Mito

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 14h04min de 1 de Setembro de 2009 por Fábio (Discussão | contribs)

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O ser humano se desdobra em diversas faces, mas a razão tende a tudo querer abarcar. No mito isso não acontece e não há a separação dessas faces, que seriam:
Conhecer
Pensar ______________ RAZÃO
Compreender
Querer
Desejar ______________ VONTADE
Questionar
Imaginar
Sonhar________________ IMAGINAÇÃO
Inventar
Crer __________________FÉ
Sentir
Apaixonar ____________ AFETIVIDADE / EMOÇÃO
Sensibilizar
      Mito   Arte   Religião  ____  AMAR


A ciência dividiu essa realidade complexa em três campos:
1- Racional
2- Volitivo
3- Afetivo


E a dois métodos:
1-Dedutivo-racional
2-Indutivo-experimental - observacional - estatístico


Porém, hoje as ciências cognitivas, antigas ciências do espírito, já se dão conta de que é essencial trazer para a questão não só a vida do homem, mas também sua vida experienciada no cotidiano. Porém, do cotidiano enquanto ordinário sempre falaram as artes, mas não para reproduzi-lo, mas surpreendê-lo e apreendê-lo na dimensão do extra-ordinário. Porque entre um e outro é que se dá o vigor do poético, o ditar do sagrado enquanto energia que a tudo realiza. Por isso, o mito se dá sempre no entre dos ritos enquanto acontecer dos mitos. Quando os ritos esquecem os mitos, começa a necessidade de criar o simbólico. As ciências cognitivas se não ouvirem o poder do mito como presença na experienciação cotidiana do extraordinário estarão ainda tolhidas e surdas para a fala e voz do humano do homem.
A cultura: tudo que o homem faz, pensa, quer, sente e crê.


- Manuel Antônio de Castro


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Seria necessário pensar a referência/ relação mito/ escrita. Até onde a escrita abole o rito e deixa o mito entregue ao rito da escrita, gerando assim uma "perda" entre o rito do mito e o rito da escrita, que se refletiria na própria relação/ referência linguagem/ língua/ narração. Sugerimos a leitura do ensaio "Teoria literária: representação e ética" (1) para contribuir com a discussão.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Teoria literária: representação e ética". Disponível em Travessia Poética.


Ver também:


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O mito é a língua do sagrado. A linguagem é o sagrado se manifestando em língua. Por isso, o mito é a linguagem de toda língua.


- Manuel Antônio de Castro


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Na poesia, o que se revela memória do mito é o apelo do lógos para dizê-lo. Por isso, mais no silêncio e no vazio do que nas palavras, sons, gestos e cores, está presente o mito enquanto memória do silêncio da poesia. O rito é o lógos se fazendo palavras, música, dança e pintura do mito.


- Manuel Antônio de Castro


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Os mitos no sentido moderno são: "[...] progresso, liberdade, igualdade e tantos outros criados pela razão moderna" (1). Ora estes mitos constituem a paideia da Bildung. Dela se afasta a paideia da poíesis.


Referência:
(1) SOARES, André Marcelo Machado. "Nietzsche e Heidegger na teologia de Paul Tillich". In: Caderno de Letras, nº 16. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, Departamento de Letras Anglo-Germânicas, p. 127.


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"A recompensa, por se existir na ponte do tempo entre o silêncio e a fala, é avançar sempre e nunca parar" (1). O mito é também o silêncio do rito. O rito é a fala do mito.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1)LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p.28.


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Uma reflexão da ligação do mito com a literatura e a arte está exposta na interpretação de Schuback: "Ao narrar que Ulisses [Kafka] com cera nos ouvidos jamais poderia ouvir que as sereias não teriam cantado e, assim, descobrir que o mito seria ilusão, Kafka mostra que a literatura é itinerário para a verdade do mito. Literatura é a saga de Ulisses de volta para o mito" (1). Não só Ulisses tapa os ouvidos com cera, mas as sereias não cantam: "Mais do que silêncio, elas deixam em cena o seu não-canto e assim a ausência de encantamento que constituem 'armas ainda mais terríveis do que o canto'" (2). O canto cotidiano nos enche de contentamento, mas nos pode obstruir o caminho para o não-encantamento, para o silêncio. E esta pode ser a verdade do mito, o supremo encantamento, a morte, porque depois que o silêncio fala, qualquer palavra é excessiva, cada um achou a sua plenitude. Ulisses ao ouvir o que não pode ser ouvido só se salva porque se amarra ao limite que toda fala implica. O máximo de limite da fala frente ao ilimitado de todo silêncio está na palavra cantada, onde o encantamento advém como real e como possível, como desvelado e velado, como ordinário e extraordinário, onde a ambiguidade se faz o uno de toda diversidade. A palavra cantada sendo sucessão de sons se faz sentido enquanto uno de toda realidade. Por isso, o ritmo é o real se dando, se manifestando em formas no devir contínuo da não-forma. Eis porque na pausa não há ritmo, só na fala cantada do silêncio.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante. "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de Filosofia. Petrópolis: Vozes, 1999, p.165.
(2) Idem, p. 164.


