Hermenêutica

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Diz Carneiro Leão sobre a hermenêutica originária: "Por isso se impõe sobretudo questionar o próprio poder da ciência em sua impotência de pensar. É o que nos proporciona uma hermenêutica originária. O verbo ''hermenéuein'' significa trazer mensagens. O ''hermeneus'', o mensageiro, pode ser posto em referência com Hermes, o mensageiro dos deuses. Ele traz e transmite a mensagem do [[destino]] que trama as vicissitudes da [[história]] de homens e deuses. Nem toda [[interpretação]] é uma hermenêutica (originária). Somente a que descer até o vigor do [[mistério]] que estrutura a história" (1). "O propósito desta hermenêutica não é corrigir ou substituir-se à ciência. Nem mesmo é o diálogo pelo diálogo, mas exclusivamente o que no diálogo se faz [[linguagem]]: a identidade que misteriosamente reivindica de modo diferente, a nós modernos e aos gregos antigos, por ter aviado a aurora do pensamento no dia do Ocidente" (2).  
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: "Muitos são os [[sentidos]] da [[hermenêutica]].  Sua aplicação, hoje cada vez maior, varia de acordo com a [[conjuntura]] histórica e os objetivos a serem atingidos. Por que a [[hermenêutica]] é tão complexa e seus usos tão variados?  Acontece que ela não se resume, de acordo com os níveis de entendimento, a um simples [[método]] ou a [[procedimentos]] interpretativos. A [[hermenêutica]] é antes e acima de tudo uma [[questão]].
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: [[Hermenêutica]], arte da [[interpretação]], está etimologicamente, de um lado, ligada ao [[verbo]] grego ''hermeneuein'', que significa: exprimir seu [[pensamento]]; fazer [[conhecer]]; [[interpretar]], [[traduzir]]; [[comunicar-se]], e de outro, ao deus ''[[Hermes]]''.  Este é um mito rico de [[significações]], onde destacamos: [[mensageiro]] entre os [[deuses]] e os [[mortais]]; [[deus]] dos [[caminhos]] da [[luz]] e dos [[caminhos]] das [[trevas]]; revelador do [[conhecimento]] (mas nunca diz toda a [[verdade]]); ligado à alquimia e à adivinhação. Esta multiplicidade de [[sentidos]] se faz presente nas vicissitudes da [[hermenêutica]]" (1).
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A questão hermenêutica". In: ---. '''Tempos de Metamorfose'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 17.
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: "A [[situação]] que faz da [[hermenêutica]] uma [[questão]] é, numa primeira aproximação, a [[relação]] do [[leitor]] com o [[texto]].  Está ligada ao [[significado]] de ''hermeneuein'' como [[interpretar]] e [[traduzir]].  Dos dois [[referentes]] da [[situação]] - [[leitor]]] e [[texto]] -, é este último o que em primeiro lugar apresentou problemas de ordem diversa.  Um [[texto]], desde que produzido, incorpora alguns dados, diante dos quais, o [[leitor]] tem que tomar [[posição]].  Estes dados podem ser internos ou externos e se fazem sentir mais difíceis para [[compreender]], sobretudo, quando há um grande distanciamento histórico.  Os externos dizem respeito às [[referências]] contextuais inerentes à [[época]] de sua elaboração.  Já os internos apontam para as variações textuais, decorrentes da [[reprodução]] pelos copistas e da conservação do [[texto]],  e para a mudança de [[significados]] de certos [[vocábulos]], uma vez que uma [[língua]] é um todo dinâmico" (1).
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Os pensadores originários''. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 15.
 
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:(2) Idem, p. 16.
 
