Homem

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 00h37min de 30 de março de 2010 por Bianka (Discussão | contribs)

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Na realidade, a desconstrução do mito do homem passa pela desconstrução do poder da consciência. Ver, do ponto de vista historiográfico Bárbara Freitag (1) e, do ponto de vista ontológico, a discussão em torno da identidade e diferença, que já remonta a Parmênides no fragmento III ("pois o mesmo é pensar e ser" (2), quando referencia o mesmo (autò) como o núcleo da identidade e diferença, ou seja, do ser e do perceber. Até onde podemos entender o noein (pensar, perceber) como sendo o próprio da consciência? Não incluirá o inconsciente porque no noein advém o próprio ser? Então, desconstruir o "mito do homem" é, em verdade, libertá-lo do limite das possibilidades racionais pelo pensar e para o pensar.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) FREITAG, Bárbara. A teoria crítica ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1986.
(2) PARMÊNIDES. Os pensadores originários. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 45.

2

O homem aparece como diferença de identidade e diversidade, na medida em que ele já pertence e vige na identidade/diversidade. Mas estas se fazem pre-sentes na diferença enquanto apelo e escuta, ou, como diz Heidegger, como vigilância. Daí denominar os poetas e pensadores vigias do Ser.


- Manuel Antônio de Castro


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É necessário pensar a construção do homem a partir do mito. Isto pode ser visto no estudo de Jaa Torrano (1). Quando trata das três fases e três linhagens dos deuses, ele nota que o homem moderno é concebido em duas tendências: ou subjetividade psicológica, ou através das leis estabelecidas pela ciência que podem ser naturais, sociais, econômicas, culturais etc (2). É nessa tensão que se dá a personalidade. Esta vem de persona, máscara. Há aí uma construção do homem de cunho metafísico, baseada na aparência e no falso, a persona. Também é uma construção do homem baseada na de-cisão do agir do homem, onde a ação de homem tem seu fundamento na subjetividade e sua vontade, em seu querer. Mas não é isso o que mito diz. O homem e sua construção, para o mito, advêm na Moîra. Mas o que é Moîra? Diz Torrano: "uma antiga expressão com que os gregos designaram a Fatalidade fosse Moîra ou Moírai; lote ou lotes: embora essa expressão fosse suscetível de receber e concebesse uma ideação antropormófica, fica claro neste nome Moîra que a Fatalidade de modo algum era concebida como uma transcendência (hyperousía), mas como imanente (parousía). A Fatalidade, Moîra, é a condição constitutiva do próprio ser em que ela se exprime, e não uma imposição que se exercesse sobre o ser a que ela acompanhasse. Essa distinção é da maior importância para percebermos o quanto o pensamento arcaico é concreto, isto é, centrado na parousía: ele tende com a sua maior força para a presença, o ser para ele se dá como presença" (3). Essa presença é alétheia (4). Moîra e alétheia, enquanto apropriação do que é próprio (5), se dá na medida em que todo ente, cada deus, está na "proximidade das origens" (6), "mas origens como as fontes permanentes e elementos constitutivos da vida" (7). Porém, é importante compreender que vida é entendida aí como dzoé e não como bíos.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) TORRANO, Jaa. "O mundo como função de musas". In: HESÍODO. Teogonia. São Paulo: Iluminuras, 1992, p. 49.
(2) Idem, p. 51.
(3) Idem, p. 52.
(4) Idem, p. 51.
(5) Idem, p. 52.
(6) Idem, p. 54.
(7) Idem, p. 54.
Cf. também HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998 e LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 130 ss.


Ver também:

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O homem é mortal. É no âmbito da quadratura que se apreende o que designamos como humano (1). Essa questão é retomada no ensaio "....poeticamente o homem habita..." (2), sendo que, nesse ensaio, a reflexão está centrada na di-mensão e no medir-se na sua relação com os divinos: "o homem mede a dimensão em se medindo com o celestial. O homem não realiza essa medição de maneira ocasional, mas é somente nesse medir-se que o homem é homem". O entre diz respeito à terra e ao céu. Temos aí a apreensão do humano dentro da quadratura, mas agora pensando a referência entre os quatro no medir-se. Por isso, não é uma mera relação, mas uma referência. Mas o medir só se apreende enquanto habitar: "o levantamento da medida de seu habitar é que ele consegue ser na medida da sua essência".


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HEIDEGGER, Martin. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 136.
(2) Idem, p. 172.


Ver também:

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"Para um grego, o bíos theoretikós, a vida de visão, sobretudo em sua forma mais refinada, o pensamento, é a atividade mais elevada. A theoría, já em si mesma e não por uma utilidade posterior, constitui a forma mais perfeita e completa do modo de ser e realizar-se do homem" (1). A construção da realidade e do homem se dá em torno de quatro tópicos: a natureza, o homem, o acontecer histórico, a linguagem. É deles que trata Heidegger ao questionar a essência da ciência. No fundo, o conhecimento, embora seja uma dimensão desses quatro núcleos, não dá conta deles.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Ciência e pensamento do sentido". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 45.

