Mundo

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 00h44min de 30 de março de 2010 por Bianka (Discussão | contribs)

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Mundo é uma questão. No entanto, num real dominado pelos conceitos metafísicos, muitos são os seus adjetivos qualificativos, sem nos darmos conta de que o adjetivo já pressupõe o mundo como vigência originária. É isto o que Heidegger quer dizer: que o ser-humano é um ser da facticidade. Vivemos, queiramos ou não, quer dizer, vivemos já desde sempre no mundo. É impossível pensar a realidade sem mundo. É aqui que podemos citar o fragmento 30 de Heráclito: "O mundo, o mesmo em todos, nenhum dos deuses, e nenhum dos homens o fez, mas sempre foi, é e será, fogo sempre vivo, acendendo segundo a medida e segundo a medida apagando" (1). Notemos que o pensador diz que o Mundo foi, é e será. Porém, o ser se dá enquanto verdade e enquanto verdade é que a obra de arte se constitui originariamente como Mundo e Terra. A dimensão Mundo da obra de arte não é qualquer mundo como adjetivo qualificativo, mas a própria vigência da realidade enquanto verdade e não-verdade, pois mundo está ligado à clareira, o retrair-se do ser para deixar o não-ser ser como presença: mundo.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HERÁCLITO. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. In: Os pensadores originários. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 67.


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Mundo é uma questão complexa e fundamental para cada viver humano. Ao longo da trajetória ocidental foram sendo constituídos diversos conceitos de mundo, ligados a concepções da realidade e do homem. Heidegger faz um comentário e levantamento desses conceitos (1). Ele toma o mundo como questão e usa inicialmente a expressão alemã: In der Welt sein (Ser, estar jogado no mundo). Indica no homem a abertura essencial para o Ser, a transcendência, aquilo que constitui o homem como homem. Um outro nome para mundo e transcendência é lógos. É nesse horizonte que se deve ler a sentença órfica:dzoion logon echon (2) (com que se define o homem na ordem da vida) e que significa: O que constitui a essência vital do homem é a transcendência, o lógos.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) Cf. HEIDEGGER, Martin. Da essência do fundamento. Lisboa: Edições 70, 1988, pp. 42-3.
(2) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Uma leitura órfica de uma sentença grega". In: Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992.


Ver também:

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O mundo como questão é visto por Heidegger como In der Welt sein. Mas devemos distinguir o mundo como questão e o mundo como conceito. Destes há muitos, normalmente expressos através de um adjetivo acrescentado a mundo: mundo pessoal, social, medieval etc. Por isso, Heidegger começa o levantamento dos conceitos vulgares de Mundo. Ao discutir a questão da essência do fundamento, Heidegger trata profundamente o mundo como questão em seus aspectos históricos. Mas não devemos esquecer que a questão mundo é uma das mais tratadas pelo pensador, desde Ser e tempo. Ela se torna a questão central, junto com a questão terra, para fazer uma profunda reflexão sobre o que é a arte. A questão mundo também é central no modo como Heidegger compreende a coisa.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
______. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.
______. A essência do fundamento. Lisboa: Edições 70, 1988, pp. 42-3.


Ver também:


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"Mundo é o acontecimento apropriador de clareira e iluminação" (1).


Referência:
HEIDEGGER, Martin. "Alétheia". In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 244.


Ver também:


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Heidegger liga mundo ao coisificar da coisa. Mas é importante perceber, como diz Heidegger, que não há causa nem fundamento. A explicação aí não ocorre, porque esta pressupõe que haja causa ou fundamento. O que se entende por coisificar da coisa está tratado por Heidegger no ensaio "A coisa" (1). Ainda nesse sentido diz: "Denominamos mundo o apropriante jogo especular (Spiegel/Spiel) da simplicidade do Céu e da Terrra, dos Divinos e dos Mortais" (2).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A coisa. In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.
(2) HEIDEGGER, Martin. In: Einblick in das was ist "Das Ding". In: ------. Bremer und Freiburg Vorträge. G.A., Bd. 79.

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"No fazer-se Linguagem do Ser, o homem vem a si mesmo e o mundo vem ao homem para ser mundo" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Hegel, Heidegger e o Absoluto". In: Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 262.