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A questão hermenêutica". In: ---. '''Tempos de Metamorfose'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 18.
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:Ronaldes de Melo e Souza distingue muito bem uma hermenêutica [[ontologia|ontológica]] de uma hermenêutica metodológica ao comentar a hermenêutica filosófica de Gadamer através de algumas oposições esclarecedoras: 1) [[Verdade]] x [[método]], 2) Ontologia x metodologia, 3) Hermenêutica x [[epistemologia]]. Ele faz aparecer a hermenêutica ontológica na medida em que a vai contrapondo à epistemologia. Outra faceta que vai aparecer é a ligação da hermenêutica ontológica com a [[ética]]. Essa dimensão é sutil porque a ética não é algo ao lado da hermenêutica ontológica, mas seu traço mais fundamental. Isso se pode compreender na afirmação de Souza: "compreender é compreender-se" (1). A hermenêutica epistemológica se decide no ato de interpretar. Essa pode se abrir para a ontologia da compreensão ou pode simplesmente ficar numa epistemologia da interpretação. A hermenêutica ontológica só acontece no dialogar, pois todo dialogar ontológico é dialogar-se, isto é, dar-se à escuta do ''lógos''.
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: "À articulação em que se dá a compreensão dessa mútua e inseparável relação de ser e homem pela existência chamamos hermenêutica. Como compreensão da [[existência]], a hermenêutica articula o [[sentido]] do ser, considera-o em toda sua [[ambiguidade]] e não lhe impõe resistências que não sejam dele mesmo advindas!" (1). "Não há, pois, na hermenêutica qualquer característica de intencionalidade, uma vez que ela não é fruto da consciência subjetiva, mas se encontra numa dimensão de pré-compreensão do próprio ''Dasein'', que nós mesmos somos" (2).
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:Hermes, ao transcender os domínios do [[caos]] e do [[cosmos]] reúne-os como linguagem do sentido e do não-sentido. "Hermes é o nome divino para a instalação do domínio do mistério em meio à vida ensolarada do cotidiano" (3).
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Referência:
 
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:(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "A ética concriativa de Gadamer". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', nº 94. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1988, pp. 69-86.
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: Referências:
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== 3 ==
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: (1) AGUIAR, Werner. ''Música: poética do sentido.'' Tese de Doutorado. Faculdade de Letras da UFRJ. Pós-Graduação em Ciência da Literatura. Área de Poética, 2004, p. 117.
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:"À articulação em que se dá a compreensão dessa mútua e inseparável relação de ser e homem pela existência chamamos hermenêutica. Como compreensão da [[existência]], a hermenêutica articula o [[sentido]] do ser, considera-o em toda sua [[ambiguidade]] e não lhe impõe resistências que não sejam dele mesmo advindas!" (1). "Não há, pois, na hermenêutica qualquer característica de intencionalidade, uma vez que ela não é fruto da consciência subjetiva, mas se encontra numa dimensão de pré-compreensão do próprio ''Dasein'', que nós mesmos somos" (2).
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: (2) Idem, p. 5
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:Hermes, ao transcender os domínios do [[caos]] e do [[cosmos]] reúne-os como linguagem do sentido e do não-sentido. "Hermes é o nome divino para a instalação do domínio do mistério em meio à vida ensolarada do cotidiano" (3).
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: (3) Idem, p. 10.
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: À manifestação da [[compreensão]] da [[referência]] da ''essência do humano'' e ''Ser'', enquanto linguagem, dá-se o nome de hermenêutica poético-ontológica. Esta se diferencia de outras como a hermenêutica epistemológica ou filosófica, a jurídica, a teológica. Pensar hermenêutica é pensar Hermes ou a Palavra como lugar, isto é, a [[transcendência]] do ser humano enquanto abertura de [[mundo]]. Na abertura ou transcendência o ser humano acontece enquanto [[entre-ser]]. [[Interpretar]] poeticamente é vigorar sempre no [[horizonte]] de articulação de ser e entre-ser (ex-istência) enquanto linguagem ético-poética, onde a compreensão enquanto [[sentido]] implica o ''[[éthos]]'' e a ''poíesis'' do ser. Por isso, interpretar é interpretar-se a partir da medida de todas as dimensões e medidas: o [[ser]]/[[nada]] ou a [[realidade]] de toda [[realização]] como [[real]]. Enquanto ''[[éthos]]'' e ''[[poíesis]]'' o [[ser]] advém sempre como ''[[logos]]''. Daí que [[interpretar]], no sentido poético-hermenêutico, é [[dialogar]]. O que vigora no [[diálogo]] poético-hermenêutico é a [[escuta]] do ''[[logos]]''. Sem [[autoescuta]] do ''[[logos]]'' não há [[diálogo]] [[poético]]. Todas as [[obras de arte]] solicitam e aguardam o [[diálogo]] [[poético]].
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Referências:
 
