Limite

De Dicionário de Poética e Pensamento

Edição feita às 19h02min de 15 de Setembro de 2016 por Profmanuel (Discussão | contribs)

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"O limite não é nada que de fora sobrevém ao sendo. Muito menos ainda uma deficiência no sentido de uma restrição privativa. O manter-se que se contém nos limites, o ter-se seguro a si mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o ser do sendo. Faz com que o sendo seja tal em distinção ao não-sendo. Vir à consistência significa portanto: conquistar limites para si, de-limitar-se" (1). O limite aparece, assim, como a manifestação consistente do que é, que ocupa uma posição, está. Os gregos diziam originariamente este ocupar posição com o verbo legein, de onde se originou dizer e depois, com o logos, linguagem. A linguagem é o vigorar do ser numa posição, no estar. Há uma dobra entre ser e estar (2). O limite inclui e exige sempre um fim. Porém, este não é negativo como tal, mas é a plenitude do limite. Este fim denominavam os gregos telos.


- Manuel Antônio de Castro
Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, p. 88.
(2) Cf. o ensaio "Ser e estar". In: CASTRO, Manuel Antônio de. Arte: o humano e o destino. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011, p. 19-57.

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"Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites. Os limites de um humano eram divinos? Eram" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 40.


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"Lembrou-se de como era antes destes momentos de agora. Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas" (1).


Referência:
(1) LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 4ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 168.


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A questão do limite apresenta diversas dimensões: 1ª o limite externo; 2ª o limite interno; 3ª limite no horizonte do não-limite; 4ª o limite da liminaridade, ou seja, do entre; 5ª o limite do como; 6ª o limite de "o que é"; 7ª o limite da "compreensão"; 8ª o limite do diá-logo; 9ª o limite como disputa (polemós do grego, Streit de Heidegger). Todas essas dimensões brotam no interior do Entre-ser e fazem aflorar as nossas limitações. A limitação faz eclodir a tensão "entre" questão e conceito, assim como se faz presente no horizonte da nossa compreensão. Mas mais profundamente acontece no entre ser E não-ser. É dentro desta dinâmica que precisa ser encarada a obra de arte.


- Manuel Antônio de Castro


Ver também:


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"Espaço é algo espaçado, arrumado, liberado, num limite, em grego péras. O limite não é onde uma coisa termina mas, como os gregos reconheceram, de onde alguma coisa dá início à sua essência. Isso explica por que a palavra grega para dizer conceito é horismós, limite. Espaço é, essencialmente, o fruto de uma arrumação, de um espaçamento, o que foi deixado em seu limite" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 134.


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"No sentido grego, o limite não tranca, mas traz como pro-duzido a própria presença para o aparecer. O limite liberta para o desvelado. Através de seu contorno, à luz da visão grega, a montanha põe-se em seu erguer-se e repousar. O limite que fixa é o que repousa - a saber, na plenitude da mobilidade – e tudo isto vale para a obra no sentido grego do ergon [obra], cujo “ser†é a energeia, que reúne infinitamente em si mais movimento do que as modernas 'energias' " (1).


Referência;
HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Trad. Idalina Azevedo da Silva e Manuel Antônio de Castro. São Paulo: Edições 70, 2010, p. 213.


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"... o limite não é, para os gregos, aquilo pelo qual alguma coisa cessa e toma fim, mas aquilo a partir de onde alguma coisa começa, por onde ela tem seu acabamento" (1).


Referência:
(1) HEIDEGGER, Martin. Remarques sur art - sculpture - espace. Trad. do alemão por: Didier Franck. Paris: Rivages poche / Petite Bibliothèque, 2009, p. 18. Tradução do francês: Manuel Antônio de Castro.


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"Os limites não apenas nos retiram e recusam alguma coisa. Os limites, quando o fazem, só o fazem para nos conceder e pôr nas possibilidades que somos e por isso mesmo temos. Pretender eliminar obscuridades tão criadoras equivaleria à impotência de poder tudo, de saber tudo, de fazer tudo. Pretender esclarecer tudo é não ver nada. Para o homem finito, definido pela mortalidade, uma clareza sem sombras não esclarece, cega" (1).


(1) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Filosofia grega - uma introdução. Teresópolis: Daimon Editora, 2010, p. 48.


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"Os gregos denominaram physis o uni-verso, de onde se originam todos os fenômenos. Ambas as palavras – physis e phainomenon - radicam na raiz indo-europeia ph (fi). E há uma terceira que, normalmente, não é pensada no fenômeno da physis: a phos, ou seja, a luz. Para os pensadores gregos sem luz não há physis, pois ela é o princípio de tudo que é e não-é. Sem luz não há limite e não-limite. A claridade bem como a escuridão são sem limite, porque ambas somente são porque vigoram na luz. No entanto, sem a claridade não podemos apreender o limite de tudo que é. Esse é o mistério da luz, da phos, já o disseram os gregos" (1).


Referência:
(1) CASTRO, Manuel Antônio de. "O ser humano e seus limites". In: MONTEIRO, Maria da Conceição e Outros (org.). Além dos limites - ensaios para o século XXI. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013, p. 228.
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