Ideologia

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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:Seria bom dizer que a ideologia é cega. Porém, não é. Na realidade ela enxerga, mas é míope. Por isso precisa do terceiro [[olhar|olho]] da ''[[poíesis]]'', isto é, do vigor do poético. Mas aí, o que vê não é mais ideológico, porque então vê mais do que a visão pode dar ao [[ver]] por e a partir da visibilidade. Isso é o vigor do poético, a ''poíesis''.
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: Seria bom [[dizer]] que a [[ideologia]] é cega. Porém, não é. Na [[realidade]] ela enxerga, mas é míope. Por isso precisa do terceiro [[olhar|olho]] da ''[[poíesis]]'', isto é, do [[vigor]] do [[poético]]. Mas aí, o que vê não é mais ideológico, porque então vê mais do que a [[visão]] pode dar ao [[ver]] por e a partir da visibilidade. Isso é o [[vigor]] do [[poético]], a ''[[poíesis]]''.
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:Ideologia é um [[conceito]] camaleônico. "A ideologia não é um conteúdo 'de' mas o mecanismo de produzi-lo" (1). Podemos perguntar: O quê e a partir do quê produz a ideologia? Essa é a questão propriamente que se esconde no camaleônico da ideologia. Tudo isso é uma decisão pela qual a [[realidade]] como [[questão]] se vê reduzida a uma decisão conceitual, passando essa, como ideo-logia, a ser mais importante do que a própria realidade se realizando, ou, em grego: ''[[ón]]''. Isso fica bem claro no próprio título do livro de Eni Orlandi. O decisivo aí é a realidade como simbólico. Por que justapor duas realidades: a realidade se realizando e sua [[representação]] simbólica? No fundo, todo mecanismo conceitual de reduzir a realidade se realizando à sua representação, conceitual ou simbólica, é a ideologia. A realidade se realizando é um dar-se do [[próprio]] da realidade. A nós compete apreendê-lo e compreendê-lo poeticamente.
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: [[Ideologia]] é um [[conceito]] camaleônico.  
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: Podemos [[perguntar]]: O quê e a partir do quê produz a [[ideologia]]? Essa é a [[questão]] propriamente que se esconde no camaleônico da [[ideologia]]. [[Tudo]] isso é uma [[decisão]] pela qual a [[realidade]] como [[questão]] se vê reduzida a uma [[decisão]] [[conceitual]], passando essa, como [[ideo-logia]], a [[ser]] mais importante do que a [[própria]] [[realidade]] se realizando, ou, em grego: ''[[ón]]''. Isso fica bem claro no próprio título do livro de Eni Orlandi. O [[decisivo]] aí é a [[realidade]] como [[simbólico]]. Por que justapor duas [[realidades]]: a [[realidade]] se realizando e sua [[representação]] [[simbólica]]? No fundo, [[todo]] mecanismo [[conceitual]] de reduzir a [[realidade]] se realizando à sua [[representação]], [[conceitual]] ou [[simbólica]], é a [[ideologia]]. A [[realidade]] se realizando é um dar-se do [[próprio]] da [[realidade]]. A nós compete apreendê-lo e compreendê-lo poeticamente.
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:(1) ORLANDI, Eni. ''Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico''. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 65.
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: (1) ORLANDI, Eni. '''Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico'''. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 65.
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:Não se pode querer ler Machado de Assis numa dimensão ideológica porque "o [[narrador]] que [[fingir|finge]] diversas vozes ou que realiza a [[mímesis]] de várias atitudes constitui o exemplo extremo e sério-jocoso da representação da [[alteridade]]. Caracterizado como fingidor, o narrador cumpre a sublime função de transmissor credenciado de todos os sentidos culturalmente consentidos pelos diferentes estratos sociais de uma comunidade histórica. Não apresenta nenhuma ideologia em particular. Pelo contrário, representa a disputa ideológica em luta" (1).
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: Não se pode [[querer]] [[ler]] [[Machado de Assis]] numa [[dimensão]] [[ideológica]] porque:
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: "... o [[narrador]] que [[fingir|finge]] diversas vozes ou que realiza a [[mímesis]] de várias [[atitudes]] constitui o exemplo extremo e sério-jocoso da [[representação]] da [[alteridade]]. Caracterizado como [[fingidor]], o [[narrador]] cumpre a [[sublime]] [[função]] de [[transmissor]] credenciado de todos os [[sentidos]] culturalmente consentidos pelos diferentes estratos [[sociais]] de uma [[comunidade]] histórica. Não apresenta nenhuma [[ideologia]] em particular. Pelo contrário, representa a disputa [[ideológica]] em luta" (1), (2).
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:- [[Manuel Antônio de Castro]]
 