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:(1) AGUIAR, Werner. ''Música: poética do sentido.'' Tese de Doutorado. Faculdade de Letras da UFRJ. Pós-Graduação em Ciência da Literatura. Área de Poética, 2004, p. 117.
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: '''Ver também:'''
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:(2) Idem, p. 5
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:(3) Idem, p. 10.
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: *[[Intencionalidade]]
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:À manifestação da [[compreensão]] da [[referência]] da ''essência do humano'' e ''Ser'', enquanto linguagem, dá-se o nome de hermenêutica poético-ontológica. Esta se diferencia de outras como a hermenêutica epistemológica ou filosófica, a jurídica, a teológica. Pensar hermenêutica é pensar Hermes ou a Palavra como lugar, isto é, a [[transcendência]] do ser humano enquanto abertura de [[mundo]]. Na abertura ou transcendência o ser humano acontece enquanto [[entre-ser]]. [[Interpretar]] poeticamente é vigorar sempre no [[horizonte]] de articulação de ser e entre-ser (ex-istência) enquanto linguagem ético-poética, onde a compreensão enquanto [[sentido]] implica o ''éthos'' e a ''poíesis'' do ser. Por isso, interpretar é interpretar-se a partir da medida de todas as dimensões e medidas: o ser/ nada ou a realidade de toda realização como real. Enquanto ''éthos'' e ''poíesis'' o ser advém sempre como ''lógos''. Daí que interpretar, no sentido poético-hermenêutico, é dialogar. O que vigora no diálogo poético-hermenêutico é a escuta do ''lógos''. Sem auto-escuta do ''lógos'' não há diálogo poético. Todas as obras de arte solicitam e aguardam o diálogo poético.
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: "Aqui chegamos ao [[sentido]] originário de Hermenêutica.  Na raiz de seu exercício, a hermenêutica não é nem [[teoria]] nem processo de [[interpretação]].  É o [[acontecer]] da [[Linguagem]] no [[Mistério]] na [[estrutura]] da [[língua]].  Há sempre hermenêutica.  O que não há sempre é interpretação consciente de hermenêutica.  Pois essa só se dá quando a Linguagem do Mistério vigente na interpretação recolhe em si todas as línguas das [[palavras]] de um texto" (1).
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Aprendendo a pensar I''. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 219.
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: Ronaldes de Melo e Souza distingue muito bem uma hermenêutica [[ontologia|ontológica]] de uma hermenêutica metodológica ao comentar a hermenêutica filosófica de Gadamer através de algumas oposições esclarecedoras: 1) [[Verdade]] x [[método]], 2) Ontologia x metodologia, 3) Hermenêutica x [[epistemologia]]. Ele faz aparecer a hermenêutica ontológica na medida em que a vai contrapondo à epistemologia. Outra faceta que vai aparecer é a ligação da hermenêutica ontológica com a [[ética]]. Essa dimensão é sutil porque a ética não é algo ao lado da [[hermenêutica]] ontológica, mas seu traço mais fundamental. Isso se pode compreender na afirmação de Souza: "...[[compreender]] é [[compreender-se]]" (1). A hermenêutica epistemológica se decide no ato de [[interpretar]]. Essa pode se abrir para a [[ontologia]] da [[compreensão]] ou pode simplesmente ficar numa [[epistemologia]] da [[interpretação]]. A [[hermenêutica]] [[ontológica]] só acontece no [[dialogar]], pois todo [[dialogar]] ontológico é [[dialogar-se]], isto é, dar-se à escuta do ''logos''. Enfim: interpretar-se, dialogar-se, compreender-se.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referência:
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: (1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "A ética concriativa de Gadamer". In: ''Revista Tempo Brasileiro'', nº 94. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1988, pp. 69-86.
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:“A hermenêutica da [[leitura]] está em perceber o quanto de [[todo]] há em cada [[parte]], reter na porção de um punhado de palavras a musicidade de uma obra de arte” (1).
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: (1) PESSANHA, Fábio Santana. ''A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 156.
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: "A [[relação]] [[leitor]] / [[texto]] exige a intervenção explícita de uma [[interpretação]], mas ainda uma [[interpretação]] relativa ao [[texto]], em sua organização e produção histórico-textual.  Porém, havia uma outra [[dimensão]] que fazia comparecer a [[interpretação]], não porque o [[texto]] não fosse legível , mas porque o seu significado era [[misterioso]].  É aí que se faz presente o [[mito]] de [[Hermes]], como o que medeia a [[linguagem]] dos [[deuses]] para a [[língua]] dos [[mortais]].  Neste caso, a [[hermenêutica]], embora ainda só se atenha ao [[texto]], já articula uma [[realidade]] [[transcendente]] e outra [[imanente]].  Parte-se do domínio gramatical para o correto encaminhamento do sentido figurativo ou [[alegórico]].  À correta [[interpretação]] do que está expresso [[simbolicamente]], à [[manifestação]] dessa outra [[realidade]] do [[texto]] deu-se o nome de [[exegese]].  Esta [[metodologia]] é sobretudo desenvolvida pelo cristianismo, diante dos textos sagrados reunidos na [[Bíblia]], considerados a [[Palavra]] de [[Deus]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A questão hermenêutica". In: -------. ''Tempos de Metamorfose''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 18.
