Pintura

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Sem dúvida nenhuma a [[linguagem]] do pintor é a [[cor]]. Mas o que é isto - a cor? Não é que a cor se torne linguagem. A cor já é linguagem, porém sua manifestação está ligada a duas [[dimensões]] fundamentais: O que se dá a ver no ver e no brilhar, que podemos olhar e [[ver]] ou [[olhar]] e não-ver. Por isso, no ensaio de Heidegger: "A teoria platônica da verdade" (1), há uma passagem em que diz que o olho é conatural (originário do) ao Sol (''helioeidés''). Mas o Sol que tudo ilumina e origina não se pode ver. Se o tentarmos ver ficaremos cegos. E Édipo só viu quando ficou cego ou ficou cego porque viu, isto é, renunciou à sua [[vontade]]. A segunda dimensão diz respeito ao pintor: ele é aquele que na cor (e seu brilhar) vê o Sol e o manifesta enquanto [[obra]]/[[verdade]]. Não ele como sujeito, mas o [[Sol]] se fazendo poeticamente linguagem no operar desta nele. A linguagem fala, não o homem. O pintor só fala quando responde e corresponde ao apelo da Linguagem do Sol: a cor.  Não há [[perspectiva]] para o pintor sem horizonte/limite e não-limite (fronteira), e não há horizonte sem luz/Sol. Eis aí a criação do artista-pintor: deixar o Sol deslimitar as fronteiras liminares do ser humano e do [[Ser]] na luminosidade da linguagem da cor enquanto obra. A obra operando é o Ser sendo enquanto [[verdade]] e [[mundo]]. Pintura é [[Terra]], é mundo.
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:Sem dúvida nenhuma a [[matéria]] do pintor é a [[cor]]. Mas o que é isto - a cor? Não é que a cor se torne linguagem. Ao se manifestar como obra de arte, ela se torna [[mundo]], que é linguagem dando sentido à matéria. Tal [[manifestação]] na pintura tornando-se [[verdade]], está ligada a duas [[dimensões]] fundamentais: O que se dá a ver no ver e no brilhar, sendo sua [[essência]] e [[verdade]], que podemos [[olhar]] e [[ver]] ou [[olhar]] e não-ver. Por isso, no ensaio de Heidegger: "A teoria platônica da verdade" (1), há uma passagem em que diz que o olho é conatural (originário do) ao Sol (''helioeidés''). Mas o Sol que tudo ilumina e origina não se pode ver. Se o tentarmos ver ficaremos cegos. E Édipo só viu quando ficou cego ou ficou cego porque viu, isto é, renunciou à sua [[vontade]]. A segunda dimensão diz respeito ao pintor: ele é aquele que na cor (e seu brilhar) vê o Sol e o manifesta enquanto [[obra]]/[[verdade]]. Não ele como sujeito, mas o [[Sol]] se fazendo poeticamente linguagem no operar desta nele. A linguagem fala, não o homem. O pintor só fala quando responde e corresponde ao apelo da Linguagem do [[Sol]]: a [[cor]].  Não há [[perspectiva]] para o pintor sem horizonte/limite e não-limite (fronteira), e não há horizonte sem [[luz]]/[[Sol]]. Eis aí a [[criação]] do [[artista]]-[[pintor]]: deixar o [[Sol]] deslimitar as fronteiras liminares do ser humano e do [[Ser]] na luminosidade da linguagem da cor enquanto obra. A obra operando é o Ser sendo enquanto [[verdade]] e [[mundo]]. Pintura é [[Terra]], é mundo.
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: (1) HEIDEGGER, Martin. "A teoria platônica da verdade". In: ''Marcas do caminho''. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 215-50.
: (1) HEIDEGGER, Martin. "A teoria platônica da verdade". In: ''Marcas do caminho''. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 215-50.
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:No filme ''Sofia'' de Liv Ullmann, a [[personagem]] Sofia se apaixona pelo pintor Holvi e ele por ela. Para agradar à amada, pede para fazer um retrato dos pais dela. No dia em que o retrato está praticamente pronto, ela visita o estúdio. Ao [[olhar]] para o retrato e para os pais que, sentados num sofá, pousavam para o pintor, cai no choro, pois vê e é tomada por algo novo e estranho. Após alguns momentos explica ao pintor a sua surpresa: "Foi como se os tivesse visto pela primeira vez. Foi como se até agora nunca tivesse capatado sua verdadeira [[essência]]". Essa, penso, é a essência da pintura, de toda [[arte]]. Isso é o [[universal concreto]] da arte, da [[poética]].
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: No [[filme]] ''Sofie'' (1) de Liv Ullmann, a [[personagem]] Sofia se apaixona pelo [[pintor]] Holvi e ele por ela. Para agradar à amada, pede para fazer um retrato dos pais dela. No dia em que o retrato está praticamente pronto, ela visita o estúdio. Ao [[olhar]] para o retrato e para os pais que, sentados num sofá, pousavam para o pintor, cai no choro, pois vê e é tomada por algo novo e estranho. Após alguns momentos explica ao pintor a sua surpresa: "Foi como se os tivesse visto pela primeira vez. Foi como se até agora nunca tivesse capatado sua verdadeira [[essência]]". Essa, penso, é a essência da pintura, de toda [[arte]]. Isso é o [[universal concreto]] da arte, da [[poética]].
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- [[Manuel Antônio de Castro]]
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ULLMANN, Liv. ''Sofie'', 1992.
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: A [[verdade]] [[grega]] ou ''[[a-letheia]]'' se funda na [[luz]], pois significa o vir à [[luz]], o [[desvelamento]]. E este é que se chamou sempre a [[verdade]], uma [[verdade]] que permite e possibilita todo [[ver]] e [[compreender]], na medida em que a [[verdade]] é uma [[doação]] da [[clareira]], na qual convivem [[claridade]] e [[escuridão]], constituindo as [[diferentes]] e ricas [[cores]], pois como diz Rosa no conto “Nada e a nossa condição”, a [[luz]] enquanto [[claridade]] constitui-se num [[paradoxo]]:  “O que era a luzência, a clara, incongruência [[claridade]], seu tétrico radiar, o qual traspassava a [[noite]]” (1). Em verdade, não sabemos o que seja a [[luz]]. E, no entanto, toda [[imagem]] e seu [[sentido]] se funda na [[luz]]. E note-se como a [[imagem]] muda de [[aparência]] segundo a incidência e a intensidade ou [[ausência]] de [[luz]], dando [[origem]] às [[diferentes]] [[cores]]. A [[imagem]] em sua [[beleza]] está ligada ao [[jogo]] das [[diferentes]] [[cores]]. Em [[essência]], a complexidade e [[mistério]] da [[luz]] é o mesmo [[mistério]] da [[imagem]] e da [[cor]] de cada uma. [[Luz]], [[essencialmente]], é [[sentido]], [[verdade]], [[mundo]] e [[vida]]. Por isso, quando nasce uma [[criança]], dizemos que a [[mulher]] dá à [[luz]], um [[homem]] não dá à [[luz]]. No que há de [[essencial]], a [[teoria]] de [[gênero]] nada pode. Outra expressão neste [[horizonte]] é o dizermos para nos referirmos à [[verdade]]: vir à [[luz]] ou à [[luz]] da [[razão]].
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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: (1) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ------. ''Primeiras estórias''. 3. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 89.