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Emmanuel Carneiro Leão diz que a filosofia, mais que um conhecimento ou uma ideologia ou uma visão de mundo, é uma experiência de pensamento. "Mas essa experiência de pensamento que nós não sabemos ainda o que é precisamente não é a única experiência grega, nem a única experiência grega de pensamento. Outra experiência de pensamento é o mito, a mística. Outras são os deuses e o extraordinário. Ainda há uma outra, a poesia e a arte. Uma outra experiência de pensamento é a pólis e a politéia, isto é, a organização, a ordem política da cidadania... uma outra... a primeira experiência grega de pensamento é a vida e a morte, Eros kai Thanatos" (1). Penso que por essa riqueza de experiência de pensamento é que se dá a complexidade da linguagem (mito, lógos, épos), a própria experiência de ser e não-ser.


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A filosofia grega hoje". In: Caderno de Letras, nº 18. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, Departamento de Letras Anglo-Germânicas, 2002, p. 21.


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Na ficha Mito,1, apontam-se as três construções do real: filosofia, teologia, ciência. Mas elas não estão separadas, pois a ciência fragmenta a construção do homem e do real numa série de disciplinas. E cada uma de acordo com o seu objeto e método, nos propõe um entendimento do mito: antropologia, etnografia (ou etnologia), psicologia, psiquiatria, psicanálise, história. E dentro de cada disciplina ainda há as correntes. Isso numa primeira instância pulveriza o entendimento do mito, afastando-nos do seu vigor manifestativo e construtivo. Por outro lado, afirmando-se o mito um núcleo impenetrável, só ocasiona uma possibilidade de abertura para o sentido do mito no que o mito é: manifestação originária do real. Pensadas não as interpretações mas este núcleo indecifrável, se abre para nós a essência do mito, que é, no fundo, a essência da linguagem ou do real como totalidade cósmica. O que seja isto é o que o mito nos leva a pensar. E aqui se dá a diferença entre o mito como conhecimento e o mito como uma experiência de pensamento mítica. O mito em seu núcleo duro é sempre uma experiência de pensamento e não a formulação de um conhecimento. Quando se pensa a arte essencialmente se chega à questão do mito como experiência de pensamento, ou seja, à experiência de pensamento do sagrado. É o que Platão, no Íon, fala sobre a inspiração dos poetas pelas Musas.


- Manuel Antônio de Castro


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No mito deve ser considerado fundamentalmente o rito. O mito nos advém no rito. Mas quando consideramos o rito, constatamos que ele não é um conceito, nem, evidentemente, uma representação. Por isso, o rito se constitui na essência de sua poética mítica. Não temos só poética quando o mito nos dá a ritualização da própria linguagem, como no mito de Hermes. Todo rito pressupõe uma poética, pois todo rito reúne momentos de música, poesia, dança, pintura, escultura... O rito reúne as linguagens poéticas no mito como linguagem. A poética do mito se dá na consideração da tensão entre mito e rito.
Rito e mito se dão também como culto na cerimônia ritual. O que seria o culto? Diz Ronaldes de Melo e Souza: "[...] o culto explica a cultura que o desenvolve, e a cultura implica o culto que a envolve. Não subsiste a cultura senão enquanto existe o sortilégio da pulsão mítica que a dinamiza e da compulsão ritual que a potencializa. O ato cultual do conato pulsional é que processualiza o fato cultural. O mito dramaticamente ritualizado não é unicamente o prodigalizador das razões da sociedade, mas principalmente o inseminador das paixões da humanidade. A cultura persiste em sua duração histórica somente enquanto insiste na perduração mitológica do seu culto" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. Hermenêutica da concriatividade. 1988. Tese de doutorado - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 356.


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"O mito tem a força da verdade, a manifestação do real. O mito como palavra coloca a linguagem como a manifestação do ser. Nesse sentido, a linguagem também é mito. Ela restitui a essência ao ser. É a manifestação pela qual o real eclode em sua essência. Em grego, mýthos originou-se do verbo mytheomai, que significa: desocultar pela palavra. Palavra essa, organizada na forma de discurso sagrado. Tem o sentido de palavra divina, através do canto poético aquecido como uma fonte referente ao sentido do ser e às formas divinas do mundo. Assim, dizemos que o mito aparece como o próprio real. O real a se doar, a eclodir como Linguagem" (1).


Referência:
(1) GROETAERS, Elenice. A poética da noite em Vinicius de Moraes. São Paulo: Scortecci, 2007, pp. 58-9.

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"Mýthos já diz o manifestar-se do real em sua essência originária, em ser o próprio extra-ordinário em seu vigor atuante, em sua concreticidade, pois o concreto é a vigência do vigente na pergunta que a questão nos põe. Todo mito é uma pergunta gerada pelas questões. Dialogar e interpretar os mitos é sempre experienciar como rito a resposta à pergunta que o mito sempre e permanentemente coloca" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Permanência e atualidade da Poética". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 171. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 11.


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"O mito, em seu vigor imperante, está presente, como não podia deixar de ser, em todos os momentos e acontecimentos do homem, Poesia que é" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético - a história literária. Rio de Janeiro: Antares, 1982, p. 39.