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: Diz Carneiro Leão sobre a hermenêutica originária: "Por isso se impõe sobretudo questionar o próprio poder da ciência em sua impotência de pensar. É o que nos proporciona uma hermenêutica originária. O verbo ''hermenéuein'' significa trazer mensagens. O ''hermeneus'', o mensageiro, pode ser posto em referência com Hermes, o mensageiro dos deuses. Ele traz e transmite a mensagem do [[destino]] que trama as vicissitudes da [[história]] de homens e deuses. Nem toda [[interpretação]] é uma hermenêutica (originária). Somente a que descer até o vigor do [[mistério]] que estrutura a história" (1). "O propósito desta hermenêutica não é corrigir ou substituir-se à ciência. Nem mesmo é o diálogo pelo diálogo, mas exclusivamente o que no diálogo se faz [[linguagem]]: a identidade que misteriosamente reivindica de modo diferente, a nós modernos e aos gregos antigos, por ter aviado a aurora do pensamento no dia do Ocidente" (2).
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Referências:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Os pensadores originários''. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 15.
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: (2) Idem, p. 16.
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: "A [[hermenêutica]] como [[arte]] de [[interpretar]] e de [[ler]], ela faz repercutir sobre si mesma, sobre a sua própria atividade de [[leitura]] e [[interpretação]], os [[princípios]] e as [[atitudes]] que ela desencadeia, e essa [[interpretação]] da [[hermenêutica]] remetia para o [[princípio]] de que toda a [[cultura]], toda a [[criação]], se articula dentro de uma maneira nova de [[sentir]] o primado da [[linguagem]]. Daí [[Hermenêutica]], como todos nós sabemos, é um derivado de  '''Ermes'', de [[Hermes]], que é o mesmo no indo-europeu, o [[nome]] [[Hermes]] é o mesmo [[radical]] que deu em latim ''sermo, verbum'', que vai dar nas línguas neolatinas [[verbo]], e que vem para a [[origem]] germânica. A ala germânica do indo-europeu originou a [[palavra]] ''Wort'', Word, é o mesmo radical, o radical indo-europeu é *''wre ou *''wer, de onde vem ''wer, word, wre, Wort, verbum, sermo'', e em grego  ' ''erm''  " (1).
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: Referência:
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: LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Hermenêutica e mito". ''Cadernos de Letras'', No. 11, Faculdade de Letras, Departamento de Letras Anglo-Germâicas. UFRJ, 1995, P. 17.
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: "O [[caminho]] sempre pressupõe duas margens e um “[[entre]]”. A este “[[entre]]” das margens os [[gregos]] denominaram: ''meta'': que significa “através de, [[entre]]”. ''Hodos'' significa [[caminho]]. Daqui se origina a [[palavra]] portuguesa [[método]]. Este pressupõe um [[caminho]] que se dá através do “[[entre]]”. O “''[[deus]]''” dos [[caminhos]], da [[verdade]], da ambiguidade, das encruzilhadas, os [[gregos]] tematizaram no [[mito]] de [[Hermes]]. Como mediador, é a [[imagem-questão]] do [[ser humano]], enquanto se realiza percorrendo o [[caminho]] do que [[é]]. De [[Hermes]] se formou, em [[grego]], o [[substantivo]] ''[[hermeneuia]]''. Os latinos a traduziram como: [[interpretação]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 204.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: "A [[hermenêutica]] [[poético-ontológica]] se distingue não só no seu [[saber]] mas também no seu ''[[krinein]]''. Primeiro, porque é um [[saber]] tanto do como quanto do que é; segundo, porque é um ''[[krinein]]'' do, no e a partir do “[[entre]]”. Por isso, se dá o [[nome]] a esta [[hermenêutica]] de [[poético-ontológica]], porque só é [[possível]] no [[circular]] do [[que é]] e do [[como é]], porque ''[[krinein]]'' se dá na [[vigência]] ambígua do “[[entre]]” do [[ser]] e do [[conhecer]], do [[como ser]] e do [[como conhecer]], do [[que é]] e do [[como é]]" (1).
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:'''Ver também:'''
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: Referência:  
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:*[[Intencionalidade]]
+
: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. In: ---. "Coisa como questão". '''Ensaio''' ainda não publicado.

