Sentido

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 03h28min de 19 de Setembro de 2009 por Lio (Discussão | contribs)

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É que uma língua só comunica se e na medida em que sua competência tiver sentido, isto é, enquanto puder articular as experiências inovadoras partilhadas pela comunidade. Responder à pergunta se um discurso é ou não é significativo equivale a responder à pergunta: que dimensão da experiência comunitária ele exprime, consolida e transforma? (1). Ora, este fato mostra claramente que realidade e homem se dimensionam no vigor da Linguagem. É por isso que estas questões: homem, realidade, linguagem se constituem no núcleo duro da Poíesis. Perguntar, pois, pelo homem e pela realidade na Modernidade e na Pós-modernidade é perguntar pelo que acontece à Linguagem.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) Cf. LEÃO, Emmanuel Carneiro. A Pós-modernidade. Mimeo, p. 9.


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2

"Se o essencial não foi destinado a ser compreendido, se somos cegos por que insistimos em ver com os olhos, por que não tentamos usar estas nossas mãos entortadas por dedos? Por que tentamos ouvir com os ouvidos o que não é som?" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Maçã no escuro. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Álvaro, 1970, p. 252.


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3

A questão do sentido fica mais clara quando se examina o triângulo semiótico e se tenta aplicá-lo à música. Do ponto de vista da semiótica ou semiologia parece facilmente que o real é construído a partir do signo, daí que o referente foge do horizonte de reflexão, ficando na tensão significante/significado, seja como denotação, seja como conotação. Mas quando se tenta aplicar à música, esta é que origina o significante e o significado, mas sem que se possa falar em referente, ou seja, a música é o próprio referente na medida em que é a realidade tanto mais se manifestado quanto mais mergulhando misteriosamente no velar-se e no silenciar. É deste silêncio que se haure o sentido. Mas então aí não se pode falar de significado. O que aqui se diz da música deve ser dito igualmente da poesia e de todas as artes.


- Manuel Antônio de Castro


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4

Eis os três significados fundamentais de sentido (sentidos/sentir/percepção; direção, caminho; sintaxe, reunião enquanto aquilo que permanece, é constante e confiável). A apreensão da linguagem como a que dá sentido (reduzida ao conceito/signo) vem do assinalar o lógos, a sintaxe, a ordem enquanto sentido que vigora no reunir, na unidade de reunião. Por isso, lógos significa fundamentalmente o de-por e pro-por enquanto reunião e ordem de sentido. O sentido, portanto, enquanto sintaxe/lógos está no núcleo do que é "lugar" e do que é "mundo". É necessário fazer uma fenomenologia do sentir. Não há, apenas os diferentes sentidos reunidos no sentir. O sentir é também um impulso vital de tensão de ente/ser pelo qual, como sentir no âmbito do ente, o sentir deste e daquele ente, cada ente como sendo quer sentir tudo, ou seja, o Ser. Isso fica, por exemplo, patente no poema de Fernando Pessoa: "Multipliquei-me, para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo". É importante compreender que a música perfaz todos os verbos-questões e que, por isso mesmo, essa inter-face de physis e poíesis nos verbos-questões se dá sempre como sentido. Esse dar-se da phýsis/poíesis como sentido é o Ser-entre, o lugar, o mundo.


- Manuel Antônio de Castro


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5

Heidegger diz no ensaio A origem da obra de arte (1) que os sentidos (aistheton) só apreendem "algo" na medida em que fazerm parte, de algum modo, de um "mundo". Ou seja, a coisa já se oferece num determinado "sentido" e cada sentido só sente a partir e no âmbito desse "sentido" (mundo). É claro que há aí uma relação constituída por um todo fundada pelo sentido e experienciada no e pelos sentidos. Um exemplo bem consistente é o jogo. Os movimentos, os processos, os toques, a presença dos sentidos recebem todos o seu sentido pelo sentido inerente ao agir que o jogo traz e pressupõe. Sem este sentido não há jogo. Os sentidos que entram na execução de um jogo e seus processos se manifestam nas jogadas e nos jogadores. Mas tanto uns como outros têm seu horizonte de sentido, no "sentido" (mundo) do jogo que está sendo jogado. Porém, a aparente "gratuidade" do jogo, de cada jogo, é uma doação do sentido do real no sentido do agir do ser humano. É nesse sentido que podemos dizer que o ser humano é essencialmente um ser lúdico: sentido, mundo, linguagem.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. Lisboa: Edições 70, 2008.


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6

"Pensar o sentido do ser é escutar a realidade nos vórtices das realizações, deixando-se dizer para si mesmo o que é digno de ser pensado como o outro" (1).


Referência:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Apresentação. In: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 15.


