Dobra

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 20h36min de 7 de Julho de 2018 por Profmanuel (Discussão | contribs)

1

Dobra é o nomear do desdobramento da arkhé em télos. É um desdobrar-se para além e aquém de sistemas, relações e causas, porque toda dobra é sem porquê. Na dobra vige o mesmo pelo qual a arkhé e o télos constituem identidade e diferença. Mesmo é a arkhé vigorando como desdobramento da dobra no télos. O mesmo enquanto dobra é o ser do sendo. Sendo é o presencializar-se do que sem cessar se presenteia em sua presença, em grego morphe. A plenitude da presença, a arche enquanto telos, não é a afirmação do ente, mas do sendo em sua plenitude enquanto memória destinal do mesmo, o retorno à sua fonte de origem, o nada, mas agora como dobra desdobrada, na sua plenitude, onde nada e tudo são um e o mesmo. A dobra não pára de se desdobrar, assim como diz Heráclito na sentença 84: "Transformando-se, repousa". Por isso, o mesmo é a dobra enquanto energia originária.


- Manuel Antônio de Castro

2

A dobra se dá no vigorar do eu e do tu enquanto desdobrarmento e doação do ser, desdobramento de pensar e ser (ver sentença III de Parmênides). No vigorar da dobra é que acontece a aletheia, a verdade. Por isso ela será sempre um entre, um diálogo de ser e pensar, no exercício concreto do krinein, do criticar originário. Krinein diz então o vigorar do sentido do ser no dar-se e destinar-se enquanto verdade. Nesse sentido poético, a crítica não é um exercício epistemológico-racional, mas ontológico. No conhecer epistemológico-racional não acontece ser porque só temos a sua representação causal e substantiva, isto é, dual. O modelo pressupõe o dual enquanto duplo, ao passo que a dobra se funda na matriz.


- Manuel Antônio de Castro


3

Podemos compreender o tu pensando o eu, porque o tu é o outro do eu. Um outro que pode ser ele mesmo desdobrando-se no que ainda não é, mas pode vir a ser, pois tudo é e não é. Para então compreender o tu, é necessário que saibamos que antes de o eu se descobrir como eu é necessário que saia dele e se projete no outro. Somente assim o eu retorna a si e toma consciência de que é um eu. Ou seja, para chegarmos a saber quem eu sou, temos que já ser também o não-eu, ou seja, o tu. E o eu chega a ser neste desdobramento de eu e tu. Do mesmo modo, cada um chega a saber se é do gênero masculino ou feminino na medida em que para chegar a se saber ou conhecer já tem de ser os dois [[gêneros. Jung fala em animus e anima. Os dois gêneros pressupõem, por isso mesmo, o sou sendo. Todo sendo é sendo de uma dobra: o eu e o tu. Percebamos isso bem: Num diálogo, eu me dirijo ao tu e ele me escuta e sabe que está me escutando. Porém, quando o tu responde, eu escuto, não como eu, mas como tu. Portanto, para podermos dialogar temos de ser a dobra de eu e tu, caso contrário não dialogaríamos, não nos reconheceríamos, pois aí depende só da posição de quem fala e de quem escuta. Igualmente podemos falar conosco mesmo, ou seja, eu posso me escutar, apropriando-me do próprio que eu sou. Ontologicamente há a unidade. Só nesta pode vigorar a identidade e a diferença da unidade, uma vez que para haver e vigorar unidade é necessária a afirmação tanto da identidade quanto da diferença. É neste mesmo horizonte ontológico que devemos compreender em nós a vigência de masculino e feminino.


- Manuel Antônio de Castro

4

Diz Heráclito na sentença 84: “Transformando-se, repousa” (Heráclito. In: Pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Tradução: Emmanuel Carneiro Leão e Sérgio Wrublewski. Petrópolis/RJ: Vozes, 1991). O princípio da transformação é o repouso e o do repouso é a transformação. Isto é uma dobra. Ou na 103: “Princípio e fim se reúnem na circunferência do círculo” (Idem). Este pensamento dá continuidade ao anterior, acrescentando a questão do fim e do caminho. Desse modo, o caminho da dobra acontece, dá-se no círculo.


- Manuel Antônio de Castro


5

"E sempre o que nos orienta é a escuta do ético do poético. Isso é o erótico. Este remete, claro, aqui para Eros e sua origem numa dobra, aquela que rege toda condição humana: o humano e o divino. Para compreender toda a força e presença do mito de Eros, temos de abandonar a leitura moderna e racional do que seja mito (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Diálogos trans- e a questão do humano". In: http://travessiapoetica.blogspot.com.

6

"Aqui, retomo a questão da lógica e da palavra que lhe dá origem: o logos. Há uma outra palavra grega que faz uma dobra com logos e que, normalmente, não é pensada nem trazida ao pensamento: nous. Formada do verbo noein, significa: pensar; saber por ter visto. Daí a tradução antiga e sempre atual de nous ser intellectus: intelecto, pensamento, inteligência e não meramente razão" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Diálogos trans- e a questão do humano". In: http://travessiapoetica.blogspot.com.

7

"Pensar diz, portanto, não definir nem conceituar, mas o abrir-se para o aprender a pensar o que é digno de ser pensado. Isso é a travessia: dobra desdobrando-se, sempre inauguralmente" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "A gota d’água e o mar". In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 246.


8

"Na vida, entretanto, não basta sentir, é necessário ser o que se sente. Ao contrário, a poética é um enigma que se dá em uma dobra. O seu desdobrar-se é mais que estético, algo somente preso às sensações ou percepções, é poético. Só o poético vigora no e a partir da essência do agir. Eis aí a diferença radical entre estética e poética. A essência do agir vigora a partir do sentido do ser e acontece em nós quando nos abrimos para o operar do pensar" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Liberdade, vontade e uso de drogas”. In: -----. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 269.