Edição atual tal como 21h48min de 1 de Julho de 2022

1

"Muitos são os sentidos da hermenêutica. Sua aplicação, hoje cada vez maior, varia de acordo com a conjuntura histórica e os objetivos a serem atingidos. Por que a hermenêutica é tão complexa e seus usos tão variados? Acontece que ela não se resume, de acordo com os níveis de entendimento, a um simples método ou a procedimentos interpretativos. A hermenêutica é antes e acima de tudo uma questão.
Hermenêutica, arte da interpretação, está etimologicamente, de um lado, ligada ao verbo grego hermeneuein, que significa: exprimir seu pensamento; fazer conhecer; interpretar, traduzir; comunicar-se, e de outro, ao deus Hermes. Este é um mito rico de significações, onde destacamos: mensageiro entre os deuses e os mortais; deus dos caminhos da luz e dos caminhos das trevas; revelador do conhecimento (mas nunca diz toda a verdade); ligado à alquimia e à adivinhação. Esta multiplicidade de sentidos se faz presente nas vicissitudes da hermenêutica" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A questão hermenêutica". In: ---. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 17.

2

"A situação que faz da hermenêutica uma questão é, numa primeira aproximação, a relação do leitor com o texto. Está ligada ao significado de hermeneuein como interpretar e traduzir. Dos dois referentes da situação - leitor] e texto -, é este último o que em primeiro lugar apresentou problemas de ordem diversa. Um texto, desde que produzido, incorpora alguns dados, diante dos quais, o leitor tem que tomar posição. Estes dados podem ser internos ou externos e se fazem sentir mais difíceis para compreender, sobretudo, quando há um grande distanciamento histórico. Os externos dizem respeito às referências contextuais inerentes à época de sua elaboração. Já os internos apontam para as variações textuais, decorrentes da reprodução pelos copistas e da conservação do texto, e para a mudança de significados de certos vocábulos, uma vez que uma língua é um todo dinâmico" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A questão hermenêutica". In: ---. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 18.

