Dessacralização

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: O [[ser humano]], pela instrumentalização da [[razão]], tende a [[entificar]] [[tudo]], sobretudo o [[fundamento]] a que se reduziu a [[realidade]]. Toda [[conceituação]] é [[representação]] e [[entificação]]. A [[realidade]] é sem [[fundamento]]. Ela funda os [[fundamentos]], os [[suportes]], mas sem se [[fundamentar]]. O [[caminho]] mais rápido para a [[dessacralização]] foi a [[transformação]] de “[[deus]]” em [[fundamento]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:ROCCO, Maria Thereza Fraga. ''Literatura/ ensino: uma problemática''. São Paulo: Ática, 1981, pp. 140 – 165.
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: Ver a entrevista de Haroldo de Campos à autora Maria Thereza Fraga Rocco (1), onde ele trata da [[literatura]] moderna como função [[paródia|paródica]], metalingüística e dessacralizadora.
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: (1) ROCCO, Maria Thereza Fraga. ''Literatura/ensino: uma problemática''. São Paulo: Ática, 1981, pp. 140–65.
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: "A [[dessacralização]] que domina hoje é devida a quê? Certamente muitos são os fatores. É no âmago dessa [[questão]] que a [[arte]] como [[questão]] se faz presente. Pode se falar em [[arte]] sem levar em consideração a [[questão]] do [[sagrado]]? Difícil. Porém, ela se faz presente de um modo muito simples e especial que se perdeu com o próprio distanciamento do [[sagrado]] acontecido na [[dinâmica]] dessas transformações [[históricas]]. Transformações essas que dizem respeito à própria [[dinâmica]] de o próprio [[sagrado]] se [[destinar]]. Mas ele, por mais que esteja esquecido, nunca se distancia e torna ausente como tal. Pelo contrário, sem sua [[presença]], sua [[proximidade]], tudo perderia o [[sentido]] e o próprio [[vigor]] de [[realização]] do [[real]]. E ele é próximo, tão próximo que até para sermos o que somos só podemos ser [[sendo]] essa [[proximidade]]. Porém, em tudo que fazemos temos a tendência, hoje e há muito tempo, a considerá-lo distante e inalcançável, como se ele fosse outro que não o [[vigor]] do que nos é [[próprio]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.
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: "O [[indivíduo]] vale e se define pelo seu ''[[génos]]'', de tal maneira que “todas as [[ações]], [[decisões]], falhas e êxitos do [[indivíduo]] têm [[fonte]] não na [[individualidade]] dele, mas nessa [[natureza]] supra-individual que caracteriza o ''[[génos]]''” (Torrano: 1992, 78) (1). Entendido o [[agir]] de cada um nesse [[horizonte]], pode-se [[compreender]] o que significa propriamente o [[destino]] no [[pensamento mítico]]. Cada ''[[génos]]'' dá [[origem]] a uma [[linhagem]]. Por exemplo, a [[linhagem]] de ''[[Zeus]]''. Esta, por sua vez, se [[estrutura]] em grupos [[familiares]] menores, mas estes compartilham a [[natureza]] comum da [[linhagem]], enquanto [[origem]], ''[[génos]]''. Por sua vez, cada grupo menor também tem a sua [[natureza]] [[própria]] e peculiar, embora inscrita na [[natureza]] da [[linhagem]], circunscrevendo esta e determinando supra-individualmente “... as [[ações]] e [[caracteres]] dos [[indivíduos]] [[circunscritos]] por esse grupo” (Torrano, 1992: 79) (2). Nessa [[perspectiva]] “a [[descendência]] é sempre uma explicitação da [[natureza]] dos [[indivíduos]]” (Torrano: 1992, 79) (3). Esta [[possibilidade]] de continuidade e [[unidade]] é dada pela própria [[presença]] de [[Zeus]] e [[Mnēmosýnē]], ou seja, a [[memória]]. Por isso fala-se de uma maneira, até certo ponto ingênuo, em [[código]] [[genético]], [[memória genética]]. A [[ciência]] reduz [[tudo]] de uma maneira assombrosa, pois lhe falta a [[dimensão]] do [[sagrado]]. A [[dessacralização]] é proporcional ao avanço da [[ciência]]" (4).
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: (1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. ''Teogonia''. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 78.
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: (2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. ''Teogonia''. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 79.
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: (3) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. ''Teogonia''. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 79.
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: (4) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 166.
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: "A [[ciência]] reduz [[tudo]] de uma maneira assombrosa, pois lhe falta a [[dimensão]] do [[sagrado]]. A [[dessacralização]] é proporcional ao avanço da [[ciência]]. Mas esta tem um encontro marcado com o [[destino]], onde a [[essência]] da [[técnica]] terá de se defrontar com a [[presença]] constante do [[sagrado]]. Não é sem [[motivo]] que em [[ciência]] já se fala na “[[era das incertezas]]”. E então onde mora o perigo é daí mesmo que vem a [[salvação]], que não é algo [[externo]] ao que está acontecendo. Apenas o [[esquecimento]] dessa [[presença]] e [[sentido]], o [[esquecimento]] do [[sentido do ser]]. Toda gota d’água pro-cura o seu [[elemento]]: o [[mar]]" (1).
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 166.
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: "A passagem que conduz do [[Deus]] impessoal dos [[filósofos]] ao [[Deus]] [[pessoal]] do [[cristianismo]], esta passagem considerada à [[luz]] da [[verdade]] esquecida  do [[Sagrado]] é tão [[ilusória]] como a passagem que leva do [[humanismo]] da [[substância]] ao [[humanismo]] do [[sujeito]]. [[Heidegger]] lembra que a [[categoria]] de [[pessoa]] não é menos carregada das potências [[metafísicas]] de [[dessacralização]] e [[desumanização]] do que as [[categorias]] de [[objeto]] e de [[coisa]]" (1).
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: Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. ''Aprendendo a pensar I''. Teresópolis: Daimon, 2008, p. 217.

