Sentidos

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Os sentidos sentem o que a [[physis]] doa ao sentir e ao sentente. Este logos e esta poiesis da physis no sentir dos sentidos é que "fazem" com que uma nova sinfonia seja muito mais e algo completamente diferente do que uma sucessão de seus ordenados formalmente e que uma "análise" físico-acústica pode calcular e medir. Em tais conhecimentos formais ou físico-acústicos se auto-determinam e jamais podem fundar ou analisar o sentir e o seu sentido ético-poético. Até porque o sentido ético-poético se dá a partir da physis se manifestando na clareira criptofânica de desvelamento e velamento, de som e silêncio. Até porque este ou aquele sentido nunca pode ser isolado a não ser abstratamente, conceitualmente. Até porque todo sentido pode ser sentido do corpo em sua tripla dimensão (1).  
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:Os [[sentidos]] sentem o que a ''[[phýsis]]'' doa ao [[sentir]] e ao sentente. O ''[[lógos]]'' e a ''[[poíesis]]'' da ''phýsis'' no [[sentir]] dos [[sentidos]] é que "fazem" com que uma ''Nona sinfonia'' seja muito mais e [[algo]] completamente diferente de uma [[sucessão]] de sons ordenados formalmente, que uma [[análise]] físico-acústica pode [[calcular]] e [[medir]]. Tais [[conhecimentos]] [[formais]] ou físico-acústicos se auto-determinam e jamais podem [[fundar]] ou [[analisar]] o [[sentir]] e o seu [[sentido]] [[ético-poético]]. Até porque o [[sentido]] [[Ética|ético]]-[[poético]] se dá a partir da ''[[phýsis]]'' manifestando-se na [[clareira]] criptofânica de [[desvelamento]] e [[velamento]], de [[som]] e [[silêncio]]. O [[sentido]] da [[sensibilidade]] se diz em [[grego]] ''[[aisthesis]]''. Mas o [[sentido]] [[ético]], diz-se em [[grego]] ''[[télos]]''. Este diz o [[realizar]] em [[plenitude]] o [[princípio]], em [[grego]], ''[[arkhé]]''. A esta [[plenificação]] do [[princípio]] vigorando enquanto ''[[télos]]'' é que os [[gregos]] denominaram ''[[ética]]''. Esta é a ''[[phýsis]]'' vigorando em [[plenitude]] de seu [[agir]], isto é, da ''[[poíesis]]'', da [[ação]] [[poética]]. Os [[sentidos]] sentem com [[sentido]] por já se fundarem no [[vigorar]] do [[princípio]] enquanto ''[[télos]]''. Portanto, não há [[estética]] sem a [[poética]], porque esta é o [[vigorar]] do [[ético]], do [[sentido]] dos [[sentidos]].  
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:Numa mentalidade positivista como a que a ciência do século XIX criou, a determinação do real é vista, geralmente, como sendo feita pelos sentidos. Contudo, aí não se vê o círculo vicioso em que se move essa determinação: o real é determinado e configurado pelos sentidos que, por sua vez, já são sentidos, ditos e pensados/racionalizados pela realidade. Não se nota que o círculo pressupõe já o manifestar do que os sentidos apreendem e até a razão que os caracteriza além de terem de ser "ditos", ou seja, a Linguagem os precede. A questão do real só passa pelos sentidos se: a) nos abirmos para o que se manifesta para os sentidos sentirem; b) os sentidos são sentidos do real que também se manifesta, não nos sentidos, mas também como sentidos; c) a linguagem que "dita" o alcance dos sentidos; d) os sentidos do sentir. A tensão realidade e sentido traz em si e se move já na questão da verdade (1).  Nesse livro, o autor interpreta o Mito da Caverna e algumas passagens do Teeteto, de [[Platão]]. É um Platão novo e originário que surge. A grande questão do sentido inerente ao "eidos" platônico está correlacionada à questão dos sentidos, especialmente do [[VER]].
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:Numa mentalidade [[positivismo|positivista]] como a que a [[ciência]] do século XIX criou, a determinação do [[real]] é vista, geralmente, como sendo feita pelos sentidos. Contudo, aí não se vê o círculo vicioso em que se move essa determinação: o [[real]] é determinado e configurado pelos sentidos que, por sua vez, já são sentidos, ditos e pensados/racionalizados pela realidade. Não se nota que o círculo pressupõe já o [[manifestar]] do que os sentidos apreendem e até a [[razão]] que os caracteriza além de terem de ser "ditos", ou seja, a [[Linguagem]] os precede. A questão do real só passa pelos sentidos se: a) nos abrirmos para o que se manifesta para os sentidos sentirem; b) os sentidos são sentidos do real que também se manifesta, não nos sentidos, mas também como sentidos; c) a linguagem que "dita" o alcance dos sentidos; d) os sentidos do [[sentir]]. A tensão realidade e sentido traz em si e se move já na questão da [[verdade]]. A esse respeito, em "Da essência da verdade" (1), o autor interpreta o "Mito da Caverna" e algumas passagens do ''Teeteto'', de Platão. É um Platão [[novo]] e [[originário]] que surge. A grande questão do sentido inerente ao ''[[Eîdos]]'' platônico está correlacionada à questão dos sentidos, especialmente do [[ver]].