3

"À articulação em que se dá a compreensão dessa mútua e inseparável relação de ser e homem pela existência chamamos hermenêutica. Como compreensão da existência, a hermenêutica articula o sentido do ser, considera-o em toda sua ambiguidade e não lhe impõe resistências que não sejam dele mesmo advindas!" (1). "Não há, pois, na hermenêutica qualquer característica de intencionalidade, uma vez que ela não é fruto da consciência subjetiva, mas se encontra numa dimensão de pré-compreensão do próprio Dasein, que nós mesmos somos" (2).
Hermes, ao transcender os domínios do caos e do cosmos reúne-os como linguagem do sentido e do não-sentido. "Hermes é o nome divino para a instalação do domínio do mistério em meio à vida ensolarada do cotidiano" (3).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) AGUIAR, Werner. Música: poética do sentido. Tese de Doutorado. Faculdade de Letras da UFRJ. Pós-Graduação em Ciência da Literatura. Área de Poética, 2004, p. 117.
(2) Idem, p. 5
(3) Idem, p. 10.

4

À manifestação da compreensão da referência da essência do humano e Ser, enquanto linguagem, dá-se o nome de hermenêutica poético-ontológica. Esta se diferencia de outras como a hermenêutica epistemológica ou filosófica, a jurídica, a teológica. Pensar hermenêutica é pensar Hermes ou a Palavra como lugar, isto é, a transcendência do ser humano enquanto abertura de mundo. Na abertura ou transcendência o ser humano acontece enquanto entre-ser. Interpretar poeticamente é vigorar sempre no horizonte de articulação de ser e entre-ser (ex-istência) enquanto linguagem ético-poética, onde a compreensão enquanto sentido implica o éthos e a poíesis do ser. Por isso, interpretar é interpretar-se a partir da medida de todas as dimensões e medidas: o ser/nada ou a realidade de toda realização como real. Enquanto éthos e poíesis o ser advém sempre como logos. Daí que interpretar, no sentido poético-hermenêutico, é dialogar. O que vigora no diálogo poético-hermenêutico é a escuta do logos. Sem autoescuta do logos não há diálogo poético. Todas as obras de arte solicitam e aguardam o diálogo poético.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Intencionalidade

5

"Aqui chegamos ao sentido originário de Hermenêutica. Na raiz de seu exercício, a hermenêutica não é nem teoria nem processo de interpretação. É o acontecer da Linguagem no Mistério na estrutura da língua. Há sempre hermenêutica. O que não há sempre é interpretação consciente de hermenêutica. Pois essa só se dá quando a Linguagem do Mistério vigente na interpretação recolhe em si todas as línguas das palavras de um texto" (1).


Referência
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar I. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 219.


6

Ronaldes de Melo e Souza distingue muito bem uma hermenêutica ontológica de uma hermenêutica metodológica ao comentar a hermenêutica filosófica de Gadamer através de algumas oposições esclarecedoras: 1) Verdade x método, 2) Ontologia x metodologia, 3) Hermenêutica x epistemologia. Ele faz aparecer a hermenêutica ontológica na medida em que a vai contrapondo à epistemologia. Outra faceta que vai aparecer é a ligação da hermenêutica ontológica com a ética. Essa dimensão é sutil porque a ética não é algo ao lado da hermenêutica ontológica, mas seu traço mais fundamental. Isso se pode compreender na afirmação de Souza: "...compreender é compreender-se" (1). A hermenêutica epistemológica se decide no ato de interpretar. Essa pode se abrir para a ontologia da compreensão ou pode simplesmente ficar numa epistemologia da interpretação. A hermenêutica ontológica só acontece no dialogar, pois todo dialogar ontológico é dialogar-se, isto é, dar-se à escuta do logos. Enfim: interpretar-se, dialogar-se, compreender-se.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "A ética concriativa de Gadamer". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 94. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1988, pp. 69-86.

7

“A hermenêutica da leitura está em perceber o quanto de todo há em cada parte, reter na porção de um punhado de palavras a musicidade de uma obra de arte” (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 156.


