Ver

De Dicionrio de Potica e Pensamento

(Diferença entre revisões)
(2)
(1)
Linha 1: Linha 1:
__NOTOC__
__NOTOC__
== 1 ==
== 1 ==
-
:Só aparentemente vemos o que vemos no [[horizonte]] como alcance de nossa [[visão]]. Boa visão não é aquela que vê tudo que é visível. Boa visão é a que vê o [[não-visível]] no visível. Nem vemos o olho que vê embora nele, que não se vê, se realize toda possibilidade de visão. Na realidade, vemos o que se dá a ver daquilo que dando-se a ver se retrai e vela, enquanto não-visível,  como possibilidade de todo visível. Só por podermos ver a partir da possibilidade do [[não-ver]] é que efetivamente podemos chegar a ver o que vemos. Por que vemos pouco, muito pouco? Porque não é necessário ver muito, só o [[essencial]]. E o essencial é o visível do não-visível, mas sem o qual o visível não pode se tornar visível.  
+
: Só aparentemente vemos o que vemos no [[horizonte]] como alcance de nossa [[visão]]. Boa [[visão]] não é aquela que vê tudo que é [[visível]]. Boa [[visão]] é a que vê o [[não-visível]] no [[visível]]. Nem vemos o [[olho]] que vê, embora nele, que não se vê, se realize toda [[possibilidade]] de [[visão]]. Na realidade, vemos o que se dá a [[ver]] daquilo que dando-se a [[ver]] se retrai e vela, enquanto [[não-visível]],  como [[possibilidade]] de todo [[visível]]. Só por podermos [[ver]] a partir da [[possibilidade]] do [[não-ver]] é que efetivamente podemos chegar a [[ver]] o que vemos. Por que vemos pouco, muito pouco? Porque não é necessário [[ver]] muito, só o [[essencial]]. E o [[essencial]] é o [[visível]] do [[não-visível]], mas sem o qual o [[visível]] não pode se tornar [[visível]].  
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
: - [[Manuel Antônio de Castro]]
-
 
-
 
== 2 ==
== 2 ==

Edição de 01h43min de 23 de Outubro de 2018

1

Só aparentemente vemos o que vemos no horizonte como alcance de nossa visão. Boa visão não é aquela que vê tudo que é visível. Boa visão é a que vê o não-visível no visível. Nem vemos o olho que vê, embora nele, que não se vê, se realize toda possibilidade de visão. Na realidade, vemos o que se dá a ver daquilo que dando-se a ver se retrai e vela, enquanto não-visível, como possibilidade de todo visível. Só por podermos ver a partir da possibilidade do não-ver é que efetivamente podemos chegar a ver o que vemos. Por que vemos pouco, muito pouco? Porque não é necessário ver muito, só o essencial. E o essencial é o visível do não-visível, mas sem o qual o visível não pode se tornar visível.


- Manuel Antônio de Castro

2

"O vidente é aquele que já tem visto a totalidade das coisas que se apresenta na presença: em latim vidit; em alemão er steht in Wissen (ele está a par). Ter visto é a ausência do saber. No ter visto já há sempre outra coisa em jogo que a simples realização de um processo ótico. No ter visto a relação com aquilo que se apresenta já retrocedeu para trás de toda a espécie de percepção sensível e não-sensível. A partir daí, o ter visto está relacionado com a presença que se clarifica.
O ver não se determina a partir do olho, mas a partir da clareira do ser. A in-sistência nela constitui a articulação de todos os sentidos humanos. A essência do ver enquanto ter visto é o saber. Este contém a visão. Ele permanece na lembrança da presença. O saber é a lembrança do ser. É por isso que Mnemosýne é a mãe das musas. Saber não é a ciência no sentido moderno. Saber é salvaguarda pensante da guarda do ser" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A sentença de Anaximandro". In: Os pré-socráticos. Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 34.

3

"Aristóteles situa nos primeiros graus do saber a sensibilidade e, no seu âmbito, atribui a primazia à vista porque é o sentido revelador das 'maiores diferenças'.
"No início da Metafísica, Aristóteles distingue as diferentes formas e graus do saber, do eidénai. Eidénai significa originariamente ver, tem a mesma raiz id, presente no latim videre" (1).


Referência:
(1) GRASSI, Ernesto. Arte e mito. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, p. 35.

4

"Na vida prática não nos apercebemos de quase nenhuma impressão visual por ela própria, mas sim como qualidades das coisas materiais. E este elemento conceptual e representativo da experiência, o impressionista quer separar do puramente ótico" (1). As páginas 40, 41 e 42 tratam mais longamente disso, inclusive citando Cézanne: "[...] impressões de cor que, no entanto, têm de ser governadas por uma lógica artística. Daí a sua tão clara distinção entre natureza e arte, que se depreende das citações precedentes" (2).


