Sou
De Dicionário de Poética e Pensamento
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+ | : (1) AGUALUSA, José Eduardo. "Minha Casa". In: .... '''O Globo''', ''Segundo Caderno'', 14-03-2020, p. 6. |
Edição de 15h38min de 14 de março de 2020
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1
- Num diálogo, eu me dirijo ao tu e ele me escuta e sabe que está me escutando. Porém, quando o tu responde, eu escuto, não como eu, mas como tu. Portanto, para podermos dialogar temos de ser a dobra de eu e tu, pois aà depende só da posição de quem fala e de quem escuta, não de ser como possibilidade. Igualmente podemos falar conosco mesmo, ou seja, eu posso me escutar. Ontologicamente há a unidade interna de eu e tu (outro). Só na unidade pode vigorar a identidade e a diferença da unidade, uma vez que para haver e vigorar unidade é necessária a afirmação tanto da identidade quanto da diferença. A unidade é o sou. É neste mesmo horizonte ontológico que devemos compreender em nós a vigência de masculino e feminino. Dessa maneira o próprio que cada um é vigora no sou.
2
- Eu sou significa para o grego que o Eu só é Eu porque o sou do eu como o que é se faz presente. Assim o Eu só pode ser Eu não por uma vontade e decisão, seja subjetiva seja epistemológica, mas porque o sou implica presença como desvelamento enquanto eu, a partir do que sempre se vela, seja no tu que eu mesmo tenho de ser também, seja no mistério da realidade, que os gregos denominavam physis. Trata-se, neste caso, do Outro de todos os outros e de todos os eus, ou seja, o Ser, que é Nada de tudo que é e vem a ser. Esclareço: physis foi traduzida para o latim por natura, em português, natureza. No entanto, physis é muito mais do que natureza, a inclui, mas vai além, pois diz também os mitos, a história, todos os entes, enfim, physis é tudo e nada, um mistério. E é deste mistério que o sou se origina e para ele volta. Por mais que o ser humano pense o sou, ele sempre se oculta, se vela, em seu mistério. E todas as grandes obras de arte são, em sua essência, procuras do sou, que cada ser humano é, sem distinção de masculino ou feminino. Isto fica bem evidente na modernidade com o mergulho profundo na subjetividade e no jogo de espelhos em que ele tanto mais se revela quanto mais se vela, numa espiral infinita...Em vista disto, um dos grandes temas da modernidade se tornou o espelho, na procura da identidade...
3
- Assim como há um jogo dialético entre sou e eu, o mesmo se dá entre o não sou do que recebi para ser e não chegou ainda a ser. Nesse sentido, também todo eu é ao mesmo tempo um não eu, caso contrário, o eu já se conheceria completamente. O não sou é o acontecer do não ser que recebi para ser. Desse modo tanto o sou como o eu estão em contÃnua transformação e revelação. Não há aqui nenhuma evolução, pois isso é existir e existência, em que se manifesta e realiza o próprio de cada um, insubstituÃvel e imprevisÃvel.
4
- "O ser, o mais próximo de cada um de nós e inegável em sua presença fundadora, se tornou tão distante e estranho a nós, pela educação sofÃstica e gramatical, que não notamos, por exemplo, quando dizemos: Eu sou, que o Eu só pode ser afirmado quando fundado no sou. Se o eu é o sujeito enquanto fundamento, o sou é que funda o fundamento, o eu. Não é o eu que funda o sou, mas este é que funda o eu. Sem ser não há eu. E então o que é o eu? Um eu nunca é masculino ou feminino, nunca tem uma identidade cultural a ou b. Um eu não é nenhum nenhuma, não é algum alguma. Um eu é. O eu, sendo, vigora num abismo tão profundo que cada eu ao se colocar e procurar como eu se encontra na mais profunda solidão" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 218.
5
- "E agora é necessária uma primeira distinção, sempre a partir da essência do agir, do questionar. Ontologicamente, podemos conceber todo sendo como a dobra: a) do que é; b) do como é. É sempre no agir do como sou que, desdobrando-me dialeticamente, chego a ser o que sou" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser, o agir e o humano". In: ---------. Leitura: questões. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2015, p. 38.
6
- "Diz Kant, resumindo: O que de mim posso conhecer com a pura autoconsciência intelectiva é que eu sou; mas para saber que sou devo conhecer-me como atividade unificadora (=no juÃzo); para conhecer-me como atividade unificadora devo ter dados a unificar, e estes dados são sensÃveis e, por conseguinte, fenomênicos; “logo, não tenho conhecimento de mim como sou, senão apenas como apareço a mim mesmo†"(1).
- Referência:
- HUMMES ofm, Cardeal Dom Cláudio. História da Filosofia. Curso dado em 1963, em Daltro Filho, hoje cidade de Imigrantes, RS.
7
- "...Uzodinma quis saber se me incomodava ser tratado por mulato Nunca me reconheci em classificações racistas. Na verdade, nem sequer me reconheço no meu nome, que me soa tão alheio agora quanto me soava quando era criança. Acho tão estranho ser apresentado como branco, quanto como mulato ou indiano - o que também acontece. Nenhuma raça me define. Não sou uma raça. Respondi que aquela palavra tanto pode magoar quanto celebrar ou acarinhar. O que magoa é o sentimento que nela coloca quem a utiliza" (1).
- Referência:
- (1) AGUALUSA, José Eduardo. "Palavras más". Crônica publicada no "Segundo Caderno", de O Globo, sábado, 21-09-2019, p. 8.
8
- "A minha casa, costumo dizer, é todo o lugar onde estão as pessoas que amo. Contudo, não é inteiramente verdade, porque já me aconteceu estar com as pessoas que amo em lugares nos quais não me sinto em casa. Então, descobri a resposta: a minha casa é todo o lugar onde não preciso explicar quem sou. Apenas sou" (1).
- Referência:
- (1) AGUALUSA, José Eduardo. "Minha Casa". In: .... O Globo, Segundo Caderno, 14-03-2020, p. 6.