Personagem

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: Também Riobaldo não é um [[personagem]] [[ficcional]]. Tanto o [[leitor]] como o [[personagem]]-Riobaldo só são [[ficção]] enquanto [[obra]] [[poética]], um [[figurar]] da [[verdade]] em seu [[acontecer]], manifestando e velando. Enquanto [[verdade]], nas verdadeiras [[obras poéticas]], manifesta, desvela e vela, por isso [[personagem]] diz, em seu significado [[original]] na [[língua]] latina: “máscara”, aquilo que parecemos [[ser]] e não somos, em verdade, só em [[aparência]] é que somos. Mas isso revela uma faceta de nossa [[personalidade]]. É uma [[questão]] complexa, porque há também um [[jogo]] [[entre]] [[consciente]] e [[inconsciente]]. Por isso os grandes autores nas suas [[obras]] [[poéticas]] remetem a [[questão]] para o "[[espelho]]". Esse [[jogo]] pode [[aparecer]] também [[entre]] o [[ver]] e o [[não ver]], como acontece no caso exemplar de Édipo. Por detrás destas [[questões]] de [[consciente]] e [[inconsciente]], de [[ser]] e [[parecer]] e/ou [[aparecer]], de [[ver]] e [[não-ver]] surge a [[questão]] decisiva da [[essência]] do [[agir]]. Qual o [[motivo]] que nossas [[ações]] verdadeiramente ocultam? Em todo [[ver]] há de algum modo já um [[saber]] e, claro, um [[não saber]]. Os gregos em suas [[obras]] [[poéticas]] nomearam tudo isso nossa ''[[Moira]]'' ou [[destino]].
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: Também Riobaldo não é um [[personagem]] [[ficcional]]. Tanto o [[leitor]] como o [[personagem]]-Riobaldo só são [[ficção]] enquanto [[obra]] [[poética]], um [[figurar]] da [[verdade]] em seu [[acontecer]], manifestando e velando. Enquanto [[verdade]], nas verdadeiras [[obras poéticas]], manifesta, desvela e vela, por isso [[personagem]] diz, em seu significado [[original]] na [[língua]] latina: “[[máscara]]”, aquilo que parecemos [[ser]] e não somos, em verdade, só em [[aparência]] é que somos. Mas isso revela uma faceta de nossa [[personalidade]]. É uma [[questão]] complexa, porque há também um [[jogo]] [[entre]] [[consciente]] e [[inconsciente]]. Por isso os grandes autores nas suas [[obras]] [[poéticas]] remetem a [[questão]] para o "[[espelho]]". Esse [[jogo]] pode [[aparecer]] também [[entre]] o [[ver]] e o [[não ver]], como acontece no caso exemplar de Édipo. Por detrás destas [[questões]] de [[consciente]] e [[inconsciente]], de [[ser]] e [[parecer]] e/ou [[aparecer]], de [[ver]] e [[não-ver]] surge a [[questão]] decisiva da [[essência]] do [[agir]]. Qual o [[motivo]] que nossas [[ações]] verdadeiramente ocultam? Em todo [[ver]] há de algum modo já um [[saber]] e, claro, um [[não saber]]. Os gregos em suas [[obras]] [[poéticas]] nomearam tudo isso nossa ''[[Moira]]'' ou [[destino]].
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: "Ainda que tirados de imediato um após outro, os [[retratos]] sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das [[coisas]] mais importantes" (1).
: "Ainda que tirados de imediato um após outro, os [[retratos]] sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das [[coisas]] mais importantes" (1).
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Sem dúvida nenhuma, a [[palavra]] [[retrato]] no conto tem em português como [[sinônimo]: [[foto]]. Compreendemos melhor o que o poeta-pensador nos convida a [[pensar]] quando apreendemos a [[essência]] a [[foto]], que tem [[origem]] na [[palavra]] grega ''[[phos]]'' e tem como [[significado]] [[essencial]]: [[luz]]. É impossível tirar duas [[fotos]] iguais porque a [[luz]] é pura [[energia]], em contínua [[manifestação]] e [[transformação]], nos fazendo lembrar que a [[realidade]] se constitui a partir da [[luz]] e de sua [[vigência]]. Ainda podemos nos [[perguntar]]: o que a [[foto]] tem a ver com o [[espelho]]? É neste [[horizonte]] que temos de [[pensar]] o que, em [[essência]], significa [[persona]] e [[personagem]].
