Espelho

De Dicionrio de Potica e Pensamento

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: "Pareceu-lhe então, meditativa, que não havia [[homem]] ou [[mulher]] que por acaso não se tivesse olhado ao [[espelho]] e não se surpreendesse consigo [[próprio]]. Por uma fração de segundo a [[pessoa]] se [[ver|via]] como um [[objeto]] a ser olhado, o que poderiam chamar de [[narcisismo]] mas, já influenciada por Ulisses, ela chamaria de: gosto de [[ser]]. Encontrar na [[figura]] exterior os ecos da [[figura]] interna: ah, então é [[verdade]] que [[eu]] não imaginei: [[eu]] existo" (1). A referência a Narciso nos remete para o [[mito]] de Narciso. Vemos por esta [[referência]] que [[mito]] não diz respeito nem a algo [[simbólico]] nem [[falso]] e muito menos [[irreal]]. É que não podemos nos [[limitar]] a considerar meramente o nosso [[exterior]], mas desde o antiquíssimo [[mito]] de Narciso se descobre aquela nossa [[dimensão]] muito viva e [[real]] do [[interior]] e seu [[abismo]] sem fundo. Tentar sondá-lo, especulá-lo, como relata o [[mito]] é se defrontar com a [[questão]] da [[morte]], a triste [[sorte]] de Narciso. Descobrir-se existindo é se defrontar com a [[presença]] certa da [[morte]], mas agora lida na [[dimensão]] do [[existir]]. Só morre quem existe. A [[morte]] nos projeta, como o [[mito]] narra, para além do narcisismo como auto-adoração do [[eu]] pelo [[eu]] e nos faz mergulhar no mais insondável de nós: o [[sou]] do [[eu]].
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:(1) LISPECTOR, Clarice. ''Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres''. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 1.
:(1) LISPECTOR, Clarice. ''Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres''. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 1.

Edição de 06h55min de 16 de Outubro de 2017

1

"Pareceu-lhe então, meditativa, que não havia homem ou mulher que por acaso não se tivesse olhado ao espelho e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fração de segundo a pessoa se via como um objeto a ser olhado, o que poderiam chamar de narcisismo mas, já influenciada por Ulisses, ela chamaria de: gosto de ser. Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não imaginei: eu existo" (1). A referência a Narciso nos remete para o mito de Narciso. Vemos por esta referência que mito não diz respeito nem a algo simbólico nem falso e muito menos irreal. É que não podemos nos limitar a considerar meramente o nosso exterior, mas desde o antiquíssimo mito de Narciso se descobre aquela nossa dimensão muito viva e real do interior e seu abismo sem fundo. Tentar sondá-lo, especulá-lo, como relata o mito é se defrontar com a questão da morte, a triste sorte de Narciso. Descobrir-se existindo é se defrontar com a presença certa da morte, mas agora lida na dimensão do existir. Só morre quem existe. A morte nos projeta, como o mito narra, para além do narcisismo como auto-adoração do eu pelo eu e nos faz mergulhar no mais insondável de nós: o sou do eu.


- Manuel Antônio de Castro


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4. e. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 1.

2

"Hermes, como palavra dos deuses ofertada aos homens na dicção do poeta, diz sempre a verdade, porém não toda a verdade. Desta tensão entre verdade e não-verdade é que surge o próprio mito como espelho de toda especulação. A essência do espelho não é representar o eu como o seu outro, não é reduplicar o real em representações, mas mostrar o que se esconde enquanto aparece. Ou seja, Hermes é o próprio diálogo. No diálogo, as diferenças se especulam, não como diferenças de si, mas do real" (1).


Referência:
(1) CASTRO. Manuel Antônio de. Poética e poiesis: a questão da interpretação. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ. Série Conferências, v. 5. 2000, p. 10.