Escuta

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 16h36min de 8 de janeiro de 2014 por Fábio (Discussão | contribs)

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Heráclito, no fragmento 50, fala do lógos como escuta, certamente porque o léguein além de significar reunir, quer dizer falar. Se há fala, e há, então é necessária a escuta. Porém, para nós mortais, vem logo a questão: Escuta do quê? É como se esperássemos algo de fora a que pudéssemos prestar ouvidos. Na escuta do lógos não há fora nem dentro. Há, e é tudo, é o real se dando como fala, mas uma fala que não fala algo, é algo, é real, é o real se dando como fala, como verdade e se retraindo e velando como não-verdade. Então, escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fique mais claro, se for possível, que um outro modo de escuta do real é a visão. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como presença, onde está incluído tanto o que se vê como quem vê e a própria luz e a própria clareira onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o "sendo", a realidade se realizando. Presença é o desvelamento do sendo. É a verdade dando-se como presença e guardando-se como não-verdade. Escutar é ver a verdade como presença. Por isso, presença é mais do que a visão de algo, embora esta esteja incluída na presença. Presença é o real se presenteando na densidade do corpo, onde tudo está contido: dança, música, poesia, pintura, escultura. Então corpo é linguagem, mundo e memória. Marcar presença, fazer-se presente, apresentar-se, dar presença, tudo isto diz o corpo em sua tensão manifestativa, sendo. O presentificar-se é, portanto, tanto a escuta como a visão que se dá a ver. O corpo então é o lógos que a tudo põe, reúne e diz.


- Manuel Antônio de Castro


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"O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 168.


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"O homem não escuta porque tem ouvidos; mas tem ouvidos porque ele é um ser cujo modo de realização se dá na escuta. Neste sentido, talvez possamos dizer que a escuta, como remissão obediente ao que nos vem ao encontro, e a espera do inesperado, são dimensões de um pensamento que se coloca à disposição da força" (1).


Referência:
(1) UNGER, Nancy Mangabeira. "Heidegger e a espera do inesperado". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 164. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006, p.182.


Ver também:


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Na escuta há a fala e o apelo. O apelo é a fala originária, a abertura liminar para o novo, o além-limite. Por isso, toda interpretação só é hermenêutica enquanto desvelo do apelo. O apelo é a eclosão da linguagem em língua poética, na medida em que toda língua é filha da linguagem.


- Manuel Antônio de Castro


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Heidegger interpreta trechos de Hölderlin que fala do homem como diálogo na conferência "Hölderlin e a essência da poesia": "Mas Hölderlin diz : 'Desde que nós somos um diálogo e podemos escutar uns aos outros'. Poder escutar não é meramente uma consequência de falar uns com os outros, mas é ao contrário a pressuposição para falar. Mas mesmo o poder escutar é ele mesmo de outro modo baseado sobre a possibilidade da palavra e possui a necessidade dela. Poder falar e poder escutar são co-originados" (1).


Referência:
(1) WERNER, Aguiar. Música: poética do sentido - uma onto-logo-fania do real. 2004. Tese (Doutorado em Poética) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2004, capítulo III, p. 25.


- Manuel Antônio de Castro


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A obra enquanto escuta indica uma referência à linguagem/phýsis. A escuta não é algo de passivo, mas o horizonte do desabrochar de quem escuta. Nessa tensão ocorre a obra, a obra enquanto dinâmica de manifestação da verdade, que implica o que somos e, por isso, toda escuta é ética. Isto significa que escuta não diz apenas conhecer, mas ser o que se conhece. Neste sentido, o que se é não pode ser ensinado. Por isso, todo conhecer que implica o que se é se dá como sentido e verdade enquanto escuta compreensiva.


- Manuel Antônio de Castro


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"O mito não se lê, o mito se ouve. A escuta, muito ao contrário da visão, não sabe o que é ilusão. A escuta nunca pode acontecer onde se pressupõe que haja apenas um número um, uma individualidade que exclui de si um outro. A visão, somente a visão, pode separar um do outro. A escuta é sempre escuta de mais de um no um. Por isso, é constitutiva da escuta a associação, o eco, a ressonância, a repercussão. Todo som é uma série de sons e, por isso, podemos sempre tanto ouvir diferenças no mesmo como ouvir semelhanças no diverso" (1).


