Mulher
De Dicionrio de Potica e Pensamento
Edição feita às 19h53min de 30 de Outubro de 2017 por Profmanuel (Discussão | contribs)
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- "Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não-humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fizera um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornara-se o mais ininteligível dos seres onde circulava sangue" (1).
- Referência:
- (1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 82.
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- O conceito "mulher" aplicado a cada mulher individual e singular ainda não consegue dizer tudo, simplesmente porque a mulher-individual está continuamente sendo o não-ser, mudando. Mas ainda falta apreendê-la nesse vir-a-ser como unidade nessa mudança, senão será impossível falar tanto do conceito "mulher" como da mulher singular e concreta. O que falta? O originário, a memória, a linguagem, ou seja, só quando a mulher singular e concreta vigora como possibilidade de ser mulher, no horizonte de mudança e permanência, é que se pode apreender a mulher-singular-concreta, isto é, como o que ela é no seu concrescer, no seu vir-a-ser "esta" mulher e, ao mesmo tempo, ser simplesmente "mulher". Isto não significa uma essência abstrata, o conceito mulher, mas a tensão entre singularidade e identidade, daí que Memória como Unidade não é apenas a identidade, mas unidade significa sempre unidade de identidade e diferença (singularidade), ou seja, “entre” ser e não ser há um abismo para o qual a identidade da diferença e a diferença da identidade nos atrai irresistivelmente. O vigor e a possibilidade são Éros. Podemos ver o sentido profundo desse Éros quando, entre outras possibilidades concretas, se concretiza na mulher. E é nesse horizonte que se pode pensar Mulher e Feminismo poeticamente. O poético é o vigor poético pelo qual cada mulher é esta mulher e ao mesmo tempo ser feminina. E é daí que se pode pensar a Mulher enquanto corpo na sua feminilidade, ou seja, a reunião de terra e céu. Não podemos pensar aqui terra e céu como conceitos oriundos de uma visão cosmográfica, mas no que eles têm de misterioso e sagrado. Hoje a genética já trabalha com a ideia de terra como sendo Gaia, ou seja, simplesmente, VIDA. Por isso a mulher está profundamente ligada à Terra. Terra é gaia, é vida. Mas então não podemos pensar VIDA como algo biológico apenas, mas o próprio vigor e possibilidade vital que comparece em tudo e a toda vida possibilita. A mulher como mulher tem em si sintetizado todo esse vigor vital. Então VIDA é uma questão e não simplesmente um conceito, seja de que ciência for.
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- A mulher, como verdadeira obra poética criativa, precisa para procriar ser desvirginizada. Diante do milagre e do mistério extraordinário que é criar e procriar é algo originariamente necessário. A pura possibilidade que a virgindade como velamento contém em-si pode tornar a mulher a mãe de muitos filhos, continuando o milagre da vida como permanência da vida diante da permanência da morte. Todo nascimento de uma criança reinaugura o mundo diante da morte e é, portanto, um desvirginizar, porque é fazer o nada ser criativo.
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- "A mulher vive presa à imagem que a sociedade masculina lhe impõe; portanto, só pode escolher rompendo consigo mesma. 'O amor a transformou, fez dela outra pessoa', costuma-se dizer das apaixonadas. E é verdade: o amor faz da mulher uma outra, pois, se se atreve a amar, a escolher, se se atreve a ser ela mesma, precisa quebrar a imagem em que o mundo encarcera o seu ser" (1).
- Referência:
- (1) PAZ, Octavio. O labirinto da solidão e post.scriptum. Trad. Eliane Zagury. 2.e. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 178.
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- (1) Fala do poeta, no filme O ponto de mutação, direção de Bernt Capra, baseado no livro de Fritjof Capra: O ponto de mutação.
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- "A mulher para engravidar nela aconteceu um pacto de amor, isto é, ela foi tomada e possuída por eros. Tanto a mulher como o homem foram tomados, deixaram-se atravessar por eros. Não podemos compreender esse deixar-se possuir por eros de pacto amoroso? Em Grande sertão: veredas o pacto é esse deixar-se tomar por eros. Por isso, a energia poética só é poética porque é a energia de eros " (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Poético-ecologia". In: Manuel Antônio de Castro (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 19.
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- Pode o êxtase levar a possuir o silêncio e o vazio, o nada criativo? Miticamente, é a mulher, em seu feminino como possibilidade, a mais completa fonte de prazer e realização do desejar, aquela que atinge e pode levar ao êxtase. Êxtase será então completude, plenitude de realização, eclosão na liberdade. Entendamos, a palavra êxtase se compõe do prefixo latino e grego ex/eks, que tanto pode significar para fora ou fora de, quando diz uma relação espácio-temporal, substantiva, quanto o lançar para fora dos limites, dizendo, então, uma possibilidade ontológica do existir humano. O que está fora dos limites é o livre aberto, a possibilidade enquanto possibilidade, ser. Já o radical -stase diz posição. Êxtase assinala, portanto, ontologicamente, o que está além e aquém da posição. Se posição diz o estar, o êxtase pode abrir-nos para o ser, o que está fora de, além do estado, da posição, ou seja, o nos projetar no livre aberto da libertação essencial. A possibilidade ontológica é a essência da liberdade. Daí advir no êxtase ontológico a completude da liberdade, do livre aberto em que nos podemos projetar e sair dos nossos limites posicionais, substantivos, da nossa finitude.