Eu

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: (1) HESSE, Hermann. ''Sidarta''. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 113.
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Edição de 16h04min de 4 de março de 2020

1

"...todos os romances de todos os tempos se voltam para o enigma do eu. Desde que você cria um ser imaginário, um personagem, fica automaticamente confrontado com a questão: o que é o eu? Como o eu pode ser apreendido? É uma dessas questões fundamentais sobre as quais o romance como tal se baseia. Pelas diferentes respostas a esta questão, se você quiser, pode distinguir diferentes tendências e, talvez, diferentes períodos na história do romance" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.

2

Podemos melhor compreender o eu pensando o tu, porque o tu é o outro do eu. Um outro que pode ser ele mesmo desdobrando-se no que ainda não é, mas pode vir a ser, pois tudo é e não é. Para então compreender o tu, é necessário que saibamos que antes de o eu se descobrir como eu é necessário que saia dele e se projete no outro, que é o tu. Somente assim o eu retorna a si e toma consciência de que é um eu. Ou seja, para chegarmos a saber quem eu sou, temos que já ser também o não-eu, ou seja, o tu. E o eu chega a ser neste desdobramento de eu e tu, que é a unidade que dá identidade ao eu. Do mesmo modo, cada um chega a saber se é do gênero masculino ou feminino na medida em que para chegar a se saber já tem de ser os dois gêneros. Estes pressupõem, por isso mesmo, o sou sendo. Todo sendo é sendo de uma dobra: o eu e o tu. Percebamos isso bem: Num diálogo, eu me dirijo ao tu e ele me escuta e sabe que está me escutando. Porém, quando o tu responde, eu escuto, não como eu, mas como tu. Portanto, para podermos dialogar temos de ser a dobra de eu e tu, pois aí depende só da posição de quem fala e de quem escuta, não de ser como possibilidade. Igualmente podemos falar conosco mesmo, ou seja, eu posso me escutar. Ontologicamente há a unidade. Só nesta pode vigorar a identidade e a diferença da unidade, uma vez que para haver e vigorar unidade é necessária a afirmação tanto da identidade quanto da diferença. A unidade é o sou. É neste mesmo horizonte ontológico que devemos compreender em nós a vigência de masculino e feminino.


- Manuel Antônio de Castro

3

"Mas a busca do eu termina, mais uma vez, por um paradoxo: quanto maior é a ótica do microscópio que observa o eu, mais o eu e sua unicidade nos escapam: sob a grande lente joyciana que decompõe a alma em átomos, somos todos parecidos. Mas se o eu e seu caráter único não são atingíveis pela vida interior do homem, onde e como podemos atingi-los?" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 28.

4

"Eu não sei o que sou, eu não sou o que sei: / Uma coisa e não-coisa, um ponto e um círculo" (1).


Referência:
(1) SILESIUS, Angelus. Angelus Silesius - a meditação do nada. Seleção e organização de Hubert Lepargneur e Dora Ferreira da Silva. São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, 1986, p. 68.

5

"A busca do eu sempre terminou e terminará sempre por uma insatisfação paradoxal. Não digo fracasso. Pois o romance não pode ultrapassar os limites de suas próprias possibilidades, e a revelação destes limites já é uma imensa descoberta, uma imensa proeza cognitiva. Não obstante, depois de ter tocado o fundo que implica a exploração detalhada da vida interior do eu, os grandes romancistas começaram a procurar, consciente ou inconscientemente, uma nova orientação" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A arte do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 27.

6

"Aquilo que o 'eu' tem de único se esconde exatamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O 'eu' individual é aquilo que se distingue do geral, portanto, aquilo que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado junto ao outro" (1.


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. São Paulo: Círculo do livro, s/d., p. 166.

7

"O ego é simbolizado pelo jumento. É preciso saber controlá-lo, andando sobre o jumento - o ego. Textos e cenas egípcias mostram a analogia do jumento, que, posteriormente, surgiu nos versos bíblicos que descrevem o mesmo conceito de humildade e controle do ego.
Eis aí teu rei, que vem a ti cheio de doçura, montado sobre uma jumenta, e sobre um jumentinho, filho do que está debaixo do jugo. (Mateus, 21: 5) " (1).


Referência:
(1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 139.

8

"É certo que na travessia do sou o eu se vai dispondo em camadas e camadas de máscaras, das mais variadas dimensões e aparências. São os atributos (acidentais) do sou acumulados como “eu”, não são o sou, porque não constituíram nem constituem possibilidades de e para possibilidades (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O próprio como possibilidades". In: --------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 143.

9

Assim como há um jogo dialético entre sou e eu, o mesmo se dá entre o não sou do que recebi para ser e não chegou ainda a ser. Nesse sentido, também todo eu é ao mesmo tempo um não eu, caso contrário, o eu já se conheceria completamente. O não sou é o acontecer do não ser que recebi para ser. Desse modo, tanto o sou como o eu estão em contínua transformação e revelação. Não há aqui nenhuma evolução, pois isso é existir e existência, própria de cada um, insubstituível e imprevisível. É no horizonte desta tensão dialética de eu sou e eu não sou que se manifesta a questão do outro que eu sou e eu não sou. O que é, ontologicamente, o outro?


- Manuel Antônio de Castro

10

"Na solidão a-fundamos para chegar a ser o eu sou que nos funda e sem o qual não há nem pode haver eu" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 219.

