Real
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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+ | : Quando tomamos o real como [[tema]] algumas situações estranhas e complexas se nos apresentam. Se perguntamos: O que é o real?, o que esperamos dessa [[pergunta]]? Que o real caiba numa [[resposta]], num [[conceito]]? E pode o real caber num [[conceito]]? Essa [[resposta]], se fosse possível, estaria dentro de uma estranha realidade: o real precede e é posterior sempre a qualquer [[resposta]] e [[pergunta]], muito mais a qualquer [[conceito]] ou conceitos. Não só a resposta seria o real e real, também a [[pergunta]] seria real e não só a resposta e também seria real quem pergunta. O real nos cerca, nos envolve, nos projeta e nos impulsiona. Sentimos a sua [[presença]], a sua pregnância, e muitas vezes até nos sentimos acuados pelo real. É quando ele nos aparece e se faz presente como algo [[insólito]], angustiante, [[estranho]]. O estranhamento também é real. Outras vezes é o [[extraordinário]]. E então só nos resta a sensação de impotência e [[admiração]] do que nos é infinitamente inalcançável e maravilhoso, desafiante e, parece, sem [[sentido]], um deserto sem face, sem princípio nem fim, sólido e inconsistente. Ou ainda a [[plenitude]] do [[nada]]. | ||
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Edição de 01h53min de 5 de Novembro de 2016
- Ver também: Realidade
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- "Es decir que, por efecto del ritual, se le confiere una "forma" que lo convierte en real (caos en cosmos). Evidentemente, la realidad se manifiesta, para la mentalidad arcaica, como fuerza, eficacia y duración. Por ese hecho, lo real por excelencia es lo sagrado; pues solo lo sagrado es de un modo absoluto, obra eficazmente, crea y hace durar las cosas. Los innumerables actos de consagración - de los espacios, de los objetos, de los hombres etc - revelan la obsesión de lo real, la sed del primitivo por el ser" (1).Quer dizer que, por efeito do ritual, dá-se-lhe uma 'forma' que o converte em real (caos em cosmo). Evidentemente, a realidade se manifesta, para a mentalidade arcaica, como força, eficácia e duração. Por causa disso, o real por excelência é o sagrado; pois somente o sagrado é de um modo absoluto, opera eficazmente, cria e faz durar as coisas. Os inumeráveis atos de consagração - dos espaços, dos objetos, dos homens etc - revelam a obsessão pelo real, a sede do primitivo pelo ser" (1). (Tradução: Manuel Antônio de Castro).
- Referência:
- (1) ELIADE, Mircea. El mito del eterno retorno. Madrid: Alianza, 1972, p. 20.
2
- É uma grande ilusão achar que a crítica do momento em que se está vivendo deve nos remeter para alguma outra época ou nos apontar, em algum momento, para um "lugar" ideal. Para tal visão contribuem: 1º Um entendimento equivocado do termo "originário"; 2º A aparente cronologia de tudo (conhecimentos); 3º A insistência no termo "evolução"; 4º O termo "passado" sem sua vigência na memória e a redução do tempo à mera cronologia; 5º O entendimento dicotômico da memória, na medida em que se opõe a esquecimento; 6º O entendimento equivocado da "palavra" (reforçado pela escrita) como portadora de algo real e substantivo (o som, a escrita) independente ou contraposta ao "referente". O que é o referente? Este não é nem pode ser "algo" estático: a palavra referente diz, pelo contrário, o que, por mais que se dê, sempre torna a levar para o que não se mostra em tudo que se manifesta; 7º O apelo ao resgate da raiz etimológica. Na realidade, todas as épocas são sempre experiênciações inaugurais do real, como fonte que a si mesma origina e brota sempre inauguralmente. Cada época é um novo jorrar e um novo experienciar e dessedentar. Por isso nossa época, como cada época, só tem uma única questão: onde está e como se dá esse jorrar inaugural? É claro que a presença da realidade como o passado e lembrado se sobrepõe à memória como o jogo permanente do que foi, é e será. A realidade enquanto originário sempre é o deixar-se tomar pelo jogo da memória, das épocas. Por isso, época diz o dar-se que se guarda.
3
- "O conhecimento da ciência que é constrangente em seu âmbito, ou seja, o setor dos objetos, já anulou as coisas" (1). Temos aí dois aspectos: a) o objeto da ciência e do real é a coisa como conhecimento racional e só isso; b) não é como querer, poíesis e éthos. Não é ético, pois é só conhecimento. No objeto, a coisa ficou reduzida ao conhecimento e esse silenciamento e esquecimento da poíesis/essência do agir é um modo de "ética" constrangente e do silenciamento. Ele silencia a coisa e nisso consiste a falta de ética da essência da técnica, ou dito positivamente, é uma ética constrangente. Mas como pode haver ética sem fundar-se na liberdade? Com os conhecimentos científicos não se ensina o ético, isto é, a sabedoria.