Referência:
(1) SCHUBACK, Marcia Cavalcante. "As cordas serenas de Ulisses". In: Ensaios de filosofia. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 170.


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"Importa desenvolver uma atitude de escuta, um sentimento profundo de identificação com a natureza, com suas mudanças e estabilidades" (1). Ao longo do livro, Leonardo Boff identifica a escuta, primeiro com o lógos, depois como o destino. Por isso, é importante o levantamento dos diversos aspectos da escuta. Antes, disse que não sabemos o que é a natureza, como não sabemos o que é o ser e o nada. A escuta, pois, no fundo, é do cuidado essencial, ou o cuidado essencial é a escuta.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) BOFF, Leonardo. Saber cuidar. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 116.


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"Mas falar é ao mesmo tempo escutar. É hábito contrapor a fala e a escuta: um fala e o outro escuta. Mas a escuta não apenas acompanha e envolve a fala que tem lugar na conversa. A simultaneidade de fala e escuta diz muito mais. Falar é, por si mesmo, escutar. Falar é escutar a linguagem que falamos. O falar não é ao mesmo tempo, mas antes uma escuta. Essa escuta da linguagem precede todas as demais escutas possíveis. Não falamos simplesmente a linguagem. Falamos a partir da linguagem. Isso só nos é possível, porque já sempre pretencemos à linguagem. O que é que nela escutamos? Escutamos a fala da linguagem" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 203.


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Heidegger trata da questão da essência da técnica e mostra que há um itinerário que o pôr lhe destina, mas o descobrimento da essência da técnica tanto o pode libertar como pode lhe oferecer o supremo perigo. Ao transformar e interpretar a phýsis em pura disponibilidade (inclisive ele, homem) dá a impressão e aparência de que só se dá a presença em toda parte do homem. É aí o grande perigo, porque perdeu o dom da escuta ao apelo: "Entretanto hoje em dia, na verdade o homem já não se encontra em parte alguma consigo mesmo, isto é, com sua essência. O homem está tão decididamente empenhado na busca do que a composição pro-voca e ex-plora que já não a toma como um APELO, e nem se sente atingido pela exploração (provocação). Com isso não escuta nada que faça essência ex-sistir no espaço de um apelo e por isso nunca pode encontrar-se, apenas, consigo mesmo" (1).


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. "A questão da técnica". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 30.

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"Ouve-me. Ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e, sim, outra coisa. Capta a outra coisa porque eu mesmo não posso" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Texto publicado numa montagem artística de fotos com textos de Clarice, sem indicação da fonte.


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Escutar é chocar a linguagem das palavras, os acordes da música, as cores da pintura, os gestos da dança, o instante da foto. Eis porque na escuta o silêncio do sentido do ser se faz verdade e mundo. Eclode então a liberdade da finitude da solidão.


- Manuel Antônio de Castro


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Ouvir sobre uma música ainda não é escutá-la naquilo que ela é ou até nos atinge sensorial e psicologicamente. É necessário escutar com, ou seja, é necessário um "salto", quando deixamos o nível e a superfície do ouvir sobre, isto é, o ouvir subjetivo racional-sensitivo, e nos projetamos pelo e no "salto" do abismo, o sem-limite, que é o vigorar do fundar, do ser, do nada. Só então somos tomados pelo escutar.


- Manuel Antônio de Castro


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"O professor se apossando do ouvido do aluno (pois não é essa a sua missão?), penetrando-o com a sua fala fálica e estuprando-o com a força da autoridade e a ameaça de castigos, sem se dar conta de que no ouvido silencioso do aluno há uma melodia que se toca. Talvez seja essa a razão por que há tantos cursos de oratória, procurados por políticos e executivos, mas não há cursos de "escutatória". Todo mundo quer falar. Ninguém quer ouvir. Todo mundo quer ser escutado. (Como não há quem os escute, os adultos procuram um psicanalista, profissional pago para escutar)" (1)


Referência:
(1) ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais.... Campinas: Verus, 2005, p. 29.


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“[...], quando nos abrimos para escutar um poema, estamos junto dele, percebemos seu sentido ao prová-lo, ao fazer dele nosso alimento” (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 133.


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“[...], à medida que exercitamos nossa atenção para além do que já nos chegou aos ouvidos, ouvimos com todo o corpo. Eis a verdadeira aprendizagem da escuta: estar atento de corpo inteiro, no esmero de ser com o poema uma unidade” (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2013, p. 134.