8

"A relação leitor / texto exige a intervenção explícita de uma interpretação, mas ainda uma interpretação relativa ao texto, em sua organização e produção histórico-textual. Porém, havia uma outra dimensão que fazia comparecer a interpretação, não porque o texto não fosse legível , mas porque o seu significado era misterioso. É aí que se faz presente o mito de Hermes, como o que medeia a linguagem dos deuses para a língua dos mortais. Neste caso, a hermenêutica, embora ainda só se atenha ao texto, já articula uma realidade transcendente e outra imanente. Parte-se do domínio gramatical para o correto encaminhamento do sentido figurativo ou alegórico. À correta interpretação do que está expresso simbolicamente, à manifestação dessa outra realidade do texto deu-se o nome de exegese. Esta metodologia é sobretudo desenvolvida pelo cristianismo, diante dos textos sagrados reunidos na Bíblia, considerados a Palavra de Deus" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A questão hermenêutica". In: -------. Tempos de Metamorfose. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 18.


9

Diz Carneiro Leão sobre a hermenêutica originária: "Por isso se impõe sobretudo questionar o próprio poder da ciência em sua impotência de pensar. É o que nos proporciona uma hermenêutica originária. O verbo hermenéuein significa trazer mensagens. O hermeneus, o mensageiro, pode ser posto em referência com Hermes, o mensageiro dos deuses. Ele traz e transmite a mensagem do destino que trama as vicissitudes da história de homens e deuses. Nem toda interpretação é uma hermenêutica (originária). Somente a que descer até o vigor do mistério que estrutura a história" (1). "O propósito desta hermenêutica não é corrigir ou substituir-se à ciência. Nem mesmo é o diálogo pelo diálogo, mas exclusivamente o que no diálogo se faz linguagem: a identidade que misteriosamente reivindica de modo diferente, a nós modernos e aos gregos antigos, por ter aviado a aurora do pensamento no dia do Ocidente" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Os pensadores originários. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 15.
(2) Idem, p. 16.


10

"A hermenêutica como arte de interpretar e de ler, ela faz repercutir sobre si mesma, sobre a sua própria atividade de leitura e interpretação, os princípios e as atitudes que ela desencadeia, e essa interpretação da hermenêutica remetia para o princípio de que toda a cultura, toda a criação, se articula dentro de uma maneira nova de sentir o primado da linguagem. Daí Hermenêutica, como todos nós sabemos, é um derivado de 'Ermes, de Hermes, que é o mesmo no indo-europeu, o nome Hermes é o mesmo radical que deu em latim sermo, verbum, que vai dar nas línguas neolatinas verbo, e que vem para a origem germânica. A ala germânica do indo-europeu originou a palavra Wort, Word, é o mesmo radical, o radical indo-europeu é *wre ou *wer, de onde vem wer, word, wre, Wort, verbum, sermo, e em grego ' erm " (1).


Referência:
LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Hermenêutica e mito". Cadernos de Letras, No. 11, Faculdade de Letras, Departamento de Letras Anglo-Germâicas. UFRJ, 1995, P. 17.


11

"O caminho sempre pressupõe duas margens e um “entre”. A este “entre” das margens os gregos denominaram: meta: que significa “através de, entre”. Hodos significa caminho. Daqui se origina a palavra portuguesa método. Este pressupõe um caminho que se dá através do “entre”. O “deus” dos caminhos, da verdade, da ambiguidade, das encruzilhadas, os gregos tematizaram no mito de Hermes. Como mediador, é a imagem-questão do ser humano, enquanto se realiza percorrendo o caminho do que é. De Hermes se formou, em grego, o substantivo hermeneuia. Os latinos a traduziram como: interpretação" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 204.

12

"A hermenêutica poético-ontológica se distingue não só no seu saber mas também no seu krinein. Primeiro, porque é um saber tanto do como quanto do que é; segundo, porque é um krinein do, no e a partir do “entre”. Por isso, se dá o nome a esta hermenêutica de poético-ontológica, porque só é possível no circular do que é e do como é, porque krinein se dá na vigência ambígua do “entre” do ser e do conhecer, do como ser e do como conhecer, do que é e do como é" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. In: ---. "Coisa como questão". Ensaio ainda não publicado.
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