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:— [[Manuel Antônio de Castro]]  
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]  
:Referência:
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:(1) HEIDEGGER, Martin. ''De l'essence de la vérité''. Paris: Gallimard, 2001.
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:(1) HEIDEGGER, Martin. "Da essência da verdade". In: '''Ser e verdade'''. Petrópolis: Vozes, 2007.
:'''Ver também:'''
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: Há o universal abstrato e o universal concreto. Os sentidos se fazem presentes no universal concreto, mas não são os sentidos tomados racionalmente. Há nos sentidos o lado, a dimensão emocional, esta não pode ser tomada como o oposto do racional, ou seja, o universal abstrato. Ela remete muito mais para o aspecto criativo, para a dimensão imaginária. Mas também esta pode ser entendida equivocadamente. Não significa algo inventado, projetado em oposição "às coisas". Pelo contrário, são as "coisas" mesmas, em seu aspecto real e concrescente. Isso é o [[imaginário]]. É a physis se manifestando como logos, como sentido e verdade, tanto mais quanto se desvelando se vela, se figurando se retrai no vazio. Todo imaginário nasce e vigora no vazio, no silêncio. À circunscrição das "coisas" como sentido e verdade é que constituem os valores, daí os valores estarem ligados à manifestação, à criação. Criar é manifestar valores. Por isso os valores não advêm das relações, das funções. O valor liberta, a função sistematiza. As "coisas", apreendidas em funções, estabelecem os valores do sistema. Os valores crescem no vigor da "dzoé", ou seja, da physis enquanto acontecer apropriante de desvelamento e velamento.
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: Há o universal [[abstrato]] e o universal [[concreto]]. Os sentidos se fazem presentes no universal concreto, mas não são os sentidos tomados racionalmente. Há nos sentidos o lado, a [[dimensão]] emocional, esta não pode ser tomada como o oposto do racional, ou seja, o universal abstrato. Ela remete muito mais para o aspecto criativo, para a dimensão imaginária. Mas também esta pode ser entendida equivocadamente. Não significa algo inventado, projetado, por oposição às coisas. Pelo contrário, são as [[coisa|coisas]] mesmas, em seu aspecto real e concrescente. Isso é o imaginário. É a ''[[phýsis]]'' se manifestando como ''[[lógos]]'', como [[sentido]] e [[verdade]], tanto mais quanto se desvelando se vela, se figurando se retrai no [[vazio]]. Todo [[imaginário]] nasce e vigora no vazio, no [[silêncio]]. À circunscrição das coisas como sentido e verdade é que constituem os [[valor|valores]], daí os valores estarem ligados à manifestação, à criação. Criar é manifestar valores. Por isso os valores não advêm das [[relação|relações]], das [[função|funções]]. O valor liberta, a função sistematiza. As coisas, apreendidas em funções, estabelecem os valores do sistema. Os valores crescem no vigor da ''[[dzoé]]'', ou seja, da ''[[phýsis]]'' enquanto acontecer apropriante de desvelamento e velamento.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o ''entre''". Rio de Janeiro: Revista '''Tempo Brasileiro:Interdisciplinaridade: dimensões poéticas''', 164, jan.-mar., 2006, p. 29.
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: "Como se dá a [[escuta]] da [[fala]] da [[linguagem]]? Este [[problema]] foi muito bem levantado por [[Platão]]. Se dizemos que há a [[escuta]] de uma [[fala]] (da [[linguagem]]/[[logos]]), isso pressupõe que estamos exercitando nossos [[sentidos]], – em [[grego]], [[aisthesis]]. Mas podemos [[escutar]] e [[ver]] ao mesmo tempo (“vejo” um pássaro “cantando”), no entanto, os [[sentidos]] são diferentes. Esse “ao mesmo tempo” não me é dado pelos [[sentidos]], porque cada [[sentido]] só me dá algo separado. Há algo que precede os [[sentidos]]. Logo, eles não determinam a [[escuta]]" (1).
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: Referência:
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: (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. '''Leitura: questões'''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 202.