Edição atual tal como 14h08min de 12 de Agosto de 2019

1

Sem dúvida nenhuma a matéria do pintor é a cor. Mas o que é isto - a cor? Não é que a cor se torne linguagem. Ao se manifestar como obra de arte, ela se torna mundo, que é linguagem dando sentido à matéria. Tal manifestação na pintura tornando-se verdade, está ligada a duas dimensões fundamentais: O que se dá a ver no ver e no brilhar, sendo sua essência e verdade, que podemos olhar e ver ou olhar e não-ver. Por isso, no ensaio de Heidegger: "A teoria platônica da verdade" (1), há uma passagem em que diz que o olho é conatural (originário do) ao Sol (helioeidés). Mas o Sol que tudo ilumina e origina não se pode ver. Se o tentarmos ver ficaremos cegos. E Édipo só viu quando ficou cego ou ficou cego porque viu, isto é, renunciou à sua vontade. A segunda dimensão diz respeito ao pintor: ele é aquele que na cor (e seu brilhar) vê o Sol e o manifesta enquanto obra/verdade. Não ele como sujeito, mas o Sol se fazendo poeticamente linguagem no operar desta nele. A linguagem fala, não o homem. O pintor só fala quando responde e corresponde ao apelo da Linguagem do Sol: a cor. Não há perspectiva para o pintor sem horizonte/limite e não-limite (fronteira), e não há horizonte sem luz/Sol. Eis aí a criação do artista-pintor: deixar o Sol deslimitar as fronteiras liminares do ser humano e do Ser na luminosidade da linguagem da cor enquanto obra. A obra operando é o Ser sendo enquanto verdade e mundo. Pintura é Terra, é mundo.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A teoria platônica da verdade". In: Marcas do caminho. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 215-50.

2

No filme Sofie (1) de Liv Ullmann, a personagem Sofia se apaixona pelo pintor Holvi e ele por ela. Para agradar à amada, pede para fazer um retrato dos pais dela. No dia em que o retrato está praticamente pronto, ela visita o estúdio. Ao olhar para o retrato e para os pais que, sentados num sofá, pousavam para o pintor, cai no choro, pois vê e é tomada por algo novo e estranho. Após alguns momentos explica ao pintor a sua surpresa: "Foi como se os tivesse visto pela primeira vez. Foi como se até agora nunca tivesse capatado sua verdadeira essência". Essa, penso, é a essência da pintura, de toda arte. Isso é o universal concreto da arte, da poética.


- Manuel Antônio de Castro
- (1) ULLMANN, Liv. Sofie, 1992.

3

A verdade grega ou a-letheia se funda na luz, pois significa o vir à luz, o desvelamento. E este é que se chamou sempre a verdade, uma verdade que permite e possibilita todo ver e compreender, na medida em que a verdade é uma doação da clareira, na qual convivem claridade e escuridão, constituindo as diferentes e ricas cores, pois como diz Rosa no conto “Nada e a nossa condição”, a luz enquanto claridade constitui-se num paradoxo: “O que era a luzência, a clara, incongruência claridade, seu tétrico radiar, o qual traspassava a noite” (1). Em verdade, não sabemos o que seja a luz. E, no entanto, toda imagem e seu sentido se funda na luz. E note-se como a imagem muda de aparência segundo a incidência e a intensidade ou ausência de luz, dando origem às diferentes cores. A imagem em sua beleza está ligada ao jogo das diferentes cores. Em essência, a complexidade e mistério da luz é o mesmo mistério da imagem e da cor de cada uma. Luz, essencialmente, é sentido, verdade, mundo e vida. Por isso, quando nasce uma criança, dizemos que a mulher dá à luz, um homem não dá à luz. No que há de essencial, a teoria de gênero nada pode. Outra expressão neste horizonte é o dizermos para nos referirmos à verdade: vir à luz ou à luz da razão.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ------. Primeiras estórias. 3. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 89.
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