Intencionalidade
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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| - | : (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: ---. | + | : (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro.''' "[[Análise]] da [[Existência]] [[humana]] em Binswanger". In: ---. [[Filosofia]] [[contemporânea]]. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 69.''' |
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| - | : Nossa [[relação]] com o [[ser]] do [[ente]] é complexa, vista sob a [[dimensão]] do [[saber]]: ele me aparece como [[objeto material]], quando quero [[saber]] [[o que é]]; me aparece como [[objeto formal]], quando quero [[saber]] [[o como é]]; temos ainda a [[dimensão]] introduzida por [[Kant]]: | + | : Nossa [[relação]] com o [[ser]] do [[ente]] é complexa, vista sob a [[dimensão]] do [[saber]]: ele me aparece como [[objeto material]], quando quero [[saber]] [[o que é]]; me aparece como [[objeto formal]], quando quero [[saber]] [[o como é]]; temos ainda a [[dimensão]] introduzida por [[Kant]]: o como se sabe. E falta ainda considerar, sobretudo, aquela [[dimensão]] que diz respeito ao próprio [[saber]] como tal: [[o para que se sabe]], pois aí se manifesta a [[intencionalidade]]. O que falta [[pensar]] na [[intencionalidade]] é o não confundi-la com a [[finalidade]]. E isso é decisivo, porque quando se reduz tanto o [[ser]] quanto o [[saber]], na [[dimensão]] da [[intencionalidade]] à [[finalidade]] sucede a inversão [[moralista]] pela qual os [[fins]] justificam os [[meios]]. Mas tais [[fins]] já estão dados no [[sistema]] ou [[modelo]]. E só então nesse [[agir]] se vê todo o [[abismo]] em que se move todo o nosso [[agir]], quando tem como [[sentido]] o [[sentido]] do [[modelo]]. |
: - [[Manuel Antônio de Castro]] | : - [[Manuel Antônio de Castro]] | ||
Edição atual tal como 02h18min de 17 de março de 2025
Tabela de conteúdo |
1
- "A palavra intencionalidade provém do latim intentio, que significa intenção pensada a partir do interesse, da direção, do direcionamento, do sentido. Intencionalidade é aquela feição de nosso estado mental em que se pode dizer corretamente tratar-se de algo, isto é, ela é um “conteúdo”, ou seja, a forma referente a algo externo, a algo que está fora do Homem, que é diferente dele, isto é, um objeto exterior que de alguma maneira o toca e o influencia posteriormente quando se torna um estado mental" (1).
- Referência:
- (1) FRECHEIRAS, Marta Luzie de Oliveira. "Intencionalidade, memória e reminiscência em Aristóteles". In: Revista Tempo Brasileiro - Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164. Rio de Janeiro: jan.-mar. 2006, p. 37.
2
- "Mas, voltamos a perguntar: o que faz com que algo externo quando se transforma em um estado mental em nós, ganhe força, se consolide a ponto de possibilitar alguém tornar-se um artista?
- Esse problema em Aristóteles pode ser encontrado não na sua teoria da sensação, mas da fantasia, da imaginação. Porém, para compreendermos a questão da intencionalidade em Aristóteles faz-se mister que compreendamos primeiro as suas teorias da sensação, da memória e da rememoração" (1).
- Referência:
- (1) FRECHEIRAS, Marta Luzie de Oliveira. "Intencionalidade, memória e reminiscência em Aristóteles". In: Revista Tempo Brasileiro - Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164. Rio de Janeiro: jan.-mar. 2006, p. 38.
3
- "Em Husserl é pela intencionalidade que a consciência está sempre passando do fenômeno para a fenomenologia. Há, pois, uma distinção entre fenômeno e fenomenologia e a intencionalidade da consciência serve de ponte de ligação. Sem consciência intencional não se dá fenomenologia" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Análise da Existência humana em Binswanger". In: ---. Filosofia contemporânea. Teresópolis/RJ: Daimon Editora, 2013, p. 69.
4
- "Assim a pergunta aparece como sendo ao mesmo tempo um auto-exercício e um exercício de outro. Trata-se de um auto-exercício em que o sujeito como perguntador se transcende a si mesmo em direção ao outro como perguntado, ao objeto, ou seja, um auto-exercício que se realiza através do exercício de um outro" (1).