Edição atual tal como 01h15min de 26 de janeiro de 2024

1

Os sentidos sentem o que a phýsis doa ao sentir e ao sentente. O lógos e a poíesis da phýsis no sentir dos sentidos é que "fazem" com que uma Nona sinfonia seja muito mais e algo completamente diferente de uma sucessão de sons ordenados formalmente, que uma análise físico-acústica pode calcular e medir. Tais conhecimentos formais ou físico-acústicos se auto-determinam e jamais podem fundar ou analisar o sentir e o seu sentido ético-poético. Até porque o sentido ético-poético se dá a partir da phýsis manifestando-se na clareira criptofânica de desvelamento e velamento, de som e silêncio. O sentido da sensibilidade se diz em grego aisthesis. Mas o sentido ético, diz-se em grego télos. Este diz o realizar em plenitude o princípio, em grego, arkhé. A esta plenificação do princípio vigorando enquanto télos é que os gregos denominaram ética. Esta é a phýsis vigorando em plenitude de seu agir, isto é, da poíesis, da ação poética. Os sentidos só sentem com sentido por já se fundarem no vigorar do princípio enquanto télos. Portanto, não há estética sem a poética, porque esta é o vigorar do ético, do sentido dos sentidos.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:

2

Numa mentalidade positivista como a que a ciência do século XIX criou, a determinação do real é vista, geralmente, como sendo feita pelos sentidos. Contudo, aí não se vê o círculo vicioso em que se move essa determinação: o real é determinado e configurado pelos sentidos que, por sua vez, já são sentidos, ditos e pensados/racionalizados pela realidade. Não se nota que o círculo pressupõe já o manifestar do que os sentidos apreendem e até a razão que os caracteriza além de terem de ser "ditos", ou seja, a Linguagem os precede. A questão do real só passa pelos sentidos se: a) nos abrirmos para o que se manifesta para os sentidos sentirem; b) os sentidos são sentidos do real que também se manifesta, não nos sentidos, mas também como sentidos; c) a linguagem que "dita" o alcance dos sentidos; d) os sentidos do sentir. A tensão realidade e sentido traz em si e se move já na questão da verdade. A esse respeito, em "Da essência da verdade" (1), o autor interpreta o "Mito da Caverna" e algumas passagens do Teeteto, de Platão. É um Platão novo e originário que surge. A grande questão do sentido inerente ao Eîdos platônico está correlacionada à questão dos sentidos, especialmente do ver.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Da essência da verdade". In: Ser e verdade. Petrópolis: Vozes, 2007.


Ver também:

3

Há o universal abstrato e o universal concreto. Os sentidos se fazem presentes no universal concreto, mas não são os sentidos tomados racionalmente. Há nos sentidos o lado, a dimensão emocional, esta não pode ser tomada como o oposto do racional, ou seja, o universal abstrato. Ela remete muito mais para o aspecto criativo, para a dimensão imaginária. Mas também esta pode ser entendida equivocadamente. Não significa algo inventado, projetado, por oposição às coisas. Pelo contrário, são as coisas mesmas, em seu aspecto real e concrescente. Isso é o imaginário. É a phýsis se manifestando como lógos, como sentido e verdade, tanto mais quanto se desvelando se vela, se figurando se retrai no vazio. Todo imaginário nasce e vigora no vazio, no silêncio. À circunscrição das coisas como sentido e verdade é que constituem os valores, daí os valores estarem ligados à manifestação, à criação. Criar é manifestar valores. Por isso os valores não advêm das relações, das funções. O valor liberta, a função sistematiza. As coisas, apreendidas em funções, estabelecem os valores do sistema. Os valores crescem no vigor da dzoé, ou seja, da phýsis enquanto acontecer apropriante de desvelamento e velamento.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:
*Clareira
*Figurar


4

"De logos originaram-se na língua portuguesa dois sentidos (mas as traduções são muitas), aparentemente opostos: razão e linguagem. Isto é devido à perda do sentido fundador do logos como o entre de ser humano E ser. Sendo o ser humano o sujeito e não mais o logos que reúne, a razão fundamenta os conhecimentos e a linguagem os comunica funcionalmente" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Interdisciplinaridade poética: o entre". Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro:Interdisciplinaridade: dimensões poéticas, 164, jan.-mar., 2006, p. 29.

5

"Como se dá a escuta da fala da linguagem? Este problema foi muito bem levantado por Platão. Se dizemos que há a escuta de uma fala (da linguagem/logos), isso pressupõe que estamos exercitando nossos sentidos, – em grego, aisthesis. Mas podemos escutar e ver ao mesmo tempo (“vejo” um pássaro “cantando”), no entanto, os sentidos são diferentes. Esse “ao mesmo tempo” não me é dado pelos sentidos, porque cada sentido só me dá algo separado. Há algo que precede os sentidos. Logo, eles não determinam a escuta" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 202.
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