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "A coisa". In: Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 148.
4
- O termo português "real" esconde mais do que diz o que ele é por causa do clima intelectual no qual se forjou: a Escolástica e a Idade Média. Mário Botas, nos comentários ao ensaio de Heidegger (1), diz: "Descartes deslocou sobre a certeza do cogito o que a inspiração da filosofia grega, ainda dominante na Idade Média, tinha colocado sobre a manifestação do ente; não é fácil definir exatamente neste contexto o termo 'ente': trata-se da realidade enquanto manifestada, desvelada, tornada evidente e, consequentemente, disponível, à mão" (2). "Esta manifestação tornou-se possível pelos jogos de causalidade que tornam presentes os entes, na diversidade da sua ideia e da sua essência, à luz de um Bem transcendente ou segundo a influência unificada das quatro causas" (3). A questão do ente se dá em torno da "res" (coisa como ente e de onde se formaram as palavras em português: real e realidade), sendo, portanto, esta problemática que está por detrás do nosso conceito de realidade, como sendo o conjunto de entes (dentre eles, o homem), mas conjunto quase no sentido de soma, pois não se pensa mais a phýsis, até porque esses entes são entes criados que têm o fundamento como criador, sendo este o verdadeiro "real", ou seja, dotado de pura permanência, de tempo eterno, de perfeição acabada, de sumo Bem etc. A realidade como tal perde qualquer densidade e presença de nascividade e nada excessivos, segundo o fragmento 123 de Heráclito.
- Referências:
- (1) HEIDEGGER, Martin. "Língua de tradição e língua técnica". Lisboa: Vega, 1995.
- (2) idem, p. 23.
- (3) idem, p. 25.
5
- "A reação mais normal quando perguntamos o que é o real é algo deveras interessante e que se harmoniza perfeitamente com a metafísica. Faça o leitor essa experiência e verá se não estou certo. A resposta quase invariável à pergunta 'O que é o real?' é: 'O que é verdadeiro?'. Mas se perguntarmos 'O que é verdadeiro?' virá outra resposta ainda mais surpreendente: 'O que é real'. Esse é o círculo vicioso da metafísica. Real é um conceito metafísico. Verdadeiro é um conceito metafísico" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Poíesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 17.
6
- "O real não é evidente (senão para que a doutrinação científica?). O real é misterioso, é fugidio, é estranho, é extraordinário. O que é então evidente? Simplesmente, as opiniões (dóxa) sobre o real. Estas são banais na sua evidência. Foi com esta questão que Platão se defrontou. Mas na língua de Platão ainda não se falava essa palavra mais banal ainda: real. Na língua de Platão se falava: ón, particípio presente -– sendo -- do verbo eînai (ser)" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. “Poíesis, sujeito e metafísica”. In: A construção poética do real. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, p. 30.
7
- "O que é real deixa de ser o que em seu ser se mostra, para passar a ser determinado pela medida, pela identidade e pela ideia como o que é capaz de condicionar as possibilidades para o que é ou não real, ou melhor para o modo como este se apresenta no plano da ideia. Tem início a era da representação, fundada inicialmente sobre a medida e a identidade, e se desenvolvendo com base na analogia e na análise" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 74.
8
- "O real não é a priori e nem pode ser estabelecido de antemão por nenhuma lei. O real não se comporta de acordo com nenhuma norma, não se deixa domesticar pela adjetivação. O real é vigência de si mesmo e ao viger assegura a dinâmica da verdade. O real só vige com a verdade, a verdade é a consolidação do real como dinâmica substantiva. A verdade, em sua dimensão originária, não vige a partir da imposição de juízos. Os juízos, na dinâmica da verdade, são a posteriori da vigência da verdade como dinâmica" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 78.
9
- "Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: ... o real não está na saída nem na entrada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia" (1).
- Referência:
- (1) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 52).
10
- Quando tomamos o real como tema algumas situações estranhas e complexas se nos apresentam. Se perguntamos: O que é o real?, o que esperamos dessa pergunta? Que o real caiba numa resposta, num conceito? E pode o real caber num conceito? Essa resposta, se fosse possível, estaria dentro de uma estranha realidade: o real precede e é posterior sempre a qualquer resposta e pergunta, muito mais a qualquer conceito ou conceitos. Não só a resposta seria o real e real, também a pergunta seria real e não só a resposta e também seria real quem pergunta. O real nos cerca, nos envolve, nos projeta e nos impulsiona. Sentimos a sua presença, a sua pregnância, e muitas vezes até nos sentimos acuados pelo real. É quando ele nos aparece e se faz presente como algo insólito, angustiante, estranho. O estranhamento também é real. Outras vezes é o extraordinário. E então só nos resta a sensação de impotência e admiração do que nos é infinitamente inalcançável e maravilhoso, desafiante e, parece, sem sentido, um deserto sem face, sem princípio nem fim, sólido e inconsistente. Ou ainda a plenitude do nada.