- Está aqui, certamente, a intencionalidade de que trata a fenomenologia e, por isso mesmo, a questão do horizonte.
- "Em outras palavras, em um mesmo exercício da pergunta o perguntador se exerce a si mesmo e a algo de outro. Já sabemos também que toda pergunta implica um saber que o perguntador possui de si mesmo e do objeto perguntado. Ora, todo saber é, em última análise, um saber referente ao ser, pois somente algo que é pode ser sabido" (2).
- Esta observação é fundamental. Todo saber diz respeito em primeira instância ao ser e a sua separação deste é pura abstração. Quando há a representação o interessante é que se cria uma defasagem entre o que se representa e o que acontece a partir de e na vigência do ser. E é aí que se dá toda a perda que a mera representação acarreta: perde-se o sentido da realidade, de maneira que se dá uma defasagem e um afastamento dela. E isso acaba gerando a perda do seu sentido e de quem assim age. E sem sentido não se pode mais viver, não se pode mais ser.
- Referência:
- (1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Curso dado em Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois passou por uma ordenação Episcopal e posteriormente foi nomeado Cardeal.
- (2) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Curso dado em Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois passou por uma ordenação Episcopal e posteriormente foi nomeado Cardeal.
5
- Conhecer o ser que nos foi dado é renunciar aos limites que o ser jamais tem, por isso somos, mas estamos próximos e distantes do ser, isso para dizer o quanto nos é difícil deixarmo-nos tomar pelo conhecer do ser. É um agir tão difícil e tão especial que ele é sem intencionalidade. Essa é a difícil tarefa do amar, isto é, amar é não ter intencionalidade, por isso é um agir que não satisfaz, mas leva à conquista do único que satisfaz: o conquistar-se, pois no sermos reside a plenitude, conquistar é conquistar-se no que já desde sempre somos. E este é sem intencionalidade. É dessa maneira que o que está fora não pode nos satisfazer. O que está fora nunca para de poder ser substituído, mas só o insubstituível nos satisfaz, pois o insubstituível é sem limites. Pensar é ser.
6
- "Perguntar só posso se ainda não sei, mas consciente deste não-saber, eu tendo ao saber. Quero saber e por isto pergunto. A pergunta é, portanto, um movimento de tendência para ..., a qual ultrapassa o até agora sabido em direção a algo mais, ainda não sabido, mas que pode ser sabido. Ora, se esta tendência para... vai na direção de algo que pode ser sabido, então ela o exerce – assim como acontece com o saber – dentro da luz do ser e no horizonte do ser. Esta tendência, este querer, é, portanto, – igualmente como o saber – um exercício espiritual, visto que a característica do espírito é a de exercer-se na luz do ser e no horizonte do ser. Esta tendência, este querer, é, portanto, – igualmente como o saber – um exercício espiritual, visto que a característica do espírito é a de exercer-se na luz do ser e no horizonte do ser. Assim temos aqui uma segunda forma de exercício espiritual – implicado na pergunta -, a saber, o querer" (1).
- Referência:
- (1) HUMMES, o.f.m. Frei Cláudio. Metafísica. Mimeo. Curso dado em Daltro Filho / Imigrantes, RS, 1963. Depois passou por uma ordenação Episcopal e posteriormente foi nomeado Cardeal.
7
- Nossa relação com o ser do ente é complexa, vista sob a dimensão do saber: ele me aparece como objeto material, quando quero saber o que é; me aparece como objeto formal, quando quero saber o como é; temos ainda a dimensão introduzida por Kant: o como se sabe. E falta ainda considerar, sobretudo, aquela dimensão que diz respeito ao próprio saber como tal: o para que se sabe, pois aí se manifesta a intencionalidade. O que falta pensar na intencionalidade é o não confundi-la com a finalidade. E isso é decisivo, porque quando se reduz tanto o ser quanto o saber, na dimensão da intencionalidade à finalidade sucede a inversão moralista pela qual os fins justificam os meios. Mas tais fins já estão dados no sistema ou modelo. E só então nesse agir se vê todo o abismo em que se move todo o nosso agir, quando tem como sentido o sentido do modelo.
