) e da techné (técnica) surgem as teorias, tendo como atitude o theoreîn grego, isto é, o ver em profundidade. E elas procuram dar conta da questão radical: ser/linguagem. Esta é a questão do diálogo/interpretação. Mas ela pode ser reduzida a conceitos e vamos ter o diá-logo sem o éthos (ética) e poíesis (vigor poético) e sophía (sabedoria), mas visto tecnicamente como comunicação e conversa. Então a linguagem fica reduzida a um instrumento comunicativo sob a égide de um código como rede discursiva num mero contexto. O ser ficou reduzido a um ente, sem éthos nem sophía nem poíesis e o diá-logo se dá na aparência conceitual e identitária. Perde-se a diferença e, aparentemente, a distância, sem jamais haver proximidade e preservação das diferenças. É nesta dimensão em que ocorrem o falatório e os diferentes linguajares ou línguas técnicas: filosófica, teológica, científica (com inúmeras variáveis)... Tudo se dá no plano do ente e não do ser. Mas nós só somos o que somos como entes na medida e na dimensão do ser. Diálogo é sempre afirmação de diferenças no acontecer poético da identidade.


- Manuel Antônio de Castro


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"O acesso à essência de uma coisa nos advém da linguagem. Isso só acontece, porém, quando prestamos atenção ao vigor próprio da linguagem. Enquanto essa atenção não se dá, desenfreiam-se palavras, escritos, programas, numa avalanche sem fim. O homem se comporta como se "'ele fosse criador e senhor da linguagem, ao passo que ela permanece sendo a senhora do homem. Talvez seja o modo de o homem lidar com esse assenhoramento que impele o seu ser para a via da estranheza. É salutar o cuidado com o dizer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 126.


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"Aonde o homem assume a exigência de adentrar a essência de alguma coisa? O homem só pode assumir essa exigência a partir de onde ele a recebe. Ele a recebe no apelo da linguagem. Mas isso, certamente, apenas e enquanto o homem já estiver atento à essência da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167.

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"Em sentido próprio, a linguagem é que fala. O homem fala apenas e somente à medida que co-responde à linguagem, à medida que escuta e pertence ao apelo da linguagem. De todos os apelos que nós, os humanos, devemos conduzir, a partir de nós mesmos, para um dizer, a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por toda parte, o apelo primordial. É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de uma coisa" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 167-8.

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"A densidade imposta pela identidade é uma densidade sem corpo. Desconcretizada, a densidade da identidade faz da linguagem um útil adequado, que deve, por força, corresponder ao objeto identificado. O único compromisso desse processo é que se dê a identidade, significa: que se identifiquem objetos, coisas, situações. Desse modo, a linguagem se subtrai enquanto dinâmica de desencadeamento da realidade, para se ver reduzida a uma modalidade unidimensional de realização, a realização da identificação" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, pp. 51-2.


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"O modo como essa harmonia se dá é primordialmente o dis-curso e não a ideia, isto é, o curso, o caminho que leva ao des-conhecido e que simultaneamente o traz para diante, o manifesta, o movimento que encurta a dis-tância, isto é, estar no di, estar no outro, estar duas vezes, estar no des-conhecido. O dis-curso é o movimento de duas vias em que me dirijo ao desconhecido e o faço vir para mim, é, portanto um movimento harmônico, isto é, o movimento que une no um, ordena o caos e constitui kósmos, uni-verso, o que se verte, o que se dobra concomitantemente em direção ao uno" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 80.


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"Na linguagem da prosa verbal contemporânea, a única presença exigida é a da palavra. Ela é o bastante. Ela é suficiente para tornar presente, abstratamente, qualquer modalidade de ausência. O que se ausenta é abstratamente tornado presente por meio da palavra. A presença de um concreto, a palavra, traz consigo a presença abstrata de outro concreto, aquilo a que a palavra se refere. De um modo geral, é assim que funciona a moderna linguagem verbal" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 174.


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A questão da escrita e da oralidade passa pela essência da linguagem que não é determinada por essas duas possibilidades. Por isso diz Heidegger: "A palavra 'expressão' indica a contraposição, isto é, aquilo contra o que o senhor se põe, pois a sua visão da essência da linguagem não está presa ao caráter fonemático e grafemático das palavras, o que se costuma reapresentar como o caráter expressivo da linguagem" (1). "Seria, portanto, de importância secundária, se a conversa fosse escrita ou soasse apenas em algum tempo ou lugar" (2). Mas essa distinção, aí, já tem como pano de fundo: a essência da linguagem como saga; o sentido originário de con-versa; a implicação da conversa como lugar e este como casa e mundo.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. "De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador". In: A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 101.
(2) Idem, p. 118.
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