Representação

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 23h22min de 26 de março de 2009 por Andre (Discussão | contribs)

1

O conceito de representação tem muitos aspectos, mas um se torna fundamental com o advento da ciência: "O que a ciência faz ao tornar o cântaro com vinho por uma cavidade com líquido não é propriamente falso, é apenas exato. Mas, com isso, falamos do ser da coisa cântaro? Do ponto de vista da experiência originária da coisa, uma cavidade com líquido nunca é um cântaro com vinho. Nesse sentido, o saber representativo, ao invés de mostrar a coisa, acaba por escondê-la e anulá-la" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) MICHELAZZO, José Carlos. Do um como princípio ao dois como unidade. São Paulo: Annablume, 1999, pp. 184-5.


2

Este é um dos conceitos mais difíceis quanto ao vigor da representação ou à sua proveniência. Martin Heidegger dá uma visão que radica no destinar-se: "E somente o que já se destinou a uma representação objetivante torna acessível, como objeto, o histórico da historiografia, isto é, de uma ciência" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 27.


3

Ernesto Grassi (1) trata a arte como representação, a partir do conceito aristotélico de mímesis. E não se detém na questão filosófica de Aristóteles. Mas quando chega na questão de relacionar arte/mundo surge a questão histórica da interpretação da obra a partir do seu mundo. E aí questiona a validade do conceito de representação. Então utiliza o conceito de representação em mais de um sentido. E problematiza mais a imagem como representação quando examina a arte gótica, onde a imagem não representa: "... não é cópia ou reprodução ou retrato - é algo em si. A imagem é algo de próprio em substância e significado, em aparência e aspecto" (2). Ou seja, cai o conceito de representação. Daí: "Todavia, a espiritualização ocidental de tudo quanto é humano, levada a efeito e atestada pela arte gótica, remonta a um novo mito universal que alicercou uma nova representação do homem: a doutrina cristã" (3). Quando não se enfrenta a representação do ponto de vista filosófico gera-se esse impasse. O uso da palavra representação gera contradições.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) GRASSI, Ernesto. Arte e Mito. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, p. 178.
(2) idem, p. 179.
(3) idem, p. 179.


8

A representação é uma questão, porém foi reduzida a um conceito. É que, na realidade, não há "representação", ontologicamente. Há mímesis. Sem ser pensada seu vigor como questão, essa ideia reduziu-a à representação. Se penso que posso representar uma casa, um homem, uma mulher e tantas e tantas outras "coisas" em nomes, não é verdade. O nome não dá, recebe. Por isso, a palavra é o jogar ambíguo do "entre". Para entender o alcance da representação em seu valor de verdade, basta notar que a representação, no que ela tem de representação, já nos diz de algo aparente, falso, simulacro. Isto quer dizer, por exemplo, que o amor, se é amor, não pode ser representação. A justiça, se é justiça, não pode ser representação. E assim por diante. Que representação há na dança? Na música? O que um templo representa? A representação não diz diretamente respeito à "coisa", mas aos conceitos de "coisa" e, por isso, ela se inscreve na tensão entre verdadeiro e falso. Ocorre que para além destes dois conceitos existe a "coisa" e sua manifestação e ocultamento. Dessa tensão é que provém essa estranha sensação de que em muitos "casos" a "coisa" nos advém como "representação". A representação está ligada ao signo. Porém, ele já diz respeito à linguagem entendida e reduzida a um instrumento e à "coisa" como objeto.


- Manuel Antônio de Castro


9

A questão da linguagem enquanto representação, que começa como homoíosis (semelhança, da qual surge o conceito de verdade por adequação), ou seja, como instrumento representacional, se exacerba na pós-modernidade. De mediação entre a "coisa" e o conceito, ela se torna cada vez mais autônoma e passando a ser não só um instrumento de representação, em função da coisa transformada em instrumento, ela mesma substitui a coisa e passa a ser o "real". A representação vale pelo real, um real intrumental, onde o principal instrumento é a própria linguagem. Esse é o real da pós-modernidade: o real como representação e simulacro, o real como "real virtual" e não mais o virtual do real. A esse real virtual como representação corresponde a redução da "coisa" à instrumentalização do conceito. O conceito sem a questão torna-se o real instrumental, apreendido e compreendido na redução do real à sociedade do conhecimento em rede. O início disso está na modernidade, construída a partir do predomínio da "razão instrumental", que se expande de tal maneira que transforma a Mãe Terra em recursos naturais e os seres humanos em recursos humanos. Recurso é aí a disposição das "coisas" para serem instrumentos em-si e em instrumentos para fazer instrumentos. É o que Heidegger chama Ge-stell como essência da técnica, em "A questão da técnica" (1). Porém, é importante perceber que isso se dispõe no próprio programa e sistema educativo: é um saber representativo-instrumental. Só a arte resiste. Mas que arte?