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: - [[Manuel Antônio de Castro]]
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:Referências:
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:(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: ''Linha de pesquisa''. Rio de Janeiro: [s.n.], 1, out. 2000, v. I, p. 46.  
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: (1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: '''Linha de pesquisa'''. Rio de Janeiro: [s.n.], 1, out. 2000, v. I, p. 46.
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:(2) Cf. também o ensaio de SOUZA, Ronaldes de Melo e. "O estilo narrativo de Machado de Assis". In: SECCHIN, Antônio Carlos, ALMEIDA, José Maurício Gomes e SOUZA, Ronaldes de Melo e (orgs.). ''Machado de Assis - Uma revisão''. Rio de Janeiro: In-Fólio, 1998, pp. 15-79.
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: (2) Cf. também o ensaio de SOUZA, Ronaldes de Melo e. "O estilo narrativo de [[Machado de Assis]]". In: SECCHIN, Antônio Carlos, ALMEIDA, José Maurício Gomes e SOUZA, Ronaldes de Melo e (orgs.). '''[[Machado de Assis]] - Uma revisão'''. Rio de Janeiro: In-Fólio, 1998, pp. 15-79.
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: *[[Símbolo]]
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A filosofia grega hoje". In: ''Caderno de Letras'', nº 18. Faculdade de Letras, UFRJ. Departamento de Letras Anglo-Germânicas, 2002.
:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A filosofia grega hoje". In: ''Caderno de Letras'', nº 18. Faculdade de Letras, UFRJ. Departamento de Letras Anglo-Germânicas, 2002.
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:A necessidade de respostas e a exorbitância dos porquês validados por elucidações, somados ao empenho da [[ciência]] em se aprimorar no [[pensamento]] calculado, deram forças ao [[sistema]] de ideologia, cuja vitalidade se renova nas angústias de cada um em querer saber seus porquês. A ideologia funciona, neste sentido, como peregrinação científica que busca a antecedência do inesperado, isto é, chega às [[resposta|respostas]] a partir de cálculos que responderiam com certezas estatísticas àquilo que o tempo não concede pela escuta. Acerca da ideologia como [[certeza]] calculada, Emmanuel Carneiro Leão nos diz: "[...] o cálculo demonstra toda a eficiência, não perde tempo com a espera do inesperado, onde não há tempo a perder com interpretações, onde não interferem as transferências da angústia. [...] a utilização dos [[modelo|modelos]] de identificação no universo dos fatos inventa espíritos, e por muito tempo o céu foi povoado de seres metafísicos, como colonialismo, capitalismo, imperialismo, comunismo" (1).
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:- [[Fábio Santana Pessanha]]
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:(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Filosofia e Psicanálise". In: ______. ''Aprendendo a pensar''. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 62.
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: "A [[filosofia]] também não constitui uma [[ideologia]], [[concepção]] de [[vida]] ou [[visão]] de [[mundo]]. Mas não vale a inversão. Pois toda [[ideologia]], [[concepção]] de [[vida]] ou [[visão]] de [[mundo]] não podem prescindir da [[vida]] na [[filosofia]]" (1).
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: Referência:
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: (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Crença, fé e teoria na filosofia grega". In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, ''Cláudio Magris'', 186: 125-132, jul.,set., 2011, p. 127.

Edição atual tal como 20h49min de 19 de Setembro de 2021

1

Seria bom dizer que a ideologia é cega. Porém, não é. Na realidade ela enxerga, mas é míope. Por isso precisa do terceiro olho da poíesis, isto é, do vigor do poético. Mas aí, o que vê não é mais ideológico, porque então vê mais do que a visão pode dar ao ver por e a partir da visibilidade. Isso é o vigor do poético, a poíesis.


