Velamento

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: Os [[gregos]] diziam [[verdade]] com a [[palavra]] [[aletheia]]. Como traduzi-la? O alcance da [[tradução]], além de ser [[desvelamento]] é também [[velamento]]. Não se pode falar em [[desvelamento]] sem nos abrirmos para o [[velamento]]. E essa tensão de opostos constituem uma [[dobra]], que é a [[dialética]] da [[realidade]], [[originária]] e [[histórica]]. Isso faz [[compreender]] melhor o que nos diz a [[palavra]] [[época]]: suspensão, que podemos [[compreender]] por um ''[[entre]]'', um hiato, bem expresso na prefixo grego ''[[diá-]]'', com que se formam as [[palavras]] [[diálogo]] e [[dialética]]. É nesta dinâmica da [[realidade]], que se vela e desvela, que não podemos reduzir o [[movimento]] [[histórico]] da [[realidade]] à [[dialética]], seja hegeliana, seja marxista.  Toda [[dialética]] é [[lógica]], [[verdadeira]], porém nenhuma [[lógica]] é [[dialética]]. Isto implica dizer que na [[lógica]] nunca acontece o que é e o que não é, isto é, a [[negatividade]]. É nesse [[sentido]] que ''[[aletheia]]'' pode ser traduzido para o português como ''[[desvelamento]]''. Tanto mais se desvela, mostra, quanto mais se vela, se retrai. O [[prefixo]] português ''des-'' tanto diz [[negação]] quanto intensificação. Isto pode [[dizer]]: quanto mais se mergulha no [[desvelamento]] tanto mais se aprofunda o [[velamento]] e, [[dialeticamente]], o [[desvelamento]]. Isso é a [[verdade]] da [[realidade]], não da [[lógica]]. Não podemos esquecer que tanto em [[lógica]] quanto em [[dialética]], o radical está na [[palavra]] ''[[logos]]'', submetida a múltiplas [[interpretações]] ao longo do [[percurso]] [[ocidental]]. Porém, nenhuma consegue abarcar toda a [[profundidade]] e [[mistério]] que essa [[palavra]] diz e provoca a [[pensar]]. É nesse [[horizonte]] que ao [[lógico]] não se opõe o [[i-lógico]]. Para [[apreender]], em português, o âmbito ambíguo da ''[[aletheia]]'', teríamos a [[palavra]], [[travessia]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: A [[luz]] é a [[energia]] do [[silêncio]] e seu manto é a [[claridade]]. Sem [[luz]] não há [[claridade]] nem [[escuridão]]. A [[claridade]] da [[luz]] é o [[sentido]] e [[verdade]] do [[agir]], o [[vigorar]] do [[silêncio]] da [[luz]]. Portanto, a [[luz]] é o [[princípio]] de [[tudo]], pois dela provêm tanto a [[claridade]] quanto a [[escuridão]]. E o [[silêncio]] é essa [[energia]] de [[plenitude]] e [[origem]] de [[sentido]] e [[verdade]] em que se constitui [[originariamente]] a [[luz]]. Como [[origem]] de [[tudo]], a [[luz]] pode-se mostrar como [[desvelamento]] e [[velamento]], como [[claridade]] e [[escuridão]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: "O [[sendo]] de toda [[realidade]] é a [[luz]] de [[desvelamento]] em que todo [[velamento]] entre-acontece. [[Luz]] é [[energia]] irradiante e não apenas a [[luminosidade]]. O entre-acontecer de [[desvelamento]] e [[velamento]] é a própria [[verdade]] [[poética]] da [[realidade]] doando-se em [[Mundo]] e retraindo-se na [[Terra]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ------. "Arte: o humano e o destino". Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.
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: "... o [[mito]] criou a [[figura]] de ''[[Mnēmosýnē]]'': a [[memória]]. Ora, esta não é só o que se lembra, mas também o que se vela e como tal [[vige]] no [[esquecimento]], no [[vigor]] do [[silêncio]] do [[esquecer]], sem o qual não pode nem haver [[lembrança]]. Contudo, a [[presença]] da [[lembrança]] é tão pregnante, tão [[evidente]], tão forte e abrangente que nos esquecemos da [[memória]] como [[velamento]]-[[silêncio]]-[[esquecimento]]. [[Esquecer]] não significa deixar de [[ser]], mas [[ser]] a [[memória]] só no âmbito do [[lembrar]], isto é, do [[ente]], do [[desvelado]], da [[luz]] da [[clareira]] do [[desvelado]]. Ficamos tão empolgados pela [[luz]] da [[razão]] que esquecemos a [[clareira]] e o que nela se ausenta: o [[velado]], o [[ser]]" (1).
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: Referência bibliográfica:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. ''Arte: o humano e o destino''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 201.
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: "O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o [[tempo]]/''[[poiesis]]''/[[linguagem]]. Estes aqui mostram duas coisas: um [[desvelamento]] e [[velamento]]. A estes chamou o [[mito]] ''[[Aletheia]]'', ou seja, [[verdade]]. Mas este [[desvelamento]] e [[velamento]] constituem [[evidentemente]] a [[vida]] e a [[morte]]. [[Verdade]], [[vida]], [[morte]], [[luz]], [[trevas]] não será este o [[itinerário]] e [[travessia poética]] de [[Édipo]], do [[homem]]? Não será este o nosso [[itinerário]], a nossa [[travessia]]? Mas até onde ela será [[poética]]? Ou seja, até onde fazemos do [[viver]] uma [[experienciação]] de [[ser]]?" (1).
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: Referência:
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- [[Manuel Antônio de Castro]]
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:  (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). '''A arte em questão: as questões da arte'''. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.