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.


10

A questão da representação ganha uma clareza, no seu encaminhamento metafísico-cartesiano, naquilo que hoje se torna tão evidente: a virtualização. O virtual é a manifestação de uma ausência. Nesse sentido, em virtude da "virtualização", termos tradicionais como "real", "virtual", "atual" e "potencial" ganham novos sentidos. Toda ciência é representação. O nó da representação está no fato de que ela pressupõe que há a apreensão de um real gerado a partir de um anterior. Ocorre que a existência do real é que é o problema. O que é o real para que dele se possa fazer uma representação? Por isso, a representação só se dá em cima de uma idéia de real. E isto é metafísica.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:


11

Há uma tendência a ver na relação com a cidade um mimetismo de representação. O termo representação é muito limitado. Visto pela ótica da memória/fluxo de tempo/realidade/permanência, não há representação, mas a apropriação pela memória poética, como transfiguração, do que flui e acontece e fica enquanto imagem poética (ou não será arte, poíesis), não como cópia, mas como transfiguração e manifestação de mundo/cidade/sentido/verdade. Mas a insistência na representação talvez indique muito mais a falta do que disse antes. Daí a solidão, a predominância de vivências em vez de experienciações e junto com as vivências uma forte estetização de tudo, até da morte e da dor, daí a sensação de um presente em contínuo fazer-se, sem passado (de certo modo também memória) e sem futuro (não pregnância da morte).


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:


12

Sem dúvida, a representação é uma dimensão básica para a construção da realidade e do homem. Mas o que entender por representação? Ela gira basicamente em torno da construção de uma determinada realidade e do homem, na medida em que toda representação implica uma construção do espaço e do tempo. É nesse sentido que deve ser pensada a proximidade e a distância. Stuart Hall faz observações importantes sobre a relação espaço, tempo e representação: "O que importa para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação" (1). Seria necessário confrontar essas afirmações com o que desenvolve Martin Heidegger no início do ensaio "A coisa" (2). Enquanto Hall pensa em contexto de espaço e tempo, Heidegger pensa a clareira como lugar.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 70.
(2) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.


Ver também:


13

É um conceito complexo. Mas para além das relações internas ou externas, há aí todo um problema epistemológico e ontológico. Por isso, Heidegger viu perfeitamente que está ligado à questão da verdade, no mito da caverna. É que esse mito é a expressão vigorosa e essencial da questão. Todo o mito da caverna trata da questão do real e da sua representação. Também é importante aí a questão da luz, que pode ser vista em relação ao externo, ao interno e ao transcendente, daí ela estar ligada à razão. Mas como já Platão o indica, o sol, fonte de toda luz, é o que não pode ser visto. No fundo, a questão da representação é também a questão da verdade. Como pensador, Platão pensa a questão do que permanece no fluxo das mudanças, no parecer e aparecer. A sua marca de pensador está na criação original do eîdos. Mas o que no todo de seu pensamento quer dizer é a grande questão.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:


14

Essa anotação trata do que representação não é. É retirada a citação do ensaio "A origem da obra de arte", quando Heidegger fala do templo e o mostra como abrindo um mundo. Refere-se à estátua do deus e mostra como nessa dimensão não há representação. Essa não-representação faz entender melhor a representação. A representação é própria das relações intramundanas estabelecidas pelas diferentes ciências. Enquanto phýsis, terra, mundo, não há representação. Diz: "Somente o templo, no seu estar aí, dá às coisas sua vista e aos homens a visão de si mesmos. Esta visão permanece tanto tempo aberta quanto a obra é uma obra, tanto tempo quanto o deus não a abandona. O mesmo acontece com a imagem do deus que o vencedor lhe consagra na batalha. Não é nenhuma cópia para que nela se tome conhecimento mais facilmente de como o deus parece, mas é uma obra que deixa o próprio deus presentificar-se e, assim, o deus propriamente é. O mesmo vale para a obra da linguagem" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Manuel Antônio de Castro e Idalina Azevedo da Silva. Parágrafo 77. Somente para uso acadêmico, acessível em: Travessia Poética.


Ver também: