Éthos

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:É interessante que como dimensão do [[agir]], temos sempre necessidade da presentificação do ''éthos'', daí a tentação de querer transformar o ''éthos'' em moral, princípios, regras, normas. Ocorre que quando dizemos que o ''éthos'' é [[morada]] do [[ser]], o que estamos afirmando, na verdade, é o ''éthos'' como [[limiar]]. Daí que ele, ao mesmo tempo que vige na dimensão do visível e sabível e querível e etc., se move também no não-visível, não-sabível, não-querível. O ''éthos'' é como tal o limiar, no sentido da [[medida]] das medidas, no sentido de que é o E insondável e abismal, pelo qual somos o entre-cruzamento de verticalidade e horizontalidade, o ''pérvio'' de toda tra-vessia. Essa é a morada do ser E não-ser, onde como ''[[lógos]]'' o ''éthos'' reúne na ''[[poíesis]]'' o velar e desvelar da ''[[phýsis]]''.
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: É interessante que como [[dimensão]] do [[agir]], temos sempre necessidade da presentificação do ''[[éthos]]'', daí a tentação de [[querer]] transformar o ''[[éthos]]'' em [[moral]], [[princípios]], regras, normas. Ocorre que quando dizemos que o ''[[éthos]]'' é [[morada]] do [[ser]], o que estamos afirmando, na verdade, é o ''[[éthos]]'' como [[limiar]]. Daí que ele, ao mesmo tempo que vige na [[dimensão]] do visível e sabível e querível etc., se move também no não-visível, não-sabível, não-querível. O ''[[éthos]]'' é, como tal, o [[limiar]], no [[sentido]] da [[medida]] das medidas, no [[sentido]] de que é o insondável e abismal, pelo qual somos o entre-cruzamento de verticalidade e horizontalidade. Essa é a [[morada]] do [[ser]] e [[não-ser]], onde como ''[[lógos]]'' o ''[[éthos]]'' reúne na ''[[poíesis]]'' o [[velar]] e [[desvelar]] da ''[[phýsis]]''.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: Podemos, portanto, dizer que o [[ser humano]] se diferencia de todos os demais [[entes]] da ''[[physis]]'' pelo ''[[ethos]]'', ''[[logos]]'' e ''[[poiesis]]''. Estas [[dimensões]] se implicam essencialmente.
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: ''[[Manuel Antônio de Castro]]''
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''Heráclito''. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 218.
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: Referências:
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:(2) Idem, p. 228.
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:(3) Idem, pp. 225-7.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. '''Heráclito'''. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 218.
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:''Éthos'' nunca diz respeito a normas, como é o caso da [[moral]] ou dos costumes. ''Éthos'' é a [[abertura]] como tal, a partir da qual a ''phýsis'' se destina no homem sempre como a livre possibilidade de realizar a existência do [[agir]] como manifestação da ''[[phýsis]]''/''dzoé'' em seu sentido. Esta realização livre no [[aberto]] da abertura é a ''poíesis'' enquanto ''[[lógos]]''. Por isso, o ''éthos'' é sempre co-letivo. Mas não podemos dizer que as formigas têm [[linguagem]] porque também cumprem tarefas coletivas. Nelas falta o ''éthos'' que dá um sentido livre à ação porque como ''éthos'' se realiza a partir da abertura que a própria ''phýsis'' destina no homem fazendo-o homem como ''éthos'', ''[[lógos]]'' e ''poíesis''. Aí homem só se pode ler como [[diálogo]], como co-letividade, como linguagem. A língua de um só homem nunca existe. Por isso, mais que [[subjetividade]], somos [[memória]] poética.
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: (2) Idem, p. 228.
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: (3) Idem, pp. 225-7.
