Mistério
De Dicionrio de Potica e Pensamento
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Edição de 01h45min de 13 de Julho de 2018
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- Normalmente se separa realidade e mistério, como se soubéssemos o que é mistério e realidade. Nem um nem outra cabem no saber, só no não-saber de todo saber. Por isso diz o pensador Emmanuel Carneiro Leão: "O mistério sem nome da realidade não tem onde estar. Nâo se acha em parte alguma, nem no sujeito nem no objeto, nem dentro nem fora. Ao contrário, é nele que estão todas as coisas, é dele que tudo tem o espaço de seus lugares e o tempo de sua hora e vez, é dele que tudo recebe o sentido de sua essência. Não se trata de coisa entre coisas nem de pessoa entre pessoas. Não é nem espírito nem matéria" (1).
- - Manuel Antônio de Castro
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 175.
2
- "O mistério não é o misterioso, o estranho, o longínquo, o enigmático. Ao contrário, é a de-ferência mais íntima da interioridade de nós mesmos, dos outros ou de qualquer coisa. Disso já nos fala a própria palavra. Mistério vem do verbo grego que significa trancar-se no centro, concentrar-se [...]" (1).
- Há aí uma ligação muito próxima com o ordinário, sendo que o extra-ordinário é o ordinário se dimensionando pelo que lhe é mais interior, mais concentrado. Conclui-se que a criação, a eclosão da linguagem se dá pelo redimensionamento da linguagem cotidiana, pela concentração, pelo que lhe é mais interior. O uso e abuso comunicativo da palavra no cotidiano encobre e esquece seu potencial. Trazer a potência das palavras para a sua manifestação não é trabalhar as formas em novas formas. Rosa diz o que é descer ao núcleo vivo das palavras: é "chocar as palavras" (2).
- Referências:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar II. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 180.
- (2) Cf. LORENZ, Günter W. "Diálogo com João Guimarães Rosa". In: Diálogo com a América Latina. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1973.
3
- "O mistério da vida não é alguma coisa de outro mundo; não é uma vida diferente deste mundo ou um outro mundo; o mistério da vida é a vitalidade desta vida, deste mundo. Esta vitalidade que não se deixa controlar, subjugar e aplicar. Isso é o que constitui o mistério da vida" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "O corpo, a terra e o pensamento". In: CASTRO, Manuel Antônio de (org.). Arte: corpo, mundo e terra. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, p. 70.
- Ver também:
4
- Mistério remete, em toda experiência, para o que se diz e reconhece fora das possibilidades de ser, conhecer e dizer. Para se dar e acontecer mistério é indispensárvel morar e descobrir-se no âmbito da Linguagem, do lógos (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Permanência e atualidade do poético: lógos, mýthos, épos". In: Revista Tempo Brasileiro, nº 171. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, pp. 33-8.
5
- "Pensar é expor-se às peripécias dos mistérios, das presenças e ausências, das clarezas e obscuridades. É nessa exposição que o pensar se faz viger e torna vigorosa a força de sua presença. Por sua vez, a apresentação do mistério, como componente da realidade, tem sido produzida de modo a só se apresentarem simulacros de mistérios, isto é, mistérios que de antemão se sabe serem possíveis de virem a ser solucionados, que sejam capazes de se desvanecerem enquanto mistérios" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 170-1.
6
- "Do mistério o que é mais característico é o movimento de concentração no seu âmago, seu recolhimento no íntimo. Ao contrário do que possa parecer a uma concepção dominada pela ideia de meio, de mediação , de instrumento, o concentrar-se no âmago, no imo, traz consigo movimento. A procura do centro do interior não deixa de ser procura. Movimento não implica representação. Concentrar-se é estabelecer um lugar, é, portanto, habitar" (1).
- Referência:
- (1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005, p. 171.
7
- Fora dos domínios da objetividade, cujas distâncias entre o ponto de partida e o de chegada, entre o início e o fim, são bem marcados, o mistério enlaça tais fronteiras ao se dar radicalmente enquanto evocação do desconhecido. Como pensamento radical (de ir à raiz), o mistério não é coisa a ser pensada, mas a própria liberdade do pensar. Em sua experiência, o pensamento acontece e se manifesta como experiência inesgotável: "O mistério é o que se diz e reconhece fora das possibilidades de conhecer e dizer. Ora, o mistério nunca é algo e muito menos algo que esteja fora do pensamento ou que se refira sobretudo à razão e ao discurso. É o mistério da liberdade do próprio pensamento. É a experiência de uma libertação que não se exaure com o que pensa o pensamento. É a presença da vida na morte, da plenitude na limitação, da criatividade na dependência. Só o pensamento radical pode pensar o mistério como mistério" (1).
- Referência:
- (1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. "Hermenêutica, Revelação, Teologia". In: ______. Aprendendo a pensar I. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 211.
8
- Todos reconhecem que nossa fala e conhecimento jamais podem dar conta do mistério em que estamos irremediavelmente mergulhados. O mistério, faz-se sempre presente em tudo e a qualquer momento, mas não tem voz nem rosto: é o silêncio, é a sabedoria, é a não-verdade, o nada criativo. Ele funda toda e qualquer realidade sem reduzir-se a nenhuma. Aliás, como o mistério também ficamos sem saber o que é a realidade. No fundo ela é o próprio mistério.
9
- "O que, deste modo, se mostra e simultaneamente se retira é o traço fundamental daquilo a que chamamos o mistério. Denomino a atitude em virtude da qual nos mantemos abertos ao sentido oculto do mundo técnico a abertura ao mistério (die Offenheit für das Geheimnis) "(1).
- - Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d, p. 25.
10
- "As bens elaboradas histórias de mistério egípcias são um meio intencionalmente escolhido de transmitir conhecimento. O significado e a experiência mística não estão ligados a uma interpretação literal de eventos" (1).
- Referência:
- (1) GADALLA, Moustafa. Cosmologia egípcia - o universo animado. Trad. Fernanda Rossi. São Paulo: Madras Editora, 2003, p. 24.
11
- "O sentido do mundo técnico oculta-se. Porém, se atentarmos agora, particular e constantemente, que em todo o mundo técnico deparamos com um sentido oculto, então encontramo-nos imediatamente na esfera do que se oculta de nós e se oculta precisamente ao vir ao nosso encontro. O que, deste modo, se mostra e simultaneamente se retira é o traço fundamental daquilo a que chamamos mistério. Denomino a atitude em virtude da qual nos mantemos abertos ao sentido oculto no mundo técnico a abertura ao mistério (die Offenheit für das Geheimnis) (1).
- Referência:
- (1) HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituto Piaget. Trad. Maria Madalena Andrade e Olga Santos, s/d., p.25.