Arte

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 11h26min de 28 de Julho de 2015 por Fábio (Discussão | contribs)

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Segundo Heidegger, pensar a arte se faz a partir da sua essência, isso significa compreender a arte a partir da sua definição: "o pôr-se-em-obra da verdade" (1). Nessa definição se dá a conexão entre obra e arte. Para pensar a arte é necessário pensar as obras e para pensar as obras é necessário pensar a arte. Por isso, pergunta: "o que é a verdade para que ela possa ou até mesmo tenha de acontecer como arte? Em que medida há arte em geral?" (2). Quando define a arte como ins-werk-setzen-der Wahreit, há aí ambiguidade. Diz: "Mas esta determinação é conscientemente ambígua. Ela diz, por um lado: a arte é o estabelecimento da verdade que se institui na forma. Isso acontece na criação como produção (hervor-bringen) da desocultação do ente. Mas ao mesmo tempo, pôr-em-obra quer dizer: pôr em andamento e levar a acontecer o ser-obra. Tal acontece como salvaguarda. A arte é então: a salvaguarda criadora da verdade na obra. A arte é, pois, um devir e um acontecer da verdade" (3). Como podemos ver, há uma dupla definição da arte: na primeira destaca-se a verdade e a obra, mostrando a necessidade da obra como ser-produzido, como ente, já na segunda destaca-se o acontecer e o devir permanente (resultando na salvaguarda) da verdade.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. Origem da obra da arte. Trad. Maria da Conceição Costa. Lisboa: Edições 70, 1992, p. 46.
(2) Idem, p. 46.
(3) Idem, p. 57.


Ver também:


2

"As coisas da arte são sempre resultado de ter estado a perigo, de ter ido até o fim em uma experiência, até um ponto que ninguém consegue ultrapassar" (1). "Na arte, só podemos permanecer na força de quem 'pode' e, pelo fato de permanecermos aí, essa força cresce e sempre volta a nos ultrapassar" (2). Essa passagem diz respeito ao próprio enigma da interpretação.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) RILKE, Rainer Maria. Cartas sobre Cézanne. Rio de Janeiro: 7Letras, 1996, p. 24.
(2) Idem, p. 28.


3

Ernesto Grassi, citando Malreaux, diz: "A religião só podia ser isto quando deixou de ser crença: as suas representações tiveram primeiro que passar por uma antecâmara" (1). Na realidade, trata-se aí da questão da fé e da arte. Quanto ao sagrado, elas não discordam. Pois, perdendo a sua função religiosa, dentro de um mundo de fé, aparece o vigor da obra como arte. O que se perdeu na função religiosa foi um determinado mundo. E do vigor da obra o mundo como tal em disputa com a terra vem ainda mais forte. Porém, esse poder da obra foi encoberto ou pela leitura estética ou pela leitura formal dos estilos de época. Época aí é apenas algo historiográfico sem o vigor histórico da arte. A história da arte pelos estilos de época tem apenas um valor de acumulação de conhecimentos formais sem nenhum vigor ético e poético.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) GRASSI, Ernesto. Arte e mito. Lisboa: Livros do Brasil, 1979, p. 140.


4

Ernesto Grassi, no livro Arte e mito (1), faz um encaminhamento do entendimento de arte em que procura ligar Platão ao zen-budismo. Ele procura articular a arte com a arte do tiro ao alvo. É complementar à reflexão de Heidegger, em que nos propõe a arte como disputa de mundo e terra, e acentua a paideia poética ou a obra como a escuta da fala do lógos. As referências de Erneto Grassi a Platão são feitas a partir do diálogo Íon, de que faz uma longa citação, mas também poderia referir-se ao Fedro. Teríamos três dimensões complementares na obra de arte:
1º: manifestação de mundo.
2º: obra, diálogo e escuta como travessia poética.
3º: a questão do sagrado, da arte do tiro ao alvo.
O que vai unir essas três dimensões é a linguagem como tempo, mundo e memória.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) GRASSI, Ernesto. Arte e mito. Lisboa: Livros do Brasil, 1979, p. 102.


5

A poíesis não é. Dá-se. No filme O herói, o diretor em determinado momento trata do pólemos (em grego: disputa/guerra). Em geral, a disputa nunca é pensada como arte/poíesis, só como tékhne. Porém, ela desdobra a disputa em três diferentes forças ou energias que, para serem corpo, precisam estar unidas. São elas: a física, metaforizada na espada, que nos remete para todas as armas; a mental, o domínio de técnicas; e a terceira força que, na disputa, não pode sofrer interferências: a psíquico-erótica. Essa última desestabiliza as duas anteriores, porque nelas predomina a poíesis, que é a dimensão mais radical da linguagem. O diretor dá dois modos de convivência com a poíesis/linguagem: a música e a arte do diagrama. Só que, nesse caso, tal arte não consiste em pintar exatamente o diagrama, mas em manifestar as ambiguidades do entre. Em tais ambiguidades sempre se faz presente uma técnica. Aqui teríamos uma invenção de Hermes: a lira. Porém, ela é doada a Apolo, o deus da técnica. Nesta força comparece o ser-com, mas sempre a partir do entre. Mas isso ocorre porque em todas as forças e modos de realização da técnica pode-se fazer presente a poíesis ou não. Se acontece, é o que poderia se nomear inter-disciplinaridade poética.


