Sou
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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Edição de 20h15min de 13 de Setembro de 2018
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1
- Num diálogo, eu me dirijo ao tu e ele me escuta e sabe que está me escutando. Porém, quando o tu responde, eu escuto, não como eu, mas como tu. Portanto, para podermos dialogar temos de ser a dobra de eu e tu, pois aí depende só da posição de quem fala e de quem escuta, não de ser como possibilidade. Igualmente podemos falar conosco mesmo, ou seja, eu posso me escutar. Ontologicamente há a unidade interna de eu e tu (outro). Só na unidade pode vigorar a identidade e a diferença da unidade, uma vez que para haver e vigorar unidade é necessária a afirmação tanto da identidade quanto da diferença. A unidade é o sou. É neste mesmo horizonte ontológico que devemos compreender em nós a vigência de masculino e feminino. Dessa maneira o próprio que cada um é vigora no sou.
2
- Eu sou significa para o grego que o Eu só é Eu porque o sou do eu como o que é se faz presente. Assim o Eu só pode ser Eu não por uma vontade e decisão, seja subjetiva seja epistemológica, mas porque o sou implica presença como desvelamento enquanto eu, a partir do que sempre se vela, seja no tu que eu mesmo tenho de ser também, seja no mistério da realidade, que os gregos denominavam physis. Trata-se, neste caso, do Outro de todos os outros e de todos os eus, ou seja, o Ser, que é Nada de tudo que é e vem a ser. Esclareço: physis foi traduzida para o latim por natura, em português, natureza. No entanto, physis é muito mais do que natureza, a inclui, mas vai além, pois diz também os mitos, a história, todos os entes, enfim, physis é tudo e nada, um mistério. E é deste mistério que o sou se origina e para ele volta. Por mais que o ser humano pense o sou, ele sempre se oculta, se vela, em seu mistério. E todas as grandes obras de arte são, em sua essência, procuras do sou, que cada ser humano é, sem distinção de masculino ou feminino. Isto fica bem evidente na modernidade com o mergulho profundo na subjetividade e no jogo de espelhos em que ele tanto mais se revela quanto mais se vela, numa espiral infinita...Em vista disto, um dos grandes temas da modernidade se tornou o espelho, na procura da identidade...
3
- Assim como há um jogo dialético entre sou e eu, o mesmo se dá entre o não sou do que recebi para ser e não chegou ainda a ser. Nesse sentido, também todo eu é ao mesmo tempo um não eu, caso contrário, o eu já se conheceria completamente. O não sou é o acontecer do não ser que recebi para ser. Desse modo tanto o sou como o eu estão em contínua transformação e revelação. Não há aqui nenhuma evolução, pois isso é existir e existência, própria de cada um, insubstituível e imprevisível.
4
- "O ser, o mais próximo de cada um de nós e inegável em sua presença fundadora, se tornou tão distante e estranho a nós, pela educação sofística e gramatical, que não notamos, por exemplo, quando dizemos: Eu sou, que o Eu só pode ser afirmado quando fundado no sou. Se o eu é o sujeito enquanto fundamento, o sou é que funda o fundamento, o eu. Não é o eu que funda o sou, mas este é que funda o eu. Sem ser não há eu. E então o que é o eu? Um eu nunca é masculino ou feminino, nunca tem uma identidade cultural a ou b. Um eu não é nenhum nenhuma, não é algum alguma. Um eu é. O eu, sendo, vigora num abismo tão profundo que cada eu ao se colocar e procurar como eu se encontra na mais profunda solidão" (1).
- Referência:
- (1) CASTRO, Manuel Antônio de. "Fundar e fundamentar". In: Pensamento no Brasil, v.I - Emmanuel Carneiro Leão. SANTORO, Fernando e Outros, Org. Rio de Janeiro: Hexis, 2010, p. 218.