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7

Heidegger pensa o sentido e pensamento, e o distingue de consciência e conhecimento. "O alemão sinnan, sinnen, pensar o sentido, diz encaminhar na direção que uma causa já tomou por si mesma. Entregar-se ao sentido é a essência do pensamento que pensa o sentido. Este significa mais do que simples consciência de alguma coisa. Ainda não pensamos o sentido quando estamos apenas na consciência. Pensar o sentido é muito mais. É a serenidade em face do que é digno de ser questionado. No pensamento do sentido, chegamos propriamente onde, de há muito, já nos encontramos, embora sem tê-lo experienciado e percebido. No pensamento do sentido, encaminhamo-nos para um lugar onde se abre, então, o espaço que atravessa e percorre tudo que fazemos ou deixamos de fazer" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "Ciência e pensamento do sentido". In:______. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 58.


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8

"Não se pensa propriamente o sentido do ser se não se abandona o conceito metafísico do ser como o ente supremo, paradigmático, exemplar ou como o fundamento adutivo e produtivo do universo ôntico. (Seiendheit = onticidade)" (1). Não se pode pensar o sentido porque se pensa o ser entitativamente. E o ser não é ente, daí optar Heidegger pelo Es gibt: Se dá. Neste, há o dar-se como dom e o guardar-se como ser no não-ser do velar-se. "Se não se compreende a duplicidade originária do particípio eón como o apropriar-se ontofânico (Ereignis) e, ao mesmo tempo, como o desapropriar-se criptofânico (Enteignis) jamais se apreende o sentido do ser" (2).


Referências:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "O saber em memória do ser". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 95. Rio de Janeiro: 1988, p. 15.
(2) Idem.


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9

O sentido é a dimensão sagrada da qual, ao modo da música, a palavra chega a articular o engendramento originário da realidade. A linguagem como linguagem é, sempre sentido e não simples significado. O significado é a articulação da linguagem como representação. Somos mais atraídos pela linguagem enquanto significado porque o real se nos dá como representação, onde o sentido propriamente se retrai. E nesse sentido, a música é a que mais resiste à representação. Mas também ela, articulada nas relações intra-mundanas das linguagens diversas enquanto significados, cai nas malhas da repetição. Esta é representação? Hoje não se fala simplesmente de música mas de gêneros seguidos de adjetivos . E a música para consumo se não é representação é repetição representada na repetição do já manifesto. Todas as "artes" podem tornar-se repetições do já manifesto com modificações circunstanciais e contextuais. Toda arte inaugural é sempre inauguradora de História (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) Cf. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo, vol I. Vozes: 1993, p. 208.


Ver também:


10

Sentido está ligado a Télos. Ver Sentido, 1. Mas lhe dá uma tradução diferente de fim. A questão do "sentido" é discutida em Sentido, 2, a propósito do "sentido" do Ser em Heidegger. Diz: "A meu ver, porém, quando pergunta pelo sentido do ser, Heidegger tampouco pensa "sentido" na linha da metafísica e de seu conceito de essência. Pensa-o, antes como sentido interrogativo que não espera uma determinada resposta, mas que sugere uma direção ao perguntar" (1). Só vejo aí direção como tensão entre saber e não-saber.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 156.
(2) Cf. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 428.


Ver também:

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O sentido está radicalmente ligado à compreensão, na medida em que esta manifesta a pertença do ente (entre os quais se acha o homem) ao ser. Esta pertença se manifesta através do círculo hermenêutico (1). Por isso mesmo, Ser e tempo trata fundamentalmente da questão do sentido do ser. A questão do sentido está, pois, ligada à questão da pré-compreensão, da compreensão, da pergunta enquanto saber e não-saber (sentido do que somos), da abertura, do projeto, da clareira. A compreensão enquanto sentido do ser/ ente em sua tensão remete para a proximidade. Diz Michelazzo: "Ela [a compreensão] é tanto a expressão da proximidade e da mútua pertinência entre o homem e o ser, quanto o próprio caminho para investigar o sentido do ser em geral, isto é, do ser dos entes em sua totalidade, incluindo o homem" (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) Cf. MICHELAZZO, José Carlos. Do um como princípio ao dois como unidade. São Paulo: Annablume, 1999, p. 107.
(2) Idem, p. 109.


Ver também:

12

"A demiurgia pueril do procedimento meramente cumulativo das imagens alegóricas... se converte na estratégia pós-moderna da celebração da ausência do sentido de tudo que é ou existe".


Referência:
(1) SOUZA, Ronaldes de Melo e. "Epigênese do pós-moderno". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 84. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1986, p. 57.


Ver também:


13

"Sentido é a dinâmica de estabelecimento da unidade. Sentido é, desse modo, harmonia, isto é, a junção da di-ferença no uno" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 80.
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