- Manuel Antônio de Castro


6

"As artes, enquanto musas, são as filhas da memória. Por isso, toda obra de arte opera o "entre" enquanto memória e tempo, linguagem e poíesis, onde o operar não é da obra, mas da verdade, ou seja, o "entre" enquanto desvelar-se e velar-se. Tal 'entre' é o originário de mundo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o 'entre'". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: número 164, jan.-mar. 2006, p. 34.


7

Nossas explicações sobre as obras de arte, seja em relação a cada obra, seja na sua classificação histórica através das histórias da arte, são excelentes meios para nos afastarem do que é a obra de arte em seu operar essencial e artístico. Se não são esses os meios e processos adequados, como proceder? É necessário a reunião do hétero-diálogo com o auto-diálogo, ou seja, é necessário dialogar com a obra de arte. Mas todo dialogar pressupõe uma abertura de escuta e frequentação da obra, onde se cultive a proximidade efetiva do afeto, deixando-se tomar pela força poética da coragem do coração.


- Manuel Antônio de Castro


8

Toda obra de arte é originária. Ela não é a-temporal.Pelo contrário, é o tempo em sua densidade máxima, porque na obra de arte acontece poeticamente o tempo da memória.


Referência:
CASTRO, Manuel Antônio de. "A menina e a bicicleta". In: Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.


9

O sentido das obras de arte advém do ser e não do fundamento causal. Em arte não há causa. Toda obra de arte é sem porquê. Há sim, nas obras de arte a tensão de estar, os procedimentos, e o ser, o sentido e mundo que nelas se manifestam.


Referência:
CASTRO, Manuel Antônio de. "Ser e estar". In: Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 29


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"Pois Arte não é obra, artista não é feitor de obras. A Arte é a experiência originária de um novo princípio que na viagem dos discursos pelo país dos homens vai desvelando o verbo histórico da realidade. O artista é o pensador do futuro que,no presente, deixa o passado passar" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Arte e filosofia". In: Revista Tempo Brasileiro, 64, jan.-mar., 1981, p. 43.


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Arte é desafio humano de criação. Mas o que é criar? O que é ser humano? Por etapas: A concepção de criar ressente-se dos humanismos, frutos de uma metafísica do esquecimento do sentido do Ser. Por metafísica entenda-se aí fundamento. O Cristianismo, via Judaísmo, traduziu o Ser / Physis como fundamento e este como Deus, o Criador. Logo, Deus é o criador de entes e como fundamento tornou-se o ente absoluto, ou seja, o "Então". O que ficou aí esquecido é o sentido do Ser em seu mistério, irredutível à totalidade dos entes, a um "Então". Portanto, a criação não depende de um fundamento, tradicionalmente identificado com sujeito (em grego hypokeimenon e em latim subjectum). Então em arte, o ser humano, identificado ao sujeito, tornou-se o criador das obras de arte, que é uma contradição metafísica. Em verdade o ser humano não cria nada. Ele tem de enfrentar o grande desafio. Qual? De um lado, não nos criamos, de outro, já estamos projetados nas questões, que não criamos, ninguém cria, pois são elas que nos têm, se apossam de nós, independentemente de nossa vontade. É então que entra aí o propriamente humano, ou seja, o artístico: responder ao desafio das questões. Cada obra de arte manifesta o humano porque cada uma é uma tentativa de resposta às questões. E nisso consiste a "criação" artística, ou seja, manifestação do humano. Mas nenhuma resposta dá conta e elimina a questão, porque somos o fundamento ou sujeito das respostas, não das questões. As questões são fundadas pelo Nada. Somos fundados pelo nada. Então criar é responder às questões originárias de modo original, porque cada situação, sempre diferente em seu acontecer, exige de nós novas respostas, ou seja, novas obras de arte, onde o humano se manifesta como destinado pelas questões do sentido do Ser, do Inesperado, no dizer de Heráclito (frag. 18). Cada obra de arte produz manifestação de mundo, o sentido do Ser que se destina no ser humano enquanto pensar. Eis aí a essência verbal da arte em suas épocas e, portanto, da necessidade do contemporâneo.


- Manuel Antônio de Castro

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“O virtual é a sofística da contemporaneidade. O maior desafio da arte no virtual está em resistir às possibilidades de causar ilusão, subtraindo-se a buscar o sentido profundo enquanto a regência de toda parafernália informática” (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. “Apresentação”. In: WEINBERG, Alexandre. O que é virtual? Teresópolis: Daimon Editora, 2009, p. 6.