Edição atual tal como 22h22min de 28 de Novembro de 2020

1

O ser humano, pela instrumentalização da razão, tende a entificar tudo, sobretudo o fundamento a que se reduziu a realidade. Toda conceituação é representação e entificação. A realidade é sem fundamento. Ela funda os fundamentos, os suportes, mas sem se fundamentar. O caminho mais rápido para a dessacralização foi a transformação de “deus” em fundamento.


- Manuel Antônio de Castro

2

Ver a entrevista de Haroldo de Campos à autora Maria Thereza Fraga Rocco (1), onde ele trata da literatura moderna como função paródica, metalingüística e dessacralizadora.


Referência:
(1) ROCCO, Maria Thereza Fraga. Literatura/ensino: uma problemática. São Paulo: Ática, 1981, pp. 140–65.

3

"A dessacralização que domina hoje é devida a quê? Certamente muitos são os fatores. É no âmago dessa questão que a arte como questão se faz presente. Pode se falar em arte sem levar em consideração a questão do sagrado? Difícil. Porém, ela se faz presente de um modo muito simples e especial que se perdeu com o próprio distanciamento do sagrado acontecido na dinâmica dessas transformações históricas. Transformações essas que dizem respeito à própria dinâmica de o próprio sagrado se destinar. Mas ele, por mais que esteja esquecido, nunca se distancia e torna ausente como tal. Pelo contrário, sem sua presença, sua proximidade, tudo perderia o sentido e o próprio vigor de realização do real. E ele é próximo, tão próximo que até para sermos o que somos só podemos ser sendo essa proximidade. Porém, em tudo que fazemos temos a tendência, hoje e há muito tempo, a considerá-lo distante e inalcançável, como se ele fosse outro que não o vigor do que nos é próprio" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A presença constante do sagrado". In: https://travessiapoetica.blogspot.com.br/ postado em 23 de fevereiro de 2017.

4

"O indivíduo vale e se define pelo seu génos, de tal maneira que “todas as ações, decisões, falhas e êxitos do indivíduo têm fonte não na individualidade dele, mas nessa natureza supra-individual que caracteriza o génos” (Torrano: 1992, 78) (1). Entendido o agir de cada um nesse horizonte, pode-se compreender o que significa propriamente o destino no pensamento mítico. Cada génosorigem a uma linhagem. Por exemplo, a linhagem de Zeus. Esta, por sua vez, se estrutura em grupos familiares menores, mas estes compartilham a natureza comum da linhagem, enquanto origem, génos. Por sua vez, cada grupo menor também tem a sua natureza própria e peculiar, embora inscrita na natureza da linhagem, circunscrevendo esta e determinando supra-individualmente “... as ações e caracteres dos indivíduos circunscritos por esse grupo” (Torrano, 1992: 79) (2). Nessa perspectiva “a descendência é sempre uma explicitação da natureza dos indivíduos” (Torrano: 1992, 79) (3). Esta possibilidade de continuidade e unidade é dada pela própria presença de Zeus e Mnēmosýnē, ou seja, a memória. Por isso fala-se de uma maneira, até certo ponto ingênuo, em código genético, memória genética. A ciência reduz tudo de uma maneira assombrosa, pois lhe falta a dimensão do sagrado. A dessacralização é proporcional ao avanço da ciência" (4).


Referência:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. Teogonia. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 78.
(2) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. Teogonia. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 79.
(3) TORRANO, Jaa. "O mundo como função das Musas". In: ----. Teogonia. São Paulo, Iluminuras, 1992, p. 79.
(4) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 166.

5

"A ciência reduz tudo de uma maneira assombrosa, pois lhe falta a dimensão do sagrado. A dessacralização é proporcional ao avanço da ciência. Mas esta tem um encontro marcado com o destino, onde a essência da técnica terá de se defrontar com a presença constante do sagrado. Não é sem motivo que em ciência já se fala na “era das incertezas”. E então onde mora o perigo é daí mesmo que vem a salvação, que não é algo externo ao que está acontecendo. Apenas o esquecimento dessa presença e sentido, o esquecimento do sentido do ser. Toda gota d’água pro-cura o seu elemento: o mar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Ulisses e a Escuta do Canto das Sereias”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 166.

6

"A passagem que conduz do Deus impessoal dos filósofos ao Deus pessoal do cristianismo, esta passagem considerada à luz da verdade esquecida do Sagrado é tão ilusória como a passagem que leva do humanismo da substância ao humanismo do sujeito. Heidegger lembra que a categoria de pessoa não é menos carregada das potências metafísicas de dessacralização e desumanização do que as categorias de objeto e de coisa" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar I. Teresópolis: Daimon, 2008, p. 217.
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