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: ''[[Éthos]]'' nunca diz respeito a [[normas]], como é o caso da [[moral]] ou dos costumes. ''[[Éthos]]'' é a [[abertura]] como tal, a partir da qual a ''[[phýsis]]'' se destina no [[homem]] sempre como a [[livre]] [[possibilidade]] de [[realizar]] a [[existência]] do [[agir]] como manifestação da ''[[phýsis]]''/''[[dzoé]]'' em seu [[sentido]]. Esta [[realização]] livre no [[aberto]] da [[abertura]] é a ''[[poíesis]]'' enquanto ''[[lógos]]''. Por isso, o ''[[éthos]]'' é [[sempre]] co-letivo, isto é, habitante da ''[[polis]]'', ou seja, por isso mesmo: [[político]]. Mas não podemos [[dizer]] que as formigas têm [[linguagem]] porque também cumprem tarefas coletivas. Nelas falta o ''[[éthos]]'' que dá um [[sentido]] [[livre]] à [[ação]] porque como ''[[éthos]]'' se realiza a partir da [[abertura]] que a própria ''[[phýsis]]'' destina no [[homem]] fazendo-o [[homem]] como ''[[éthos]]'', ''[[lógos]]'' e ''[[poíesis]]''. Aí [[homem]] só se pode [[ler]] como [[diálogo]], como [[co-letividade]], ou habitante da ''[[polis]]'' como [[linguagem]]. A [[língua]] de um só [[homem]] nunca existe. Por isso, mais que [[subjetividade]], somos [[memória]] [[poética]], ''[[logos]]'' e ''[[éthos]]'' enquanto ''[[polis]]''.
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: "O [[ser]] é, pois, a [[estância]], na [[palavra]] de Heráclito, o ''[[ethos]]'', onde o [[mistério]]  convoca e atrai o [[homem]]. O [[ser]] e o [[homem]] não apenas se limitam como, por e para fazê-lo, se visitam. Por esta [[estância]] passam todos os [[caminhos]]  de [[compreensão]] dos [[discursos]]. Nesta [[estância]], instala-se todo [[diálogo]] de [[pensamento]] [[entre]] os [[homens]]. A partir desta [[estância]], os [[pensadores]] podem [[pensar]], [[sempre]] pela primeira vez, o [[advento]] do [[sentido]] e da [[verdade]], no [[tempo]] das [[realizações]]" (1).
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: Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Posfácio". In: HEIDEGGER, Martin. '''Ser e tempo'''. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 555.
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: " ''[[Éthos]] anthropou [[daimon]]'' " - "A [[morada]] do [[homem]], o [[extraordinário]]"(1)
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: (1) HERÁCLITO, frag. 119. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. In: '''Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito'''. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 91.
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: "... a [[questão]] do [[finito]] só aparece como [[finito]], [[essencial]] e inapelavelmente, como sendo [[ente]] e [[ser]], ou seja, [[finito]] e [[infinito]]. Disto resulta que, fundamentalmente, o que somos, somos [[sempre]] como [[língua]] e [[linguagem]], somos [[sempre]] como [[eu]] e [[outro]], somos [[sempre]] como [[co-letividade]] [[originária]], somos [[sempre]] como [[proximidade]], onde esta é a [[memória]] [[infinita]] [[vigorando]]. E, como tal, diz respeito a cada um, ao [[outro]], ao presentificado, ao presentificável, a todos os [[povos]]. Queiramos ou não, a [[linguagem]] é o nosso maior [[bem]]. Em que [[sentido]]? No da [[identidade]] e [[diferença]] em relação ao que cada um [[é]], ao [[ser]] de cada um, ao [[ser]] dos [[seres]]. A [[linguagem]] é o nosso maior [[bem]], porque é ''[[éthos]]''. ''[[Éthos]]'' é a [[morada]], [[Casa do Ser]]: nosso maior [[bem]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. '''Linguagem: nosso maior bem'''. Série ''Aulas Inaugurais''. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.
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: "A [[imagem-questão]] é a [[imagem-poética]] con-vocando-nos para a [[escuta]] das grandes [[questões]], onde essa [[escuta]] é a condição [[fundamental]] de todo [[diá-logo]] e de todas as [[interpretações]], enfim, de todas as [[leituras]]. Na [[imagem-poética]] comparece [[sempre]] a ''[[poiesis]]'' como [[vigor]] do [[sentido]] do [[agir]] [[essencial]] e, ao mesmo tempo, o ''[[ethos]]'', como [[linguagem]] e [[sentido do ser]]. Na medida em que é ''[[ethos]]'' e [[sentido]], a [[leitura]] interpretativa se torna o [[horizonte]] onde se decide a [[essência]] do [[ser humano]], enquanto [[valor]] e [[sentido]]. [[Ético]] é o [[humano]] de todo [[ser humano]]. Por isso, de ''[[ethos]]'' se originou a [[ética]]" (1).
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:  Referência:
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte e imagem-questão". In: ---------. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 235.

