Desaprender
De Dicionário de Poética e Pensamento
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: (1) PESSOA, Fernando. ''Alberto Caeiro''. S. Paulo: Cia. das Letras, 2004, p. 60, 84. | : (1) PESSOA, Fernando. ''Alberto Caeiro''. S. Paulo: Cia. das Letras, 2004, p. 60, 84. | ||
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+ | : No filme [[Samsara]], de Pan Nalin, o [[personagem]] Tashi diz: "Tem [[coisas]] que devemos [[desaprender]] para poder aprendê-las. E tem [[coisas]] que precisamos [[possuir]] para poder [[renunciar]] a elas". Trata-se, evidente, do que podemos [[compreender]] por ''possuir''. O que recebemos e possuÃmos unicamente é o ser que somos e nos foi feita [[doação]]. A posse de todo o resto não passa de um uso provisório. Mas o que somos são [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]]. Toda [[realização]] de uma [[possibilidade]] implica o [[empenho]] por algo. Sem o alcance deste algo não é possÃvel [[renunciar]] a ele. Como somos [[possibilidades]] de e para [[possibilidades]],é necessário que não nos prendamos à s [[possibilidades]] realizadas, para podermos livremente nos lançar na [[realização]] de novas [[possibilidades]]. Daà a [[necessidade]] da [[renúncia]] para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o [[empenho]] de todos os [[empenhos]]: o que somos e nos foi doado. Por isso, no filme, o mestre de Tashi diz: "O que é melhor: satisfazer mil [[desejos]] ou realizar apenas um?". Este "um" só pode ser o "[[bem]]" de todos os "bens", aquele que nos deve guiar em todas as [[procuras]]. Simplesmente porque os bens estarão sempre no âmbito dos "entes". E a [[realização]] do que somos só nos pode advir do [[Ser]]/[[Bem]]. É este o [[Amor]]. Sem dúvida nenhuma, aà a palavra [[essencial]] é: satis-fazer. "Satis", [[palavra]] latina que diz plenificar, ou seja, aquilo que nos faz plenos. | ||
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+ | : Fica claro que o [[desaprender]] é o [[movimento]] de arrancar, descobrir e [[desfazer-se]] das [[máscaras]], a [[persona]] que cada um [[socialmente]] e por [[hábito]] vive, para cada um [[ser]] o que [[é]] e recebeu para [[ser]]. | ||
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+ | : (1) FOGEL, Gilvan. "O desaprendizado do sÃmbolo (A poética do ver imediato)". In: Revista ''Tempo Brasileiro'', 171, ''Permanência e atualidade da Poética''. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 40. |
Edição atual tal como 16h01min de 12 de Setembro de 2019
Tabela de conteúdo |
1
- Alberto Caieiro, o poeta-pensador, já disse poeticamente o que é desaprender:
- Mas isto (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
- Isso exige um estudo profundo,
- Uma aprendizagem de desaprender . (Poema XXIV)
- Procuro despir-me do que aprendi,:
- Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
- E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos ... (Poema XLVI) (1)
´
- Isso é enigmático porque devemos aprender para desaprender, ter para renunciar, porque só renunciando chegamos a ser o que temos, porque só podemos ter o que somos e só podemos ser o que temos. Portanto, não há uma incompatibilidade entre ter e ser. Entra aà uma terceira dimensão nesse jogo dialético entre ter e ser, e ser e ter: o desprendimento, a renúncia, porque a renúncia não tira, dá. Nesse jogo dialético se torna também claro o jogo entre identidade e diferença. A identidade nos remete para o horizonte do fundar, do ser, do nada. Já a diferença nos mostra em que consiste o próprio, (ter), que só o nada, (ser), pode fundar. Enfim, toda aprendizagem é um desaprender.
2
- No filme Samsara, do diretor indiano Pan Nalin, há a seguinte fala do monge Tashi:
- Tem coisas que devemos "desaprender" para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas (1)
- O monge budista Tashi está na dúvida se deve sair do mosteiro ou não, para poder realizar o desejo sexual pela mulher Pema, tomado que se sente pela libido sentiendi.
- (1) NALIN, Pan. Samsara, filme de 2002.
- Referência:
- (1) PESSOA, Fernando. Alberto Caeiro. S. Paulo: Cia. das Letras, 2004, p. 60, 84.
3
- No filme Samsara, de Pan Nalin, o personagem Tashi diz: "Tem coisas que devemos desaprender para poder aprendê-las. E tem coisas que precisamos possuir para poder renunciar a elas". Trata-se, evidente, do que podemos compreender por possuir. O que recebemos e possuÃmos unicamente é o ser que somos e nos foi feita doação. A posse de todo o resto não passa de um uso provisório. Mas o que somos são possibilidades de e para possibilidades. Toda realização de uma possibilidade implica o empenho por algo. Sem o alcance deste algo não é possÃvel renunciar a ele. Como somos possibilidades de e para possibilidades,é necessário que não nos prendamos à s possibilidades realizadas, para podermos livremente nos lançar na realização de novas possibilidades. Daà a necessidade da renúncia para que nos empenhemos permanentemente naquilo que deve ser o empenho de todos os empenhos: o que somos e nos foi doado. Por isso, no filme, o mestre de Tashi diz: "O que é melhor: satisfazer mil desejos ou realizar apenas um?". Este "um" só pode ser o "bem" de todos os "bens", aquele que nos deve guiar em todas as procuras. Simplesmente porque os bens estarão sempre no âmbito dos "entes". E a realização do que somos só nos pode advir do Ser/Bem. É este o Amor. Sem dúvida nenhuma, aà a palavra essencial é: satis-fazer. "Satis", palavra latina que diz plenificar, ou seja, aquilo que nos faz plenos.
4
- "Desaprender o social, o coletivo, o público e o hábito, que é este ver e interpretar publicamente, socialmente, habitualmente - isso quer pois dizer: retirar-se do uso abusado; retrair-se para o só, ensozinhar-se, ou seja, singularizar-se, fazer-se um e só. Aprender a desaprender é igual e simultaneamente aprender a ser só, é exercÃcio de encaminhamento da solidão para a solidão - o lugar e a hora do ver" (1).
- Fica claro que o desaprender é o movimento de arrancar, descobrir e desfazer-se das máscaras, a persona que cada um socialmente e por hábito vive, para cada um ser o que é e recebeu para ser.
- - {{Manuel Antônio de Castro]].
- Referência:
- (1) FOGEL, Gilvan. "O desaprendizado do sÃmbolo (A poética do ver imediato)". In: Revista Tempo Brasileiro, 171, Permanência e atualidade da Poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 40.