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Mundo usa-se em muitos sentidos. Propriamente o falar de sentido já é falar de mundo. Como pode haver sentido sem mundo ou mundo sem sentido? Em si, mundo é uma das questões mais complexas. O seu entendimento como meio ou contexto já surge de teorias sobre o real. O que é mundo?
1° Mundo cultural. Aí mundo diz que cada cultura constitui em si um mundo. Como tal daria consistência a uma identidade, a daqueles que pertencem a tal cultura. As culturas constituiriam entre si diferenças. Como explicá-las? Outra questão a este respeito: Como se relaciona linguagem/língua/cultura? Ocorre que há diferentes conceitos de cultura, dependendo da disciplina. A tensão entre língua e cultura não pode ser vista a partir de um conceito linguístico de língua, algo formal e abstrato. O vigor de toda cultura é o que une terra, céu, ser humano enquanto mundo: o sagrado. Por isso, toda cultura tem si um culto: os ritos dos mitos, pelos quais acontece o vigorar do sagrado;
2° Mundo e universo real. É muito genérico mas ao mesmo tempo pode significar todo o real externo e também o interno, como por exemplo, na expressão: "meu mundo interior";
Visão de mundo. Aqui significa que o real é experienciado e vivenciado a partir de uma religião, de uma teoria filosófica, científica, política, econômica. O que fica implícito a toda visão de mundo é a questão do real. O que é "real" aí? Deus? Matéria? Sociedade? Se pode haver diferentes teorias do real e em diferentes campos é porque o próprio real dando-se nessas teorias se retrai como real. O real diz-se e manifesta-se de muitas maneiras. A cada maneira de manifestação dá-se o nome de mundo;
Ser e mundo. É o sentido ontológico. Como tal abrange e ultrapassa todos os outros. Mas para ser/mundo comparecem: phýsis enquanto nascividade/ser; poíesis enquanto vigor poético; tékhne enquanto o conhecer que advém na e pela luz, lógos enquanto linguagem. Não pode haver mundo sem linguagem. Lógos/linguagem é mundo. Alétheia, ou seja, a própria realidade ou ser se ofertando enquanto clareira de desvelamento, isto é, verdade e não-verdade (a clareira articula sempre um desvelamento e um velamento: quando a floresta se retrai é que podemos apreender propriamente a floresta. Éthos é a linguagem enquanto mundo, onde, morando, nos apreendemos como seres humanos. Daí resulta a Sophía, isto é, a sabedoria é o ético vigorando como realidade poética enquanto mundo. São as artes. Devemos ter o cuidado de não confundir mundo, que é uma questão, com mundo seguido de um adjetivo, que se transforma simplesmente em conceito. Por exemplo: mundo medieval, social etc.


- Manuel Antônio de Castro


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"E nós olhamos: o mundo (que não foi criado uma só vez, mas tantas quantas as vezes que aparece um artista original) parece-nos totalmente transformado relativamente ao precedente, mas também inteiramente claro" (1).
Em si o artista não é o que cria mundo, uma ideia cristã que desfoca a verdadeira questão: quando o ser humano atua, ele só pode atuar a partir do que já existe e do que já lhe foi dado. Criar então significa simplesmente manifestar o que ainda não foi manifesto.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) GRASSI, Ernesto. Arte e Mito. Lisboa: Livros do Brasil, s.d., p. 172.


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Hoje há uma tendência entre certos teólogos de falarem de mundo a partir das concepções da realidade oriundas da ciência, como se esta constituísse a realidade básica, a partir da qual se poderiam dar explicações teológicas, poéticas etc. Nota-se que falta algo e fazem afirmações problemáticas e superficiais. Emmanuel Carneiro Leão (1) encaminha o tema adequadamente ao relacionar as pesquisas e afirmações da ciência com mundo. Só porque há um mundo é que os cientistas podem fazer pesquisas físicas, biológicas etc. Eles já pressupõem o mundo constituído. Nenhuma se preocupa em pensar a própria constituição do mundo e de mundos. Por isso, pensar a realidade enquanto mundo é pensar a realidade originariamente. Mas para tanto, também é necessário pensar a cultura originariamente, porque mundo e cultura se implicam. Como relacionar mundo, linguagem e DNA, ou seja, o código genético?


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis, Vozes, 1992, p. 192.


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Há uma mediação dos entes infra-humanos com o homem e com o ser. É nessa mediação que se vai constituir mundo, pois o homem é o ponto de re-ferência e unidade. Nessa mediação do homem fica claro como a cultura é mundo.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HUMMES, Cláudio. Metafísica. In: Travessia Poética pp. 118-20 e pp. 131-33.

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Há uma estreita relação entre a instauração de mundo e a edificação de uma obra. Diz Leão: "[...] o processo de instauração do mundo comporta sempre a edificação de uma obra, uma operação" (1). A instauração de mundo se dá:
a) pela arte;
b) pela ação criadora do político, que funda um novo sistema de convivência;
c) pelo comportamento do herói, que realiza um sacrifício transcendente;
d) pela reflexão do pensador, que converte em marcha de pensamento a verdade da existência. "[...] sempre qualquer processo de instauração de mundo é a edificação de uma obra. É um primeiro resultado. O segundo se refere à Linguagem como dinamismo e potência da obra" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Existencialismo e literatura". In: Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 168.
(2) Idem, p. 168.


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"mundo diz a matriz de sentido no interior da qual um ser humano vive sua vida. É no mundo que o homem experiencia sua mortalidade, sua desmesura, seus poderes, seus fracassos, sua sede" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, nº 164, 2006, p. 182.


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"O existir se dá, e só pode se dar no, ou num, mundo. O ser é condição de possibilidade do estabelecimento de todo e qualquer mundo. O ser é sempre como vigência de uma substantividade essencial infinitiva, isto é, como condição de possibilidade de qualquer forma de sentido a posteriori. A vigência do ser é que inaugura a possibilidade de mundo, mas não só de mundo, também de caos. Existir não. Impõe o mundo como ordenação e configuração de um caos primordial, e ao mesmo tempo a superação dessa ordem e desse modo de configurar" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 56.


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A história é sempre a história do mundo, mas só o mundo funda a história do mundo. Então história e mundo são o [[mesmo]] sem serem a mesma coisa. Ambos vigoram no mesmo princípio. E quando percebemos esta concretude originária é que podemos nos dar conta de como é impossível separar a história do homem e o homem da história, porque o homem é homem por ser originariamente a transcendência enquanto mundo. Sem mundo não há homem e sem homem, em sua transcendência, não há mundo. E o homem aí não pode ser de maneira alguma um conceito genêrico, uma essência conceitual, pois é o mundo que, como princípio originário, dá unidade a todos os seres humanos. E aí mundo cultural é uma expressão menor diante da originariedade do humano.


- Manuel Antônio de Castro
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