Edição atual tal como 22h38min de 18 de fevereiro de 2024

Ver também os verbetes Desvelamento e Aletheia.

Tabela de conteúdo

1

Os gregos diziam verdade com a palavra aletheia. Como traduzi-la? O alcance da tradução, além de ser desvelamento é também velamento. Não se pode falar em desvelamento sem nos abrirmos para o velamento. E essa tensão de opostos constituem uma dobra, que é a dialética da realidade, originária e histórica. Isso faz compreender melhor o que nos diz a palavra época: suspensão, que podemos compreender por um entre, um hiato, bem expresso na prefixo grego diá-, com que se formam as palavras diálogo e dialética. É nesta dinâmica da realidade, que se vela e desvela, que não podemos reduzir o movimento histórico da realidade à dialética, seja hegeliana, seja marxista. Toda dialética é lógica, verdadeira, porém nenhuma lógica é dialética. Isto implica dizer que na lógica nunca acontece o que é e o que não é, isto é, a negatividade. É nesse sentido que aletheia pode ser traduzido para o português como desvelamento. Tanto mais se desvela, mostra, quanto mais se vela, se retrai. O prefixo português des- tanto diz negação quanto intensificação. Isto pode dizer: quanto mais se mergulha no desvelamento tanto mais se aprofunda o velamento e, dialeticamente, o desvelamento. Isso é a verdade da realidade, não da lógica. Não podemos esquecer que tanto em lógica quanto em dialética, o radical está na palavra logos, submetida a múltiplas interpretações ao longo do percurso ocidental. Porém, nenhuma consegue abarcar toda a profundidade e mistério que essa palavra diz e provoca a pensar. É nesse horizonte que ao lógico não se opõe o i-lógico. Para apreender, em português, o âmbito ambíguo da aletheia, teríamos a palavra, travessia.


- Manuel Antônio de Castro

2

A luz é a energia do silêncio e seu manto é a claridade. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio da luz. Portanto, a luz é o princípio de tudo, pois dela provêm tanto a claridade quanto a escuridão. E o silêncio é essa energia de plenitude e origem de sentido e verdade em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e velamento, como claridade e escuridão.


- Manuel Antônio de Castro

3

"O sendo de toda realidade é a luz de desvelamento em que todo velamento entre-acontece. Luz é energia irradiante e não apenas a luminosidade. O entre-acontecer de desvelamento e velamento é a própria verdade poética da realidade doando-se em Mundo e retraindo-se na Terra" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “A menina e a bicicleta: arte e confiabilidade”. In: ------. "Arte: o humano e o destino". Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 281.

4

"... o mito criou a figura de Mnēmosýnē: a memória. Ora, esta não é só o que se lembra, mas também o que se vela e como tal vige no esquecimento, no vigor do silêncio do esquecer, sem o qual não pode nem haver lembrança. Contudo, a presença da lembrança é tão pregnante, tão evidente, tão forte e abrangente que nos esquecemos da memória como velamento-silêncio-esquecimento. Esquecer não significa deixar de ser, mas ser a memória só no âmbito do lembrar, isto é, do ente, do desvelado, da luz da clareira do desvelado. Ficamos tão empolgados pela luz da razão que esquecemos a clareira e o que nela se ausenta: o velado, o ser" (1).


Referência bibliográfica:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Midas da morte ou do ser feliz". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 201.

5

"O surgimento das duas irmãs se dá do mesmo modo: o suceder e preceder pressupõem o tempo/poiesis/linguagem. Estes aqui mostram duas coisas: um desvelamento e velamento. A estes chamou o mito Aletheia, ou seja, verdade. Mas este desvelamento e velamento constituem evidentemente a vida e a morte. Verdade, vida, morte, luz, trevas não será este o itinerário e travessia poética de Édipo, do homem? Não será este o nosso itinerário, a nossa travessia? Mas até onde ela será poética? Ou seja, até onde fazemos do viver uma experienciação de ser?" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Heidegger e as questões da arte”. In: Manuel Antônio de Castro, (org.). A arte em questão: as questões da arte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 27.
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