Realidade

De Dicionrio de Potica e Pensamento

Edição feita às 21h55min de 11 de Abril de 2011 por Profmanuel (Discussão | contribs)

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Há duas formas correntes e contraditórias de con-ceber a realidade. Pela primeira ela é o resultado do que nossos sentidos per-cebem. Pela segunda ela depende de alguma teoria, racional ou criacionista. Tenta-se unir num terceiro módulo estas duas, seja dialeticamente, seja cientificamente. No entanto, a verdade é muito simples: Realidade é o que não cessa de vigorar e se dá a nós como acontecer poético. A realidade nunca depende, como se crê normalmente, de uma concepção. Ela simplesmente vigora acontecendo, sendo, portanto, um incessante poietizar ou popularmente poetar dela e por ela mesma.


- Manuel Antônio de Castro

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"Pois a realidade é apenas um conceito, ou um princípio, e por realidade quero dizer todo o sistema de valores conectado com este princípio" (1). Logo a seguir define Real como algo metafísico de causas e efeitos. Mas se esse é o real metafísico o que é o real não metafísico? Ou, em sentido grego, o que é a phýsis? Como pensar a realidade ou a hiper-realidade sem pensar a phýsis? Realidade como hiper-realidade - paroxismo e paródia ao mesmo tempo. "Ela aceita todo tipo de interpretação porque ela não faz mais sentido..." (2).


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 69.
(2) Idem, p. 83.


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Numa visão do senso-comum ou do positivismo endêmico, a realidade é o que está aí e nos cerca. Porém, essa questão é bem mais complexa. Essa complexidade pode ser pensada a partir do fragmento 123 de Heráclito, quando diz: "A natureza ama retrair-se" (1), onde a realidade é a tensão no amar tanto do que se manifesta, se desvela, quanto do que se retrai, se vela. Emmanuel Carneiro Leão, a esse propósito, vai falar de totalidade do real ou natureza e tudo que de alguma maneira se desvela, já a realidade é o que se manifestando se retrai. A realização é o amor que é o agir, pelo qual se dá o manifestar-se e o retrair-se. Em suas palavras: "A totalidade do real, o espaço-tempo de todas as coisas, não é apenas o reino aberto das diferenças, onde tudo se distingue de tudo... A totalidade do real é também o reino misterioso da identidade, onde cada coisa não é somente ela mesma, por ser todas as outras, onde os indivíduos não são definíveis, por serem uni-versais, onde tudo é uno: hen panta. No movimento de sua realização, a realidade é tanto o horizonte em expansão da luz de todas as singularidades como a uni-versalidade protetora da noite, onde todos os gatos são pardos" (2). O "hen panta" a que Leão se reporta é o núcleo do fragmento 50 de Heráclito. Por este fragmento também podemos pensar a noite como sendo o silêncio falante do lógos.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) HERÁCLITO et alii. Os pensadores originários. Petrópolis: Vozes, 1991.
(2) LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 84.


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"A unidade é o ponto inicial de qualquer desencadear da realidade. Toda realidade é unidade de identidade e diferença. Na medida em que toda unidade é a vigência do mais simples e do mais complexo, toda unidade é sem dobras, e ao mesmo tempo a exigência de dobramento" (1).


Referência:
(1) JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7letras, 2005, p. 53.


Ver também:

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Realidade não é só o que se vê ou sente. Realidade é propriamente a vigência do vigente que se dando como ver, sentir, criar e crer permanentemente se retrai e vela. Mesmo do que se dá a ver e sentir, vemos e sentimos muito pouco. Por isso mesmo, a vigência do vigente é muito mais do que o consciente e do que o inconsciente. Realidade como vigência do vigente é o ser e o nada do abismal mistério: amor.


- Manuel Antônio de Castro


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"O sentido da realidade é uma questão de talento. Para a maioria das pessoas falta esse talento... e talvez seja melhor assim..." (1). Não só a realidade de cada um é uma questão de dávida da vida, também a dávida do sentido da realidade é um dom, que se recebeu ou não. Cabe a cada um com simplicidade acolher esse dom e não exigir dos outros o que não recebeu, porque o sentido da realidade não é algo que se consiga pelo uso da razão. Alguém pode ser muito erudito e racional e não ter o dom do sentido da realidade. Os antigos diziam que esse sentido da realidade é uma questão de destino, assim como ser um Beethoven, um Bach, um Sófocles, um Guimarães Rosa, é uma questão de destino. Friedrich Hölderlin, para assinalar esse destino nele, afirmou num momento de grande lucidez e loucura: "Apolo me feriu". Àquele que foi ferido pelo sentido não cabe deixar de cumprir o destino, que não pode ser confundido com "radicalismo" conceitual e doutrinal. Se então há radicalismo, é o radicalismo das questões. E estas é que nos têm, como o destino. O sentido da realidade é o originário da realidade se manifestando. Sentido da realidade é o saber da realidade. Em Grande sertão: veredas, João Guimarães Rosa também se refere a esta questão do sentido da realidade, que ele denomina, ser-tão, dizendo: "Sendo isto. Ao doido doideiras digo...Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei...Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas - e só essas poucas veredas, veredazinhas" (2). Por que para a maioria das pessoas falta o sentido da realidade não cabe a nós indagar. Em princípio todos os recebem, mas tornar-se um dom no sentido de um destino específico para algo, isso já é uma questão de talento, como muito bem afirma Bergman, emborar como ser humanos todos estejam abertos para essa possibilidade.


- Manuel Antônio de Castro


Referências:
(1) BERGMAN, Ingmar. No filme Sonata de outono.
(2) ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 79.


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"Deixe-me lhe dizer uma coisa Anna Egerman. Na minha idade, quando nos inclinamos para a frente, às vezes, nossa mente entra em uma outra realidade. Os mortos não estão mais mortos. Os vivos parecem fantasmas. O que era óbvio um minuto atrás... tornou-se peculiar e impenetrável. Anna... ouça o silêncio aqui neste palco. Imagine toda a energia espiritual, todos os sentimentos reais e representados...riso, fúria, paixão e Deus sabe mais o quê...Tudo isso permanece aqui...fechado...vivendo sua vida secreta e ininterrupta. Às vezes eu os ouço. Às vezes, não. Sempre. Às vezes acho que consigo vê-los...demônios, anjos...fantasmas...pessoas comuns...cuidando atentamente de suas vidas. Fechadas. Reservdas" (1).


Referências:
(1) BERGMAN, Ingmar. Fala do personagem Henrik Vogler, no filme Depois do ensaio.


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"A realidade é mais do que nossos sentidos alcançam, portanto, mais do que a medida de nossa visão ou densidade de nossa audição. A realidade é trânsito que se desapega do estático para se fundar no extático, ainda que confundida com a solidez do cotidiano mal interpretado; é a impossibilidade de ser abrangida numa definição. Neste caso, qualquer tentativa de fazê-lo é já uma investida passada, radicada na derrota de um ensaio conceitual, antes mesmo de sobressaltar a voz e ganhar a fala" (1).


Referência:
(1) PESSANHA, Fábio Santana. "Homem: corpo insólito". In: GARCÍA, Flavio; PINTO, Marcello de Oliveira; MICHELLI, Regina (orgs.). O insólito e seu duplo – Anais do VI Painel Reflexões sobre o Insólito na narrativa ficcional/ I Encontro Regional Insólito como Questão na Narrativa Ficcional. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2010, p. 143.
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