Referências:
(1) GRASSI, Ernesto. Arte e mito. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, p. 42.
(2) Idem, p. 43.


5

O ver é essencial como ponto de partida da constituição do real para o homem. O que está em questão é: o que é a visão do ponto de vista não biológico nem sensível, mas ontológico? Isso está tratado por Heidegger em Ser e tempo. Cf. Martin Heidegger, Ser e tempo (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1988, pp. 230-1, onde faz um certo histórico.

6

"Agora talvez se sinta melhor tudo o que esta palavrinha exprime: ver. A visão não é um certo modo do pensamento ou de presença a si, é o meio que me é dado de estar ausente de mim mesmo, de assistir de dentro a fissão do Ser, só no termo do qual eu me fecho sobre mim" (1). À p. 100 cita Rilke e fala do olho, também à pp. 101-2. "Quer isto finalmente dizer que é próprio do visível ter um forro de invisível no sentido estrito, que ele torna presente como uma certa ausência" (2). À pp. 103-4 há uma citação de Klee que é necessário ler pois são longas e essenciais para entender o ver: "A visão é o encontro, como numa encruzilhada, de todos os aspectos do ser" (3). "Esta precedência daquilo que é sobre aquilo que se vê e se faz ver, daquilo que se vê e se faz ver sobre aquilo que é, é a própria visão" (4).


Referências:
(1) MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. Rio de Janeiro: Grifo, 1969, p. 99.
(2) Idem, p. 103.
(3) Idem, p. 104.
(4) Idem, p. 105.


7

"A verdadeira ação humana é a de ver, isto é, de apreender a realidade em sua totalidade, e esta em seu caráter completo, perfeito. A partir desta visão, sua atividade consiste basicamente em imitar, em procurar transpor a perfeição percebida para o campo e competência dos assuntos e questões humanas. É em imitação, isto é, em obediência às possibilidades e limites que o real sempre e necessariamente aporta que as leis se impõem como necessidade ao homem" (1).


Referência:
(1) FRANCALANCI, Carla. "Antígona e as leis não escritas". In: Revista Tempo Brasileiro, 157. Rio de Janeiro, abr.-jun., 2004, p. 51.

8

Capital é representação. Sem saber não há representação. Saber é a manifestação do que para todos os seres humanos já se deu a ver em tudo que se vê. Antes de ver já vimos e por isso já sabemos como possibilidade. Se não soubéssemos como possibilidade de ver, não poderíamos nunca chegar a saber o que vemos. Esse ver é da estrutura de possibilidade do próprio e não do indivíduo. O saber do ver como possibilidade é a própria essência da techne, no sentido grego, do qual a moderna técnica é uma faceta, uma dimensão.


- Manuel Antônio de Castro

9

A realidade não pode ser reduzida a uma teoria. Se teoria é o que se vê, daquilo que vemos vemos muito pouco. E aquilo que não se vê em tudo que olhamos e aquilo que nem se dá a ver é muito, muito maior, pois a realidade é contínuo acontecer. Nesse horizonte, toda experienciação nos remete para nossa finitude diante do que “para nós” é e não cessa de ser mistério infinito, porque vigora no silêncio e vazio criadores.


- Manuel Antônio de Castro


10

A luz é a energia do silêncio e seu manto é a claridade. Sem luz não há claridade nem escuridão. A claridade da luz é o sentido e verdade do agir, o vigorar do silêncio da luz. Portanto, a luz é o princípio de tudo, pois dela provêm tanto a claridade quanto a escuridão. E o silêncio é essa energia de plenitude e origem de sentido e verdade em que se constitui originariamente a luz. Como origem de tudo, a luz pode-se mostrar como desvelamento e velamento, como claridade e escuridão. É neste e somente neste horizonte que podemos diferenciar olhar e ver. Podemos olhar tudo e não ver nada. Nesta diferença está a essência do ver porque ele remete para a essência da luz. E é neste sentido que para o grego a luz é o princípio de tudo. Portanto, ver nos diz já originariamente o estar experienciando o princípio de tudo em tudo que se olha. Só assim podemos não apenas olhar, mas, ao mesmo tempo, ver. Para tal dimensão remete a passagem do conto de Rosa ["Nada e a nossa condição", no livro Primeiras estórias(1).


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) ROSA, João Guimarães. "Nada e a nossa condição". In: ------. Primeiras estórias. 3. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 89.