- Manuel Antônio de Castro
Ver também:
*Finito
*Sentido

2

Ideologia é um conceito camaleônico.
"A ideologia não é um conteúdo 'de', mas o mecanismo de produzi-lo" (1).
Podemos perguntar: O quê e a partir do quê produz a ideologia? Essa é a questão propriamente que se esconde no camaleônico da ideologia. Tudo isso é uma decisão pela qual a realidade como questão se vê reduzida a uma decisão conceitual, passando essa, como ideo-logia, a ser mais importante do que a própria realidade se realizando, ou, em grego: ón. Isso fica bem claro no próprio título do livro de Eni Orlandi. O decisivo aí é a realidade como simbólico. Por que justapor duas realidades: a realidade se realizando e sua representação simbólica? No fundo, todo mecanismo conceitual de reduzir a realidade se realizando à sua representação, conceitual ou simbólica, é a ideologia. A realidade se realizando é um dar-se do próprio da realidade. A nós compete apreendê-lo e compreendê-lo poeticamente.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ORLANDI, Eni. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 65.
Ver também:
*Poético

3

Não se pode querer ler Machado de Assis numa dimensão ideológica porque:
"... o narrador que finge diversas vozes ou que realiza a mímesis de várias atitudes constitui o exemplo extremo e sério-jocoso da representação da alteridade. Caracterizado como fingidor, o narrador cumpre a sublime função de transmissor credenciado de todos os sentidos culturalmente consentidos pelos diferentes estratos sociais de uma comunidade histórica. Não apresenta nenhuma ideologia em particular. Pelo contrário, representa a disputa ideológica em luta" (1), (2).


- Manuel Antônio de Castro
Referências:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Introdução à poética da ironia". In: Linha de pesquisa. Rio de Janeiro: [s.n.], 1, out. 2000, v. I, p. 46.
(2) Cf. também o ensaio de SOUZA, Ronaldes de Melo e. "O estilo narrativo de Machado de Assis". In: SECCHIN, Antônio Carlos, ALMEIDA, José Maurício Gomes e SOUZA, Ronaldes de Melo e (orgs.). Machado de Assis - Uma revisão. Rio de Janeiro: In-Fólio, 1998, pp. 15-79.
Ver também:
*Símbolo

4

Emmanuel Carneiro Leão define de passagem a ideologia, mas a partir do que a ciência diz e estabelece como verdadeiro. Nesse sentido a ideologia é a ilusão, o não-científico. Como pano de fundo dá a transformação da filosofia em ciência e em sistema de valores (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "A filosofia grega hoje". In: Caderno de Letras, nº 18. Faculdade de Letras, UFRJ. Departamento de Letras Anglo-Germânicas, 2002.


5

A necessidade de respostas e a exorbitância dos porquês validados por elucidações, somados ao empenho da ciência em se aprimorar no pensamento calculado, deram forças ao sistema de ideologia, cuja vitalidade se renova nas angústias de cada um em querer saber seus porquês. A ideologia funciona, neste sentido, como peregrinação científica que busca a antecedência do inesperado, isto é, chega às respostas a partir de cálculos que responderiam com certezas estatísticas àquilo que o tempo não concede pela escuta. Acerca da ideologia como certeza calculada, Emmanuel Carneiro Leão nos diz: "[...] o cálculo demonstra toda a eficiência, não perde tempo com a espera do inesperado, onde não há tempo a perder com interpretações, onde não interferem as transferências da angústia. [...] a utilização dos modelos de identificação no universo dos fatos inventa espíritos, e por muito tempo o céu foi povoado de seres metafísicos, como colonialismo, capitalismo, imperialismo, comunismo" (1).


- Fábio Santana Pessanha


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Filosofia e Psicanálise". In: ______. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 62.


6

"A filosofia também não constitui uma ideologia, concepção de vida ou visão de mundo. Mas não vale a inversão. Pois toda ideologia, concepção de vida ou visão de mundo não podem prescindir da vida na filosofia" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Crença, fé e teoria na filosofia grega". In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, Cláudio Magris, 186: 125-132, jul.,set., 2011, p. 127.
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