11

"O ser, o mais próximo de cada um de nós e inegável em sua presença fundadora, se tornou tão distante e estranho a nós, pela educação sofística e gramatical, que não notamos, por exemplo, quando dizemos: Eu sou, que o Eu só pode ser afirmado quando fundado no sou. Se o eu é o sujeito enquanto fundamento, o sou é que funda o fundamento, o eu. Não é o eu que funda o sou, mas este é que funda o eu. Sem ser não há eu. E então o que é o eu? Um eu nunca é masculino ou feminino, nunca tem uma identidade cultural a ou b. Um eu não é nenhum nenhuma, não é algum alguma. Um eu é. O eu, sendo, vigora num abismo tão profundo que cada eu ao se colocar e procurar como eu se encontra na mais profunda solidão" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 218.

12

"Porém, não acontece o próprio na percepção íntima? Em cada momento no percebemos de nosso eu senão um pequeno número de pensamentos, imagens e emoções que vemos passar como fluxo de um rio diante de nosso olhar interior. E esta breve dimensão de nossa pessoa se nos apresenta destacando-se do resto oculto de nosso eu total" (1).


Referência:
(1) ORTEGA Y GASSET, José. "Como nos vemos a nós. A mulher e seu corpo". In: Obras Completas de José Ortega y Gasset, 6. e. Madrid: Revista de Occidente, 1964, Tomo VI (1941-1946), p. 159.

13

"O homem tanto é o céu, o mar, a terra e as criaturas que ele vê quanto não é. Tanto é o outro com quem dialoga – inclusive o outro de si mesmo – quanto não é. Por força de reunião da linguagem que nele se manifesta e encontra abrigo, tanto o que ele é, em sua identidade, quanto o que não é, em suas diferenças, nele se inscrevem. Ele é o eu e é também o outro" (1).


Referência:
(1) FERRAZ, Antônio Máximo. "O homem e a interpretação: da escuta do destino à liberdade". In: CASTRO, Manuel Antônio de e Outros (Org.). O educar poético. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2014, p. 103.

14

"Diz Kant, resumindo: O que de mim posso conhecer com a pura autoconsciência intelectiva é que eu sou; mas para saber que sou devo conhecer-me como atividade unificadora (=no juízo); para conhecer-me como atividade unificadora devo ter dados a unificar, e estes dados são sensíveis e, por conseguinte, fenomênicos; “logo, não tenho conhecimento de mim como sou, senão apenas como apareço a mim mesmo” "(1).


Referência:
HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. História da Filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS.

15

"É o eu que fala ou é a fala que fala o eu? Já disse Heidegger: “Em sentido próprio, a linguagem é que fala. O homem fala apenas e somente à medida que cor-responde à linguagem, à medida que escuta e pertence ao apelo da linguagem” (2002: 167)" (2) " (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 28.
(2) HEIDEGGER, Martin. "... poeticamente o homem habita...". In: ----.In: -------. Ensaios e conferências. Trad. deste ensaio: Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 167.

16

"Quando o eu e o tu falam, falam no e a partir do logos. Para isso já nos advertiu o pensador Heráclito no fragmento 50: “Auscultando não a mim, mas ao logos, é sábio entre-dizer-o-mesmo: tudo é um”. Em toda fala de diálogo quem fala não é o eu nem o tu, mas o logos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Revista Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro: Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 28.

17

"Seu eu incorporara-se na unidade.
Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade do saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida: a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade" (1).


Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 113.

18

"Nesse instante, Sidarta começava a vislumbrar o motivo por que não conseguia vencer aquele eu, nem como brâmane, nem como penitente. O que o impedira fora o excesso de erudição, de versículos sagrados, de rituais, de sacrifícios, de ascetismo, de atividades e de ambições. Sempre se pavoneara com altivez, sempre quisera ser o mais inteligente, o mais zeloso; sempre se empenhara em tomar a dianteira; sempre se exibira nos papéis de sábio, de intelectual, de sacerdote, de filósofo. Nesse sacerdócio, nessa altivez, nessa erudição infiltrava-se o seu eu; ali se arraigara, crescera, enquanto dele, Sidarta, cria tê-lo aniquilado por meio de jejuns e mortificações" (1).


Referência:
(1) HESSE, Hermann. Sidarta. Trad. Herbert Caro. Rio de Janeiro: O Globo, 2003, p. 83.


19

"Naquele momento, compreendi o único sentido que a amizade pode ter hoje. A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento de sua memória. Lembrar-se do passado, carregá-lo sempre consigo, é, talvez, a condição necessária para conservar, como se diz, a integridade do seu eu. Para que o eu não se encolha, para que guarde seu volume, é preciso regar as lembranças como flores num vaso e essa rega exige um contato regular com as testemunhas do passado, quer dizer, com os amigos. Eles são nosso espelho; nossa memória; não exigimos nada deles, a não ser que de vez em quando lustrem esse espelho para que possamos nos olhar nele" (1).


Referência:
(1) KUNDERA, Milan. A identidade, trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 36.


20

"Toda questão é e não é, sabe e não sabe. Acontece que a questão não é algo que a consciência põe. Pelo contrário, nós somos postos na e pela questão, pois já vivemos e nascemos, amamos e morremos, e nos movemos na questão como unidade e vigorar de tudo que é e se sabe, se dá e se retrai, enquanto linguagem, isto é, sentido do ser. A questão não é posta pela pergunta do eu, do sujeito. O eu é que é posto pela questão. Por exemplo, para perguntar, já tenho que estar vivendo, me experienciando no vigorar do tempo" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Espelho: o perigoso caminho do auto-diálogo". Ensaio não publicado.
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