Experienciação
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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Edição de 15h03min de 26 de Setembro de 2017
1
- 1ª) Semântica: por exemplo, quando se faz um levantamento semântico de uma palavra. É necessária a consulta a um bom dicionário lexical;
- 2ª) Fenomenológica: por exemplo quando se levantam os diversos conceitos em sua tentativa de definição e apreensão, tanto do ente como do ser, em que a própria palavra fenomenologia mostra a dinâmica essencial da realidade e suas realizações e de seu estar realizando-se. Aqui é necessário consultar um dicionário de filosofia.
- 3ª) Etimológico-ôntico-poética: as duas primeiras ainda se movem numa sintaxe gramático-conceitual-formal. Já a última se centra na própria poíesis/lógos como questão, isto é, a tensão do entre manifestar e dizer, e velar e silenciar. Mas esta só acontece como experienciação no sentido em que Clarice Lispector usa a palavra aprendizagem no romance Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1).
- Referência:
- (1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
2
- A experienciação, junto com o télos e o horizonte, constituem as três instâncias da travessia poética do ser humano. Porém, elas precisam do aberto, ou seja, da clareira. Mas não há clareira sem mundo, como não há mundo sem clareira. A clareira é o "entre" de ex-perienciação de "terra" E "mundo". Por isso, nossa condição fundamental é sermos projeto, ou seja, o sermos "entre". Em vista disso, essas três instâncias se realizam através da tripla escuta, que constitue o triplo diálogo. É, pois, fundamental, pensar a travessia poética a partir da tripla escuta e do triplo diálogo. Ao mesmo tempo estão relacionados ao "dizer/dichten". Conferir o livro A caminho da linguagem (1) para aprofundar a questão.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 146-8.
3
- Quando concluímos que toda interpretação e leitura de obras poéticas deve caminhar e ser exercida como ex-perienciação, aqui ela tem um sentido bem preciso: consiste no manifestar e desabrochar como saber o que cada um é. Nesta manifestação consiste o que cada um é enquanto verdade. Não há aí nenhuma atitude prévia que consista num ensino, no sentido de transmissão de conhecimentos, mas no exercitar e desvelar o que sou como aprendizado. Nisso e só nisso consiste o ensinar. Por isso diz Guimarães Rosa: "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende". O ensinar e aprender se diferenciam assim: o ensino corresponde ao conhecimento, às informações. O aprendizado ao saber e à sabedoria. Assim sendo, a experienciação de fato perfaz um caminho de aprendizado, mas perpassado pelo ensinar, ou seja, pela aquisição de conhecimentos. O conhecimento é de alguma maneira o aspecto técnico de todo saber, como os degraus de uma escada que se vai subindo. Subimos para a sabedoria-experienciação, mas caminhamos pelos e nos degraus do conhecimento enquanto técnica que, de alguma maneira, é funcional. Só a aprendizagem não é funcional. O interessante é que exatamente por ser funcional ele, dependendo da ocasião e do tempo, pode ser abandonado e até substituído. Por isso, a leitura interpretativa inaugural trafega do conhecimento à sabedoria. A funcionalidade torna a presença do conhecimento eventual, mas também necessário. A eventualidade e mutabilidade torna este necessário mutável e, até, em determinado momento, completamente secundário. Mas jamais dispensável. Por isso, a ex-perienciação se dá numa originária dialética de limite e não-limite.
4
- A ligação da experienciação com a verdade e com o método fica bem clara no § 172 de A origem da obra de arte (1) quando diz: "A essência da poíesis é a fundação da verdade. O fundar compreendemo-lo aqui em um triplo sentido: fundar como doar, fundar como fundamentar e fundar como começar. A fundação, porém, é verdadeira somente na leitura-inaugural. Assim, a cada modo de fundar corresponde uma semelhante da leitura-inaugural-desvelante". O método é aquele caminho no qual e pelo qual a verdade da obra se dá numa tripla experienciação que se deve fazer presente na leitura-inaugural-desvelante, igualmente de modo triplo e correspondente. Quando tal acontece então a leitura-inaugural-desvelante é onto-poética.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.
5
- A realidade nos advém como linguagem. Mas então cada experienciação em que o real se dá é sempre linguagem. Como não sabemos o que é real também não sabemos o que é linguagem, onde o "não" de real e o "não" de linguagem só é "não" para quem diz e experiencia, mas não para o isto que se dá. Experienciar é o dar-se a perceber do real em quem experiencia.
6
- A experienciação não é algo que de fora ou em alguém pode acontecer ao real e à linguagem. Não. A experienciação é o real acontecendo como linguagem, sentido, verdade e mundo, em quem os experiência, o que jamais quer dizer algo subjetivo ou objetivo. A experienciação não é passível de objetividade nem de cálculo nem de uma verdade lógica. Por isso, toda experienciação só pode acontecer enquanto aprendizagem e não jamais enquanto aprendizado.
7
- "A medida do entre tanto é a vida quanto é a morte. Na medida está o sentido, no sentido está a medida. Toda procura, no fundo, é sempre a procura do sentir do sentido. É justamente isso que denomino aqui experienciação e não (jamais!) experiência. Toda procura advém sempre enquanto experienciação. Todo conceito advém sempre enquanto experiência. É por isso que posso dizer que “Fulano é experiente no fazer artefatos de madeira, de barro, em dar aula etc”. Todavia, jamais posso dizer que alguém é experiente na experienciação de morrer. Das experiências surge um aprendizado, passível de ser ensinado, porque é um saber baseado em conceitos, por exemplo, um carpinteiro que ensina o aprendiz a fazer móveis. Das experienciações surge uma aprendizagem, algo absolutamente pessoal e impossível de ser ensinado, porque não é redutível aos conceitos. A aprendizagem é experienciação das questões" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 215.
8
- "A arte sem experienciações da poíesis não é arte, seja para o artista, seja para o leitor, porque a arte, que é poíesis, vai direto ao coração das questões. Deve ficar bem claro que a experienciação não diz respeito ao domínio do subjetivo. Muito pelo contrário! É quando o subjetivo das opiniões e das impressões se deixa ultrapassar pelo poder da presença e vigorar das questões. A experienciação só pode ser experienciação de questões" (1) .
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O mito de Cura e o ser humano". In: -------. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 215.
9
- Para sair da prisão científica do verdadeiro, objetivo, lógico e conceitual, empregamos a palavra experienciação, pela qual se diz a dialética de positivo e negativo do limite, sempre em tensão com o ex-, para indicar a contínua abertura para o livre da realização em cada ato, em cada momento, bem como a unidade (memória) de todos os atos, de todas as vivências, propiciando, assim, uma identidade nas diferenças do acontecer poético, ou seja, do agir em que se dá, acontece, o sentido da ação, de ser e fazer, enfim, o ético-poético.