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O platonismo, ao fundar a metafísica, na essência, funda o mito do homem ocidental, porque reduz o on ao lógos enquanto ideia, delimitando conceitualmente a essência do agir à tékhne, ao logos enquanto eîdos. Na medida em que delimita o logos pelo eîdos e o eîdos pelo logos, acaba por delimitar o alcance da essência do agir no logos do eîdos e ao eîdos do logos. Este alcance da essência do agir delimita a metafísica e, nela e por ela, a essência do homem. Nesse sentido, ele funda o homem metafísico. E este, na medida em que exclui a poíesis como éthos e sophós, determina a essência do agir do homem a partir de e como tékhne. Por isso, como afirma Heidegger em "A questão da técnica": a técnica é um meio para um fim e a técnica é uma atividade do homem. O que não está pensado aí é em que consiste a essência desse agir humano, dessa atividade do homem. A técnica, como ação do homem, é ética, sim, mas qual a medida dessa ação? É ela fundada no éthos? O éthos, a epistema ethiké, diz respeito ao comportamento do homem, a todo comportamento, isto quer dizer: ao seu agir, aos seus empenhos e desempenhos, à suas ações. Mas qual é o penhor das ações do homem, de todos os empenhos e desempenhos? Esta é a questão. Mas quando se coloca a questão não se trata mais simplesmente dos empenhos e desempenhos, trata-se, na verdade, da essência dos empenhos e desempenhos, ou seja, da essência do agir. Ela é, portanto, a questão das questões, porque nela se decide a essência do homem, na medida em que agindo e pelo agir ele é o que é. Na essência do agir se decide o seu ser. O platonismo se decidiu pela essência do homem como ser metafísico, porém um tal ser é devido pela decisão metafísica. E esta se decide numa cisão. Nada não se cinde apenas o sensível do inteligível. Ele cinde o ser do ser dos entes pelo silenciamento e esquecimento da clareira e do duplo velamento.


- Manuel Antônio de Castro

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A construção do homem e sua afirmação ao longo do trajeto da cultura ocidental é variado e pode ser entendido em dois momentos: 1) o homem como manifestação do GENOS mítico; 2) O homem como resultado da instituição do mito do homem, gerando uma dicotomia depois aprofundada e radicalizada pela metafísica. Este mito do homem, a partir da metafísica, se transforma em Paideia e humanismo, nas diversas construções: romano, cristão, renascentista e moderno. Dentro deste caminho, temos que ressaltar as diferentes interpretações do Logos e o papel nuclear do judaísmo e do cristianismo, sobretudo a partir de Santo Agostinho, depois continuado pela Escolástica, pelo Renascimento via versão germânica e que recebe o seu coroamento em Hegel. Mas há também duas outras vias. A via romana-francesa-italiana, mais ligada a uma tradição filosófica-literária e que terá em Descartes e em Voltaire uma vertente racional. E há ainda a vertente de Vico que será retomada pelo romantismo alemão e que diz respeito a uma visão da história única. O que aqui é sugerido tem de ser visto levando em conta o livro de José Ferrater Mora (1). Fica a questão: Como interpretar na Pós-modernidade a visão hegeliana e a visão da ilustração francesa (Voltaire). Estas visões transformaram-se em ideologias que a queda da União Soviética pôs em crise. E aí surgem duas novas vertentes. 1) a questão da escrita como suporte e representação; 2) a questão da técnica ou da pós-modernidade. Como pensar hoje questão do homem? Pensando o humano do homem. O humano não provém do homem, mas do ser do homem. Por isso, a questão é maior do que o homem, pois nela e por ela, o homem pode chegar a ser seu humano.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) MORA, José Ferrater. Quatro visiones de la história universal. Madrid: Alianza Editorial, 1982.


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"O homem não é um ente ao lado de outros entes, nem é o sujeito por quem estão determinados os entes. O Ser brilha no homem e este torna-se, pois, a abertura onde se desdobra a verdade dos entes. É no homem que os entes são o que são, através do Ser que brilha nele. No brilhar, o homem se essencializa e o Ser é como Ser. A luz que brilha no homem e a verdade dos entes por ele manifesta se dá pela dinâmica de estruturação do Ser" (1). "A Essência da História é a dinâmica dessa estruturação" (2).


Referências:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poéticoA história literária. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 59.
(2) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 130.

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"O ser humano é questão porque é o ser do 'entre' vida E morte, saber E não-saber, querer E não-querer, agir E não-agir, dizer E não-dizer, ser E não-ser" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o 'entre'". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: número 164, jan.-mar. 2006, p. 20.


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"O horizonte radical do ser humano é que ele não vive para depois conhecer. Não. Viver para ele é já desde sempre conhecer. Este projeto poético-ontológica do empenho de viver com o conhecer é que faz do ser humano o livre desempenho em que diuturnamente se empenha. Não é um projeto que possa acontecer ou não, nem que resulte do empenho de conhecer através da consciência. Tal projeto se doa na intuição originária" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o 'entre'". In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 164: 7/36, jan.-mar., 2006, p. 24.

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Compreender o homem dentro do mundo mítico (no mito do mundo) é vê-lo em sua essência constitutiva.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
TORRANO, Jaa. O sentido de Zeus. São Paulo: Iluminuras, 1996, p. 19.


Ver também:

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Fazer um homem é criá-lo, e "criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade" (1). Logo, o homem é uma incerteza, um ocaso de possibilidade do real. Nesta instabilidade, é construção contínua e modo de retenção do que se lhe apresenta. É um entre que conjuga em seu corpo a vida e a morte: um espaço de transição entre o ordinário e o extraordinário. Não tem a realidade a seu dispor, ela que o tem.


- Fábio Santana Pessanha


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Editora do autor, 1964, p. 19.
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