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: Sem dúvida nenhuma, a [[palavra]] [[retrato]] no [[conto]] tem em português como [[sinônimo]]: [[foto]]. Compreendemos melhor o que o [[poeta]]-[[pensador]] nos convida a [[pensar]] quando apreendemos a [[essência]] a [[foto]], que tem [[origem]] na [[palavra]] grega ''[[phos]]'' e tem como [[significado]] [[essencial]]: [[luz]]. É impossível tirar duas [[fotos]] iguais porque a [[luz]] é pura [[energia]], em contínua [[manifestação]] e [[transformação]], nos fazendo lembrar que a [[realidade]] se constitui a partir da [[luz]] e de sua [[vigência]]. Ainda podemos nos [[perguntar]]: o que a [[foto]] tem a ver com o [[espelho]]? É neste [[horizonte]] que temos de [[pensar]] o que, em [[essência]], significa [[persona]] e [[personagem]].
: - [[Manuel Antônio de Castro]]  
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: (1) ROSA, João Guimarães. "O espelho". In: -----.''Primeiras estórias'', 3.e.  Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 71.
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: (1) ROSA, João Guimarães. "O espelho". In: ---.'''Primeiras estórias''', 3.e.  Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 71.
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: " - Bispo Jakob: ''Anna, todos nós interpretamos muitos [[papéis]]. Alguns por diversão, outros porque é aquilo que querem dele. A maioria porque queremos nos proteger. E gradualmente perdemos aquele que não é um [[papel]]. Conforme vou atuando, distancio-me de mim mesmo''".
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: (1) Filme: '''Confissões privadas'''. Direção de Liv Ullmann, roteiro de Ingmar Bergman.
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: O [[nome]] [[personagem]] origina-se na [[palavra]] latina ''[[persona]]'', que nomeava a [[máscara]] que o [[ator]] usava para [[representar]] um [[papel]] em qualquer peça teatral e até inicialmente nas procissões em homenagem aos diferentes [[deuses]]. Daí a dubiedade entre a [[personalidade]] do [[ator]] e a [[personalidade]] do [[personagem]] que ele representava. Em geral não somos o que representamos. Essa [[questão]] se torna central nos grandes [[autores]]. E o [[diretor]] excepcional que é [[Ingmar Bergman]] dedica todo um [[filme]] a essa [[temática]]: ''[[Persona]]''. Neste, ocupa um lugar central a [[questão]] do  [[espelho]]. Essa [[temática]] se faz [[presente]] em outro [[filme]] de [[Bergman]]: ''Depois do ensaio''. A [[temática]] se expande, pois é tematizado nele o [[lugar]] do [[Diretor]] e de sua [[relação]] com os diferentes [[atores]].
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: [[Persona]] é uma [[palavra]] italiana derivada do Latim para um [[tipo]] de [[máscara]] feita para ressoar com a [[voz]] do [[ator]] (''per sonare'' sigifica "soar através de"), permitindo que fosse bem ouvida pelos [[expectadores]], bem como para dar ao [[ator]] a [[aparência]] que o [[papel]] exigia.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]].
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: "Ah, porque aquela outra é a [[lei]], escondida e [[visível]], mas não achável, do [[verdadeiro]] [[viver]]: que para cada [[pessoa]], sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em [[teatro]], para cada [[representador]] - sua [[parte]], que antes já foi [[inventada]], num [[papel]]..." (1).
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: ROSA, João Guimarães. '''Grande sertão: veredas'''. 6. e. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968, p. 366.