Edição atual tal como 20h55min de 19 de janeiro de 2024

1

É interessante que como dimensão do agir, temos sempre necessidade da presentificação do éthos, daí a tentação de querer transformar o éthos em moral, princípios, regras, normas. Ocorre que quando dizemos que o éthos é morada do ser, o que estamos afirmando, na verdade, é o éthos como limiar. Daí que ele, ao mesmo tempo que vige na dimensão do visível e sabível e querível etc., se move também no não-visível, não-sabível, não-querível. O éthos é, como tal, o limiar, no sentido da medida das medidas, no sentido de que é o insondável e abismal, pelo qual somos o entre-cruzamento de verticalidade e horizontalidade. Essa é a morada do ser e não-ser, onde como lógos o éthos reúne na poíesis o velar e desvelar da phýsis.


- Manuel Antônio de Castro

2

"éthos é a postura, o porte do comportamento do homem frente à totalidade dos entes" (1).
"Por isso, podemos dizer, com algum direito, que o homem é aquele ente, em meio à totalidade dos entes, cuja essência se distingue pelo éthos" (2).
É interessante ver também a relação entre éthos e lógos (3).
Podemos, portanto, dizer que o ser humano se diferencia de todos os demais entes da physis pelo ethos, logos e poiesis. Estas dimensões se implicam essencialmente.


Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 218.
(2) Idem, p. 228.
(3) Idem, pp. 225-7.

3

Éthos nunca diz respeito a normas, como é o caso da moral ou dos costumes. Éthos é a abertura como tal, a partir da qual a phýsis se destina no homem sempre como a livre possibilidade de realizar a existência do agir como manifestação da phýsis/dzoé em seu sentido. Esta realização livre no aberto da abertura é a poíesis enquanto lógos. Por isso, o éthos é sempre co-letivo, isto é, habitante da polis, ou seja, por isso mesmo: político. Mas não podemos dizer que as formigas têm linguagem porque também cumprem tarefas coletivas. Nelas falta o éthos que dá um sentido livre à ação porque como éthos se realiza a partir da abertura que a própria phýsis destina no homem fazendo-o homem como éthos, lógos e poíesis. Aí homem só se pode ler como diálogo, como co-letividade, ou habitante da polis como linguagem. A língua de um só homem nunca existe. Por isso, mais que subjetividade, somos memória poética, logos e éthos enquanto polis.


- Manuel Antônio de Castro

4

"O ser é, pois, a estância, na palavra de Heráclito, o ethos, onde o mistério convoca e atrai o homem. O ser e o homem não apenas se limitam como, por e para fazê-lo, se visitam. Por esta estância passam todos os caminhos de compreensão dos discursos. Nesta estância, instala-se todo diálogo de pensamento entre os homens. A partir desta estância, os pensadores podem pensar, sempre pela primeira vez, o advento do sentido e da verdade, no tempo das realizações" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Posfácio". In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 2. e. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 555.

5

" Éthos anthropou daimon " - "A morada do homem, o extraordinário"(1)


Referência:
(1) HERÁCLITO, frag. 119. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. In: Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 91.

6

"... a questão do finito só aparece como finito, essencial e inapelavelmente, como sendo ente e ser, ou seja, finito e infinito. Disto resulta que, fundamentalmente, o que somos, somos sempre como língua e linguagem, somos sempre como eu e outro, somos sempre como co-letividade originária, somos sempre como proximidade, onde esta é a memória infinita vigorando. E, como tal, diz respeito a cada um, ao outro, ao presentificado, ao presentificável, a todos os povos. Queiramos ou não, a linguagem é o nosso maior bem. Em que sentido? No da identidade e diferença em relação ao que cada um é, ao ser de cada um, ao ser dos seres. A linguagem é o nosso maior bem, porque é éthos. Éthos é a morada, Casa do Ser: nosso maior bem" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. Linguagem: nosso maior bem. Série Aulas Inaugurais. Faculdade de Letras, UFRJ, 2o. sem. / 2004, p. 23.

16

"A imagem-questão é a imagem-poética con-vocando-nos para a escuta das grandes questões, onde essa escuta é a condição fundamental de todo diá-logo e de todas as interpretações, enfim, de todas as leituras. Na imagem-poética comparece sempre a poiesis como vigor do sentido do agir essencial e, ao mesmo tempo, o ethos, como linguagem e sentido do ser. Na medida em que é ethos e sentido, a leitura interpretativa se torna o horizonte onde se decide a essência do ser humano, enquanto valor e sentido. Ético é o humano de todo ser humano. Por isso, de ethos se originou a ética" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Obra de arte e imagem-questão". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 235.