Edição atual tal como 02h04min de 28 de Maio de 2022

1

Também Riobaldo não é um personagem ficcional. Tanto o leitor como o personagem-Riobaldo só são ficção enquanto obra poética, um figurar da verdade em seu acontecer, manifestando e velando. Enquanto verdade, nas verdadeiras obras poéticas, manifesta, desvela e vela, por isso personagem diz, em seu significado original na língua latina: “máscara”, aquilo que parecemos ser e não somos, em verdade, só em aparência é que somos. Mas isso revela uma faceta de nossa personalidade. É uma questão complexa, porque há também um jogo entre consciente e inconsciente. Por isso os grandes autores nas suas obras poéticas remetem a questão para o "espelho". Esse jogo pode aparecer também entre o ver e o não ver, como acontece no caso exemplar de Édipo. Por detrás destas questões de consciente e inconsciente, de ser e parecer e/ou aparecer, de ver e não-ver surge a questão decisiva da essência do agir. Qual o motivo que nossas ações verdadeiramente ocultam? Em todo ver há de algum modo já um saber e, claro, um não saber. Os gregos em suas obras poéticas nomearam tudo isso nossa Moira ou destino.


- Manuel Antônio de Castro.

2

"Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes" (1).
Sem dúvida nenhuma, a palavra retrato no conto tem em português como sinônimo: foto. Compreendemos melhor o que o poeta-pensador nos convida a pensar quando apreendemos a essência a foto, que tem origem na palavra grega phos e tem como significado essencial: luz. É impossível tirar duas fotos iguais porque a luz é pura energia, em contínua manifestação e transformação, nos fazendo lembrar que a realidade se constitui a partir da luz e de sua vigência. Ainda podemos nos perguntar: o que a foto tem a ver com o espelho? É neste horizonte que temos de pensar o que, em essência, significa persona e personagem.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. "O espelho". In: ---.Primeiras estórias, 3.e. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967, p. 71.

3

" - Bispo Jakob: Anna, todos nós interpretamos muitos papéis. Alguns por diversão, outros porque é aquilo que querem dele. A maioria porque queremos nos proteger. E gradualmente perdemos aquele que não é um papel. Conforme vou atuando, distancio-me de mim mesmo".
" - Anna: Então eu posso dizer agora, neste exato momento, que finalmente sou eu mesma..." (1).
Para o leitor compreender estas falas, trata-se de um diálogo entre dois personagens do filme (1): Anna e o bispo Jakob. O tema dos diferentes papéis ou personagens que desempenhamos em nossas vidas é um tema fundamental e muito importante das obras de arte. Sobretudo trata-se de nosso lugar na vida social. A este propósito eu lembro dois importantes contos que tematizam isso, de dois grandes autores brasileiros e escolheram o mesmo título: "O espelho", Machado de Assis e Guimarães Rosa. Trata-se de não representar, mas ser o próprio, o que cada um é e recebeu para ser. O viver em sociedade torna isso difícil, pois todos já esperam de nós que desempenhemos um papel. Trata-se de viver de acordo com a verdade e nem sempre é fácil. Isso fica bem claro no filme.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) Filme: Confissões privadas. Direção de Liv Ullmann, roteiro de Ingmar Bergman.

4

O nome personagem origina-se na palavra latina persona, que nomeava a máscara que o ator usava para representar um papel em qualquer peça teatral e até inicialmente nas procissões em homenagem aos diferentes deuses. Daí a dubiedade entre a personalidade do ator e a personalidade do personagem que ele representava. Em geral não somos o que representamos. Essa questão se torna central nos grandes autores. E o diretor excepcional que é Ingmar Bergman dedica todo um filme a essa temática: Persona. Neste, ocupa um lugar central a questão do espelho. Essa temática se faz presente em outro filme de Bergman: Depois do ensaio. A temática se expande, pois é tematizado nele o lugar do Diretor e de sua relação com os diferentes atores.
Persona é uma palavra italiana derivada do Latim para um tipo de máscara feita para ressoar com a voz do ator (per sonare sigifica "soar através de"), permitindo que fosse bem ouvida pelos expectadores, bem como para dar ao ator a aparência que o papel exigia.


- Manuel Antônio de Castro.

5

"Ah, porque aquela outra é a lei, escondida e visível, mas não achável, do verdadeiro viver: que para cada pessoa, sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em teatro, para cada representador - sua parte, que antes já foi inventada, num papel..." (1).


Referência:
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 6. e. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968, p. 366.